As poetas Virgínia Dias e Raquel Lima serão as protagonistas de uma das seis conversas sobre os Ofícios da Palavra programadas no festival Passa a Palavra, que decorrerá em Oeiras, entre 15 e 18 de Outubro.
Afastadas por meio século e outras quantas circunstâncias, as duas mulheres levantam voo e fundam raízes numa poesia oral, ou escrita para ser dita, para contar, cantar, pensar, transformar.
A conversa, terá lugar no dia 18, domingo, às 15h, na Livraria-Galeria Verney, seguir-se-á, no mesmo local, às 17h, o lançamento de Como um pedaço de terra virgem de Virgínia Dias, com a participação Ana Sofia Paiva, Cristina Taquelim, Domingos Morais, Manuel da Silva Ramos, Marta Ramos e Nuno Pacheco.
Com excepção dos “Jantares Narrados”, a participação em todas as actividades é gratuita, mediante inscrição através do email: insc.passapalavra@gmail.com. Lugares limitados.
Muito gostaremos de vos ver por lá!
Virgínia e Raquel
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Virgínia Dias (Peroguarda, 1935)
Começou a fazer poemas antes de saber escrever. Inspirava-se nos poetas populares, nos contos da avó, nas peças de teatro que via ao seu colo e que imitava às escondidas no dia seguinte. Inspirou-se sobretudo na injustiça, o grande mote da sua poesia. Na violência da professora da primária, a quem dedicou as primeiras quadras escritas na lousa da escola, na fome e no frio das crianças, no inferno da ceifa e do suão, na humilhação do manajeiro, no salário de miséria, na escola interrompida aos 11 anos para trabalhar no campo, esse campo que é ao mesmo tempo a sua prisão e a sua paixão.
Aos 40 anos o marido descobriu-lhe poemas guardados em gavetas. Tinha vergonha de ser poeta sem métrica. Ocasionalmente, participou em concursos nos quais arrebatou prémios e menções honrosas. Pierre-Marie Goulet filmou-a cantando e dizendo poemas seus na triologia iniciada com o filme Polifonias. A sua poesia, essencialmente oral, foi sendo publicada e recolhida, primeiro por Paulo Lima, depois por Marta Ramos. Passados mais 40 anos, está finalmente reunida nesta antologia quase completa, à qual se junta um CD de poemas ditos entre canções e histórias da vida, com vista sobre a planície e todo o universo que dali se vislumbra.
Reportagem RTP do lançamento em Peroguarda, por Ana Luísa Rodrigues: https://www.rtp.pt/noticias/cultura/virginia-dias-camponesa-e-poetisa-alentejana_v1192196
Raquel Lima (Lisboa, 1983)Lisboeta das duas margens do Tejo e do Atlântico, de mãe angolana, pai santomense, avó paterna senegalesa e trisavó materna brasileira. Poeta, performer e arte-educadora, Raquel Lima fixa em Ingenuidade Inocência Ignorância (BOCA e Animal Sentimental, 2019) parte de um percurso de dez anos de poesia essencialmente oral, movimento que a levou a mais de uma dezena de países na Europa, América do Sul e África. Durante esse período, apresentou o seu trabalho em eventos de literatura, narração oral, poetry slam, spokenword, performance e música. A transdisciplinaridade com que aborda arte, memória e sociedade, atenta às desigualdades sociais e aliada a uma vontade de encontrar e compreender as suas raízes, levou-a a regressar à academia, onde desenvolve a sua investigação focada em oratura e escravatura em São Tomé e Príncipe no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Alguns artigos e entrevistas: Público, por Carla Fernandes: https://www.publico.pt/2020/05/18/culturaipsilon/noticia/ingenuidade-inocencia-ignorancia-palma-mao-1916161 TSF, por Nuno Domingues: https://www.tsf.pt/portugal/cultura/um-livro-de-poesia-escrita-para-ser-ouvida-11640339.html Antena 2, por Luís Caetano: https://www.rtp.pt/play/p1299/e442966/a-ronda-da-noite
Lançamento: Como um pedaço de terra virgem
Obra de uma vida, esta antologia quase completa é simultaneamente a estreia editorial de Virgínia Dias, aos 84 anos, depois de meia-dúzia de poemas publicados em revistas e edições colectivas. O áudio de 64 minutos que a acompanha junta gravações realizadas em 2018 com outras gentilmente cedidas por Pierre-Marie Goulet da triologia que iniciou em 1997 com o filme Encontros. O registo em forma de conversa testemunha o modo especial como a autora encadeia poemas, canções e as estórias que lhes estão na origem. A edição conta com prefácio de José Mário Branco e fotografias de António Cunha e Luís Ferreira Alves.
Apoio: Direção Regional de Cultura do Alentejo
Não esperem ver rosas na minha poesia
Não esperem ver rosas na minha poesia.
Não tenho rosas. Na terra do canteiro que
a vida me destina só se criam papoilas.
Nem esperem vê‐la em trajes de cetim,
é riscado e chita o que tenho à mão.
Nem vê‐la a passear nas ruas da cidade,
em citações filosóficas de sábios doutores. Nem de nome os conheço.
Nunca subi à cidade nem a cidade desceu à minha
aldeia. Conheço sim o mendigo, o maltês,
figuras trágicas de desespero e sofrimento, sempre envoltas numa resignação que doía, doía.
Conheço os varejadores, as azeitoneiras,
os almocreves, o semeador, o ceifeiro, a mondadeira,
gente de cujo gesto mágico brota o pão.
Virgínia Dias