PROGRAMA (até 14 de Abril): Zanele Muholi & Peter Goldsmid (África do Sul). Difficult Love, 2010, vídeo, cor, som, 47’33’’. Cortesia da artista e Stevenson Gallery, Cape Town e Joanesburgo
“Esta programação apresenta um conjunto internacional de obras em vídeo realizadas por mulheres, sobre temáticas que vão desde o feminismo, ao lesbianismo e transgénero. A seleção de trabalhos abrange países e realidades consideradas “periféricas”, em relação ao discurso e prática do feminismo clássico euroamericano, usualmente mais conotado como progressista na defesa da igualdade das mulheres e do género. Sociedades em que as tensões históricas, culturais, sociais, políticas e naturais sobre o género têm sido, nas últimas décadas, disputadas e reivindicadas sob outros moldes, desafiantes da própria história do movimento feminista.
Por outro lado, esta programação revela alguns dos debates mais importantes sobre as questões dos feminismos ou pós-feminismo, assim como todo o âmbito das diversidades queer, desde o lesbianismo, bissexualidade, transsexualidade ou transgénero, que têm sido fundamentais para o esclarecimento e a constituição de uma nova cultura e mentalidade sobre estas realidades.
Um desses debates tem sido o protagonizado por Judith Butler, cuja teorização histórica sobre estas questões veio, recentemente, advogar uma aproximação dos movimentos feministas e transgénero na partilha de uma série de valores, contrariando um latente conflito entres as muitas facções da identidade sexual, a favor duma sociedade que reconfigure as distinções entre vida interior e exterior, evitando as abordagens patológicas da identificação de género cruzada. Para Butler, os termos de designação do género são uma categoria histórica e estão continuamente em processo de remodelação, o que deixa em aberto outras possibilidades para o seu entendimento, já que o “sexo” e a “anatomia” também não escapam às regulações e normativas culturais. O “masculino” e o “feminino” estão permanentemente sujeitos à mudança, cada um desses termos tem histórias sociais que mudam radicalmente segundo as fronteiras geopolíticas e as obrigações culturais.
Outro debate, tem oposto a hegemonia do discurso feminista euroamericano em países e culturas negras, índias, chinesas ou árabes, denunciado as dicotomias inerentes ao discurso feminista “branco” como forma de perpetuar as relações estruturais de poder do sistema capitalista e de identificar uma abordagem ocidental de superioridade sobre o “outro”.
Este é um âmbito de renovação dos discursos feministas que vem permitir novas formas de militância e teorização. Estudos e trabalhos concretos sobre o feminismo negro ou no Islão têm sido precursores de uma nova abordagem heterogénea e descentralizadora do discurso clássico feminista, aproximando-se em muitos dos seus aspectos da realidade dos países do sul da Europa, ao fazer confluir o debate e a prática para zonas de acção que englobam vertentes como o íntimo e o biográfico a cultura popular ou os costumes, em detrimento dum discurso filosófico e teorizante.
Este programa não pretende estabelecer nenhum discurso panfletário sobre as questões de género, mas considera que o enquadramento da heterossexualidade na sociedade contemporânea tem um papel normalizador e regulador duma autoridade patriarcal, permitindo grandes margens de desigualdade no seu exercício. Disso mesmo é exemplo a múltipla abordagem artística que em díspares meios sociais tem sido efectuada nas últimas décadas, utilizando diferentes linguagens para confrontar, denunciar, divulgar ou apenas divagar sobre a complexidade do género e da sua vivência.
O tema constitui ainda um tabu de contornos pouco esclarecidos em diferentes sociedades e por diferentes razões, mas um recente dossier sobre o tema, publicado pela revista Le Magazine Littéraire colocava uma pertinente questão “ devemos ter medo do género ou pelo contrário aproveitar a destabilização que o mesmo coloca às nossas normas de pensamento para transformar/melhorar a nossa sociedade.” O género é também uma doutrina em formação, cujos contornos de debate e investigação têm tido nos últimos anos uma exponenciação relevante, bem como têm interferido de forma fracturante na organização moral, ética e social das sociedades contemporâneas, o que por si só justifica a atenção que o tema nos merece.
A teoria do género tem sido debatida e questionada em vários meios mais científicos e intelectualizados, mas a realidade é que também se instalou no debate público entre interrogação e condenação sobre os novos modelos de vivência da sexualidade, e o seu consequente enquadramento legal e político.”
Emília Tavares (Curadora)
ARTISTAS: Ana Bezelga, Ana Pérez-Quiroga e Patrícia Guerreiro, Ana Pissarra, Carla Cruz, Catarina Saraiva, Célia Domingues, Cristina Regadas, Elisabetta di Sopra, Hong Yane Wang, Itziar Okariz, Joana Bastos, Lilibeth Cuenca Rasmussen, Maimuna Adam, Mare Tralla, Maria Kheirkhah, Maria Lusitano, Mónica de Miranda, Nilbar Güres, Nisrine Boukhari, Oreet Ashery, Patrícia Guerreiro, paula roush & Maria Lusitano, Pushpamala N, Rachel Korman, Razan Akramaw, Rita GT, Roberta Lima, Sükran Moral, Susana Mendes Silva, Tejal Shah, Zanele Muholi.