Nácia Gomi

Morreu Nácia Gomi aos 86 anos de idade…

Batuku-NACIA GOMI no filme Kontinuasom

 

A sabedoria popular costuma levá-la o vento, o tempo, as pessoas. Mas as vozes estão lá para fazê-la perdurar no tempo, no espaço e nas pessoas, A cumprir a sua sina tridimensional.
É assim que, no cumprimento dessa sina, duas das mais sábias vozes crioulas enlaçam na roda de batuque, para em uníssomo darem o ritmo, e tempo e cavalgarem ao sabor do vento. Sim, porque Nha Nacia Gomi e Ntoni Denti D’Oro lançam na próxima sexta-feira “Finkadu na Raiz”, um disco que apresenta o batuque e o finaçon na sua máxima expressão, trazendo com ele a força da alma deste povo na terra de rotcha nu, mas “Finkadu na Raiz”. 
Nove histórias a duas vozes delimitam a alma deste disco. São músicas que Ntoni Denti D’Oro e Nha Nácia Gomi foram buscar ao seu cofre de velhas canções, experiências e vidas. Desta forma, em jeito de desafio, “Finkadu na Raiz” conta-nos os dramas, as festas, as alegrias e dores da nossa terra. 
Cantando ora em alternância ora a solo, Ntoni e Nha Nácia percorrem, assim, em jeito de finaçon e de batuque, “Fernandi Sosa”, “Pensa Mundo”, “Busca Meio”, “Bota cana”, “Parida”, “Balança côxa”, “Santa Catarina” e “S. Simon d’Ajuda”. Mas a relíquia deste disco está guardada na última faixa, que dá nome ao disco. Ao som único e puro da tchabeta das Batucadeiras dos Órgãos, na música “Finkadu na Raiz” estes dois gigantes cantam em desafio, numa interessante sucessão de resposta e contra-resposta. 
Pela sua pureza sonora, pela rudez que transmite, pelo despretensiosimo sonoro que demonstra, esta é, sem dúvida, a cereja em cima do bolo. Porque traz consigo o pó da terra a desprender-se do chão, o sol quente, a secura, as vozes que dão nome à terra. 
De facto, o papel que envolve as restantes canções - piano, coros, instrumentos electrónicos - ao darem um aspecto mais arrumado, moderno e colorido ao disco, por vezes retiram-lhe um pouco dessa rugosidade da terra que estas vozes cantam. Porque também elas, tal qual o chão cabo-verdiano, são rachadas, exuberantes na sua secura, são pó e ribeira seca, água em enxurrada. E porque elas são o que cantam, valem por si só, acompanhadas unicamente com o eco seco da tchabeta. Sem artifícios. 
No entanto, tendo em conta a dificuldade de um trabalho “purista” vingar no mercado cabo-verdiano, compreende-se a opção musical e estética deste disco. Para além de o distinguir dos outros trabalhos dos dois intérpretes, esta estratégia permitirá também a uma audiência muito mais vasta e diferenciada entrar em contacto com a arte singular de Ntoni Denti D’Oro e Nha Nácia Gomi. 
É por isto que este trabalho é incontornável. Pelo resgate que faz, pelo documento que é, por ser um ponto de encontro imediato e sincero entre Ntoni Denti D’Oro e Nha Nácia Gomi. Sem pretensões a nada, à excepção de ser o que são. A fonte onde vão beber quase todos. A âncora da música crioula. O começo destes dois ritmos que agora correm mundo, seduzem pela singularidade e prendem a todos. Mesmo que sob as mais diversas roupagens. 
O lançamento de “Finkadu na Raiz” está previsto para a próxima sexta-feira, 11, num local ainda a anunciar. Segundo Gugas, produtor-executivo de “Finkadu na Raiz”, o tiro de partida será dado numa pequena cerimónia, que contará com a participação dos Ferro-Gaita, do grupo Pó di Terra e de Vadu. A rainha do finaçon e o rei do batuque fazem a sua entrada triunfal na segunda parte, acompanhados dos músicos que participaram neste disco. 
Assinam este trabalho Gugas Veiga, produtor-executivo, o produtor e director Zunga Pinheiro, enquanto os arranjos têm o selo dos músicos Eduíno, Hernâni Almeida, Kim “di Pipita” Bettencourt, Ricardo de Deus, Albertino Évora e Mário “Russo” Bettencourt.

Njinho Barbosa

 

04.02.2011 | par martalanca | batuku, Nácia Gomi