Pedagogia palmatória
RESUMO: A pedagogia palmatória é uma forma de ensinar à base de uso dos castigos psicofísicos e monopólio de conhecimento, a partir de uma perspectiva absolutista de ensinar para obedecer e obedecer para manter o status quo da realidade sociopolítica da sociedade dominante. Entretanto, para melhor estudar este facto social, o presente trabalho aborda a relação entre a pedagogia de palmatória com o colonialismo e estende essa abordagem comparativa com a pedagogia do colonizado nas zonas libertadas, no período da luta armada pela independência da Guiné e Cabo Verde. Com isso, o artigo analisa a política de meritocracia num sistema educativo, reflexo de uma sociedade desigual, de luta de classes, na qual a escola não é um espaço neutro desta realidade e nem proporciona uma sociedade sem opressões devido a várias formas de discriminação, legalizadas nesta instituição, para a manutenção do poder no marco de capitalismo.
Introdução
A escola é um espaço de socialização de indivíduos e de aprendizagem. É igualmente um espaço de manutenção do status quo da sociedade dominante e da manutenção da política, isto é, das culturas, dos idiomas, das relações sociais, éticas e morais. Portanto, a pedagogia, enquanto ferramenta indispensável para educar a sociedade, não pode livrar-se, genericamente, desta perspectiva ancorada na base de governabilidade social e de praticar os ideais da sociedade vigente. Sendo assim, o regime, modo de governar, está intimamente ligado à opressão para melhor praticar a exploração. Só assim esta sociedade consegue manter a sua pujança e existência na hierarquização de diferentes tipos de opressões, como “dar palmatórias às crianças nas escolas ou fazer-lhes sentir incapazes com orelhas de burros à base de uma comparação injusta”, normalizadas pela sociedade com o objetivo de manter a violência do próprio sistema injusto, com a pseudo-justificativa de meritocracia.
Este artigo analisa essa violência institucionalizada numa perspectiva abstrata, como se fosse um acontecimento isolado, sem o reflexo da estrutura familiar que parte da interdependência das relações criadas a partir da estrutura do Estado. Verificamos como a relação de violência física e psicológica desencadeia outras formas de violência na sociedade, das palmatórias e puxões de orelhas, como estratégia para aprender ou não voltar a cometer o mesmo erro.
Na verdade, essa perspectiva pedagógica passa a incentivar a cultura opressiva como o melhor modo de educar numa sociedade. Ensinar as crianças com essa pedagogia é, na verdade, dar-lhes ferramentas para resolver os seus problemas usando violência, uma vez que aprendem de forma opressiva. Sendo assim, cria-se a impaciência em ensinar e automaticamente abre-se ao espaço da obrigatoriedade que, por sua vez, só é possível negando a liberdade e o direito de outrem, pela via da violência psicofísica.
No entanto, para que essa violência escolar seja vista como algo social e necessário, é imprescindível a “triangularização da violência” que, de fato, funciona à base de uma interdependência entre FAMÍLIA, ESCOLA E ESTADO, com pendor para a violência estatal. A violência familiar e a escolar andam de mãos dadas através da política reducionista da violência escolar por parte da estrutura do estado. Entenda-se violência escolar como o espaço onde se ensina a obedecer e a praticar a violência impunemente e com uma certa legitimidade social “in”consciente, que acaba por transcender o espaço escolar. Contudo, apesar da violência do professor sobre o aluno ser a mais recorrente no espaço escolar, verifica-se também a do aluno sobre aluno, influenciado pelo professor a partir de uma pedagogia de palmatória legitimada pela coercibilidade social. A pedagogia de palmatória não se limita às formas de bullying ou de castigos físicos, mas é toda a herança educativa colonial e de sistema educativo capitalista que aprisiona a liberdade de apreender a partir de uma pedagogia de obediência.
O colonialismo, enquanto ferramenta política usada para dominar outros povos, deixou as suas heranças da pedagogia de palmatória nos países colonizados. Os métodos opressivos de ensinamentos que provêm do colonialismo passam por robotizar, discriminar, humilhar, absolutizar o professor enquanto detentor de conhecimento. Passa também por tornar os alunos depósitos destes conhecimentos para não haver capacidade crítica dos conhecimentos a serem dados, com o objetivo de manter a estrutura sociopolítica. Portanto, herdar o currículo escolar colonial é, de fato, na verdade, herdar toda a sua forma pedagógica de ensinar. Diante disso, analisamos a relação entre o colonialismo e a pedagogia de palmatória, mas também o sistema educativo das zonas libertadas do PAIGC e suas relações com a pedagogia libertadora para emancipação dos oprimidos.
Pretendemos descrever e caracterizar o fenómeno da violência escolar e o seu impacto na sociedade, para assim melhor trazer ao debate científico e público as diferentes práticas punitivas nas escolas. Muitas pessoas entendem-nas como formas pedagógicas eficazes para aprendizagem escolar e outras como violência simbólica que não abona na formação de cidadãos com cultura de diálogo, de senso crítico e na construção de uma sociedade sem opressão.
No colonialismo enquanto instrumento de dominação em todas as vertentes, era inevitável o seu uso da violência contra os povos colonizados para fazer valer seus interesses económicos. O colonialismo ignorou completamente a lógica de aprendizagem, que se faz na base da liberdade e, também, ela é recíproca, mas como essa lógica terá sido um entrave no alcance dos seus interesses, os colonialistas optaram por enveredar pela pedagogia de palmatória, que é, de fato, ser o detentor de todo conhecimento e negar todos os outros conhecimentos, o modo de ser e de estar dos povos colonizados através da perspectiva de ensinar para dominar. Mas essa forma pedagógica de ensinar para dominar sempre requer opressão, isto é, uso da violência física ou psicológica e automaticamente bloqueia a nossa parte crítica enquanto a base indispensável para nos tornar seres produtivos, aqueles com capacidade de discernimento, de questionar o inquestionável para entender os fenómenos sociais como são na verdade. Por um outro lado, cria em nós a perspectiva de sermos seres reprodutores, aqueles que não questionam os fenómenos sociais, devido ao uso da pedagogia de palmatória que centraliza o conhecimento de uma forma sistematizada e hierarquizada. Nessa centralidade e ocidentalização do conhecimento que se esconde a pedagogia de ensinar para obedecer e obedecer para manter o status quo da estrutura social dominante que oprime para explorar, porque passa a ser a única estrutura hierarquizada com a legitimidade de produzir o conhecimento, foi o que aconteceu com os países africanos colonizados, uma epistemologia exógena, na qual boa parte dos conhecimentos sobre seus povos foram escritos pelos colonizadores e se negava o ser africano.
Segundo Hountondji (2008), África precisa de uma autonomia na produção do conhecimento, isto é, os conhecimentos africanos devem ser os que respondam às questões dos próprios africanos e não ir ao encontro daquilo que Macamo (2002) chama de saber colonial. Porque esse processo de ensinar outros povos a serem alienados às culturas ocidentais, aos seus modos de interpretar a natureza, de entender a família, e sobretudo de produzir e entender o conhecimento, tudo isso, na verdade, não aconteceu e nem acontece por acaso. Foi à base de uma violência brutal porque havia uma certa resistência dos povos colonizados da “Guiné, Angola e Moçambique” contra essa pedagogia, esses povos não se sentiam identificados e nem se quer reviam no que estavam a ser obrigados a aprender. Sendo assim, a pedagogia de palmatória foi a condição sine qua non para o enraizar do colonialismo.
Foi exatamente nesse momento histórico que se criou essa falsa narrativa: os pretos só aprendem à chicotadas. Ainda se verifica a triangularização da violência através da pedagogia de palmatória, mas em diferentes formatos, quer na relação familiar — entender que para um indivíduo não voltar a cometer os erros é preciso castigos físicos — e a instituição escolar através do Estado legitima essa violência a partir do espaço escolar normalizando-se como ferramenta eficaz para ensinar. Essa forma de ensinar dos colonialistas contribuiu bastante na alienação dos povos colonizados, pois, nesta sociedade colonial, indagar o sistema pedagógico ou escolar é automaticamente uma afronta, ou seja, uma ameaça à sociedade dominante. Por isso, é categórico no marco de imperialismo (fase superior do capitalismo) fazer da escola uma instituição da obediência, porque é indispensável para a alienação e sistematização dos inferiorizados, sendo assim, o espaço escolar serve daquilo que Paulo Freire chama de “educação bancária”. Esse modelo de ensinar é depositar todos os conhecimentos e formas de ser e estar da sociedade dominante e, quem sabe mais reproduzir esses ensinamentos, será sempre aceite como parte daquela sociedade opressora com a tarefa preciosa de manutenção da estrutura social capitalista e com a ilusão aos outros inferiorizados através da falsa meritocracia mas que, na verdade, é um robô programado para o próprio sistema a partir do espaço de manutenção do poder dominante que é a instituição educativa sistematizada “Escola”.
A meritocracia não existe no sistema educativo assente numa sociedade desigual. A escola nesse sistema desigual torna-se um espaço elitizado, da ideologia da minoria, da cultura da minoria dominante “a cultura burguesa”, da língua falada a base de uma hierarquização ocidentalizada linguística. Por exemplo, uma pessoa com que a família é portuguesa e o idioma familiar de dia a dia é o português, os pais são burgueses e uma outra família é camponesa, lavram a terra para a sua subsistência e o seu idioma de dia a dia é “Kriol e Balanta” o único espaço que ele tem de falar português, é na escola. Sendo assim, a primeira tem a tendência de compreender mais a matéria do que a segunda, porque a língua já é um obstáculo para a outra da família camponesa e, quando se fala da cultura fala-se na perspectiva cultural da primeira família que é, na perspectiva burguesa, é óbvio, quem tem a probabilidade de sentir mais identificado e saber expressar melhor sobre essa cultura, é aquele que faz parte da sociedade dominante. Portanto, a escola é a extensão da realidade política ancorada na base ideológica da governabilidade da sociedade. Isto quer dizer, a escola funciona à base da coerção social daquilo que é a organização social vigente. E essa coerção social é administrada pela perspectiva política dominante. É por isso que o próprio sistema político opressor nunca vai proporcionar uma pedagogia revolucionária porque, ao fazer isso, disponibiliza as chaves para abrir as celas onde estão encarcerados os oprimidos e oprimidas.
A pedagogia de palmatória reforça a violência simbólica na sociedade e sobretudo no que tange à violência doméstica tendo em conta a divisão de tarefa e responsabilidade de uma forma machista, colocando o marido como o absoluto e resto da família sob suas ordens e perspectivas, negando toda a possibilidade de diálogo e visões opostas sobre os problemas no seio da família. Essa violência simbólica encontra-se nas escolas através de subordinação dos usos e costumes dos outros grupos sociais. Por exemplo, os colonialistas portugueses na Guiné, no seu entendimento sobre a civilização, obrigavam os alunos a pentear os cabelos, alisá-los ou cortá-los. Isso significa uma violência simbólica, partindo de uma pedagogia colonial de fazer estes povos desvalorizar os seus próprios cabelos criando complexos de inferioridade que culminam na alienação identitária com desejos de ter cabelos iguais aos brancos portugueses. Portanto, ser civilizado transformou-se em alienação, ou seja, ter um comportamento aparentemente português, para assim melhor dominar a estrutura social. Nesta ordem de pensamento que a escola colonial fazia o efeito multiplicador da sua violência simbólica que persiste ainda nas escolas das ex-colónias. Mas para além desta violência simbólica, a pedagogia de palmatória teve uma relação íntima e indissociável com o colonialismo, em todas as vertentes, quer cultural, económica e sociopolítica. Mas a forma mais subtil de se fazer e para ter uma justificativa inconscientemente aceite pelos próprios colonizados, seria a escola como pilar basilar de fazer valer essa violência para depois ser implementada nos campos agrícolas, nas construções coloniais, nos pagamentos de impostos e no modo de ser e estar dos colonialistas. Por isso, o colonialismo usava chicote para obrigar os colonizados a fazer qualquer serviço do seu interesse colonial.
A pedagogia de palmatória não só afeta o corpo físico, como a psique. É indispensável entender que em nenhum momento essa violência deixou de ser perpetuada também nas universidades ou nos ensinos secundários só pelo facto, já não se usa métodos de palmatória física, mas o mais perigoso de tudo é a robotização na aprendizagem que, na verdade, um autêntico absolutismo, aburguesamento e ocidentalização dos saberes, pois isso cria uma pirâmide em termos de epistemologias em que os países africanos e colonizados cumprem o papel de recipiente dos conhecimentos ocidentalizados. Essa falsa liberdade nas universidades no marco do imperialismo, reflete nas condições de manutenção de um sistema opressor e explorador. Com isso, mantém-se as desigualdades em termos de acesso ao ensino, e sobretudo nos acessos aos conteúdos, devido às diferenças criadas pelo próprio sistema político educacional. Entretanto, a funcionalidade das universidades e as escolas são feitas à base de modos de produção das sociedades .
Esse funcionalismo demonstra claramente as escolas no sistema capitalista, não sendo espaços que proporcionam a igualdade nem isentos da luta de raça, do género e de classes, mas como reflexo da família de cada estudante. O professor enquanto parte dessa luta e, sobretudo com maior pendor em tornar o espaço escolar de manutenção da sociedade ou um espaço escolar para a conscientização dos alunos ou estudantes com objetivo de revolucionar a sociedade, através da pedagogia revolucionária. Essa pedagogia revolucionária é, na verdade, ensinar de forma diferente, fazendo das salas de aulas um espaço político que dará ferramentas aos alunos para defesa de uma sociedade sem opressão e exploração. De acordo com Hooks (2020), educar ou ensinar para os negros, na altura de segregação racial, era um ato fundamentalmente político, pois tinha raízes na luta contra o racismo. Isso aconteceu também na luta pela independência da Guiné-Bissau, nas Zonas Libertadas.
A luta da libertação em todos os territórios do mundo, sempre foi também uma luta pedagógica, de ganhar a consciência da realidade material dos povos desses territórios da necessidade imperiosa da sua sobrevivência e dignidade enquanto ser. Mas essa necessidade foi construída de diferentes maneiras em cada determinado povo. A luta armada pela independência da Guiné-Bissau contra o estado fascista de Portugal, teve dois momentos pedagógicos históricos revolucionários, um momento da pedagogia para fazer ingressar o povo da Guiné na luta contra o colonialismo e no outro momento da pedagogia da escolarização das zonas já controladas pela tropa nacional. Essas duas práticas educativas à base de uma pedagogia revolucionária foi formada na base de uma liberdade, na qual as pessoas compreenderam a necessidade de ingressar as fileiras da luta e aprenderam de uma forma livre a desenvolver as capacidades quer física ou intelectual em prol da liberdade na luta contra dominação colonial. Nas zonas libertadas usava a pedagogia revolucionária de ensinar a partir da própria realidade material do povo em teorias e práticas, mas também os conhecimentos globais. As escolas das zonas libertadas eram espaços educativamente políticos à base da consciência da necessidade da luta armada contra o colonialismo, capitalismo, imperialismo e em prol do desenvolvimento da Guiné, de África e do mundo sem opressão e exploração do homem pelo homem. Um professor ou uma professora, uma aluna ou um aluno todos estudavam os valores e princípios da luta, através dos manuais escolares sem nenhuma violência física, isto é, não se usava palmatória para obrigar alunos a assimilar os conteúdos dados como se fazia nas escolas colonialistas. A necessidade de combater o medo não tem de ser com o medo, mas sim com a pedagogia consciente revolucionária da realidade política material que se coloca esse povo a ter medo. Sendo assim, não fazia sentido ter o povo como refém da sua própria luta, mas ele deveria ter consciência básica da importância de lutar. Foi nessa perspectiva que se ensinava nas zonas libertadas: educar para a liberdade, liberdade para pensar, pensar para melhor agir. Essa pedagogia das zonas libertadas assentava numa abordagem militante para a educação, na qual ensinava a pensar para melhor saber tirar ilações em qualquer que seja a situação sociopolítica concreta. Entretanto, para romper com estrutura social colonialista de elitizar o espaço escolar, criou-se nas zonas libertadas o projeto educativo para os adultos e jovens, uma escola gratuita sem diferenças e sobretudo as formas de ensinar respeitavam toda a realidade sociocultural e de nível de compreensão de cada um, tendo em conta as desigualdades sociais que o próprio sistema colonial engendrou. Portanto, partir dessas diferenças é extremamente indispensável para a criação de um sistema educativo sem desigualdade.
As escolas das zonas libertadas, através de formação militante com o papel pedagógico de suma importância que é aprender a fazer, não aprender a obedecer através dos pressupostos básicos para a produção de conhecimento, tais são: questionar e criticar.
Essa formação militante demonstra como era o espaço escolar nas Zonas Libertadas. O espaço escolar era lugar onde não havia detentor do conhecimento, os professores eram também uma parte em aprendizagem, pois, na verdade a aprendizagem era coisa que se via, de facto é recíproca a base de contribuição de todos os envolvidos no espaço escolar. Diante disso, havia interligação dos conhecimentos devido à criação de PROFESSOR MILITANTE; ESTUDANTE MILITANTE E COMBATENTE MILITANTE.
Era para fazer entender essas duas categorias da nossa análise no que tange à pedagogia revolucionária, que o professor ou o estudante não são meros instrumentos robotizados distanciados da política e em nenhum momento as escolas na história da humanidade foram espaços neutros. E sobretudo, os professores com mais responsabilidade de fazer esses espaços serem entendidos por estudantes como um espaço de luta política refletida na sociedade que governa. Foi exatamente, essa responsabilidade que os professores militantes tiveram para descolonizar os materiais didáticos, produzir currículos de acordo com a realidade sociocultural do povo, transformar os comportamentos e hábitos que não abonam no avanço de uma sociedade livre e incentivar o pensamento crítico entre o professor e o estudante, etc.
Essa formação militante foi um elemento crucial e com uma pedagogia revolucionária, na verdade, foi o elemento destruidor do colonialismo na subconsciência dos estudantes e professores e que teve sua repercussão positiva nas zonas libertadas e que transcendem essas fronteiras. No entanto, essas pessoas não foram obrigadas a ganhar consciência, mas isso aconteceu com a ajuda de uma educação libertadora. Hoje, fala-se de educação de palmatória, de castigos físicos como elemento de avanço académico na Guiné, mas é contraproducente com que aconteceu nas zonas libertadas através da pedagogia revolucionária e com mínimas condições de infraestruturas, debaixo das árvores e ao mesmo tempo com barulhos de armas na luta contra o colonialismo português. As escolas nas zonas libertadas conseguiram imprimir uma dinâmica na sociedade guineense em geral, na não aplicabilidade de castigos físicos e violências domésticas com justificativas de reaprendizagem, por exemplo, no caso das violências domésticas contra as crianças no que tange as palmatórias dadas pelos pais aos seus filhos como algo educativo e também o caso das pessoas fazerem a justiça com suas próprias mãos.
Este marco importante só se consegue nos moldes de uma pedagogia revolucionária que proporciona uma sociedade sem opressão e exploração. Mas para consegui-lo é indispensável uma política educativa ancorada na liberdade de apreender e que o acesso ao ensino para todos sem políticas educativas desiguais e elitizadas por um grupinho.
Nunca se pode ter uma escola ou universidade que proporciona igualdade nas salas de aulas, em termos de explicar matérias, se a própria sociedade é desigual. Isto quer dizer, o ponto de partida é diferente, logo, a forma de assimilar a matéria será diferente. E a sala de aula nessa situação passa a servir de um exemplo da sociedade hierarquizada, o professor ser absoluto, depois aos alunos com mais entendimento das matérias devido à sua condição material, demonstra também a vulnerabilidade de cada um em termos de ter acesso aos livros e condições financeiras de sustentar o curso. Por isso, o sistema educativo das zonas libertadas baseava-se em proporcionar condições iguais, mas sempre à base de uma pedagogia revolucionária de aprender fazer e não de educar para obedecer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pedagogia de palmatória é uma ferramenta de opressor, que usa a opressão com finalidade de manter a sua pujança, mas por um outro lado, ela engendra às vezes na sua aplicabilidade um sentimento muito negativo no oprimido, de não lutar para erradicar à opressão, mas sim, para estar no lugar do próprio opressor. O resultado disso é o efeito contagiante e multiplicador dessa prática ao ser professor e manter o status quo da toda pedagogia de palmatória, começar a falar da meritocracia, chamar uns de inteligentes outros de burros, sem levar em conta a realidade material de cada estudante. Essa pedagogia palmatória não só cria trauma, mas também bloqueia a produtividade dos estudantes, porque não se ensina para liberdade e, é de facto a partir desta liberdade que se consegue demonstrar as capacidades de cada estudante, não na base de educar para obedecer. Essa forma de violência simbólica desencadeia outras formas de violências na sociedade, sendo assim, a escola no marco de capitalismo a sua pedagogia é de palmatória, isto é, na verdade, a de oprimir. Diante disso, as diferentes formas de discriminações fazem parte desta pedagogia para que essa violência seja hierarquizada e perpetuada na sociedade. Apesar dessa violência funcionar à base destas instituições sociopolíticas, que funcionem como elementos essenciais para a aplicabilidade e legitimidade da pedagogia de palmatória na sociedade. Contudo, o Estado enquanto organizador dessa violência e espinha dorsal nas elaborações e com papel de fazer cumprir nas instituições escolares essa pedagogia, independentemente de não ter uma base jurídica expressa que determine essa aplicabilidade nos ditames de estado de direito, mas a sua normalização enquanto uma violência necessária para aprendizagem, demonstra quão os governos precisam de usar esses métodos para manter as desigualdades sociais.
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