(RE)MEMBERING / (FOR)GETTING de Rita GT

Lembrar / Esquecer: a história difícil da cerâmica em Portugal e além-mar

Um convite para ‘lembrar / esquecer’ [‘(re)member / (for)get’, escrito assim no texto original, coment. trad.], é um convite para lembrar e esquecer algo, bem como simultaneamente partir e ‘desmembrar’ isso e ‘obter’ novamente algo mas diferente. É uma tentativa fugaz de re-imaginar as nossas histórias de forma alternativa.

your strong tongue and slender fingers, totem series, 2019, porcelana, vidrado colorido, spray, madeira, plástico, corda, espuma your strong tongue and slender fingers, totem series, 2019, porcelana, vidrado colorido, spray, madeira, plástico, corda, espuma No centro de todos os poderes imperialistas, Portugal incluído, existiu sempre uma incrível habilidade para esquecer, uma fábrica incrível de esquecimento. A tarefa dos artistas, escritores e pensadores é de analisar este processo de ‘lembrar e esquecer’. Artistas e pensadores que se encontram nas margens por causa do seu trabalho acerca de assuntos como identidade e tudo o que se apresenta como diferente, oferecem-nos uma possibilidade não-colonial (decolonial, no texto original, com. trad.) e não-ocidental (dewestern, no texto original, com. trad.) para podermos confrontar essa história da modernidade que teve seu início no século XV, história essa que começou em 1492 e que tantas vezes é descrita como sendo uma descoberta e exploração, e muitas vezes eufemisticamente denominada como encontro – uma catástrofe para os povos indígenas e crise do pensamento Europeu. O desafio que temos de enfrentar agora é o convite à lembrança para, através da construção da diferença, ajudar-nos a conceber uma linha de pensamento sobre o interstício entre a memória da nossa história, origem e deslocações do passado e do presente, para descobrir um método para a criação de um novo processo de lembrança.

your strong tongue and slender fingers, totem series, 2019, porcelana, vidrado colorido, spray, madeira, plástico, corda, espumayour strong tongue and slender fingers, totem series, 2019, porcelana, vidrado colorido, spray, madeira, plástico, corda, espumaA cerâmica é um símbolo da história portuguesa. Ao fazer parte da esfera do doméstico a cerâmica projeta-se no centro da produção e circulação ideológica do trabalho com preocupações de género e feministas. Quando penso e teço as minhas considerações, situo-me sempre a partir do conti- nente africano do sul. Os portugueses estiveram presentes na região durante 400 anos, a começar com as ‘explorações e descobertas’ de Vasco da Gama, muito antes que os britânicos chegaram, e isso só há 100 anos. Vasco da Gama e outros trouxeram o azulejo, a cerâmica e ornamentos portugueses nestas assim-chamadas viagens de descoberta e exploração.

Escreveu-se muito sobre como estes colonialistas e colonos estavam em vantagem nas suas chegadas em África, no Brasil e nas várias ilhas perdidas no oceano índico; mas muito pouco foi escrito sobre as vidas das mulheres que acompanharam esses ‘exploradores’ ou as mulheres que também saíram para viver nas colónias novas. O argumento aqui é de ler a cerâmica como símbolo da história portuguesa que nos dá a possibilidade de tornar visível as experiências destas mulheres que chegaram às costas de África e do Brasil, e lembrar como género e sexualidade foram reconfigurados.

Nasci no Zimbabué rural, na aldeia Mashinge cerca de 25 milhas a norte de Harare. Na cozinha da minha avó havia algumas jarras de barro grandes e bonitas. A cozinha tradicional era um espaço de apresentação como de obras de arte se tratasse, com prateleiras cheias de objectos de barro polido. A cozinha era o abrigo e o centro de tudo que acontecia no nosso lar. Crianças nasciam, cozinhava-se a comida, cerimónias tinham lugar aqui. Quando alguém morria, seu corpo era guardado aqui durante a noite, neste abrigo formado pela cozinha. A minha avó dizia que a cozinha era onde tudo começa e onde tudo acaba, com a nossa última noite em terra. A decoração das cozinhas era cheia de cores com jarras de barro polidas bonitas e untadas de óleo de manteiga de amendoim. Quem fazia a loiça de barro eram as mulheres, bem como também eram elas as decoradoras das cozinhas e as outras divisões da lide da casa.

Delicate your lovemaking, 2019, porcelana, corante, spray, madeira, cordaDelicate your lovemaking, 2019, porcelana, corante, spray, madeira, cordaOs portugueses e os outros poderes imperialistas trouxeram com eles multidões de missionários cristãos. Esses missionários levaram a cabo campanhas que viram essas mesmas jarras de barro tiradas e destruídas porque eram consideradas um elo de ligação com os nossos ancestrais e por isso pecaminosas. Quando as mulheres que acompanharam os exploradores chegaram a África, ao Brasil e a todos os outros sítios, a sua loiça tinha sido partida pelo mar, as cerâmicas todas partidas. Em ambos os casos a cerâmica ficou destruída.

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A exposição “(Re)membering / (For)getting” de Rita GT, está presente na Galeria Belo-Galsterer, Lisboa, até dia 30 de Março de 2019.

 

por George Shire
Vou lá visitar | 22 Janeiro 2019 | arte contemporânea, cerâmica, Rita GT