A Língua Tamazigh
A língua berbere (designação mais comum mas incorrecta como veremos mais adiante), ou tamazight (o “gh” lê- se “rr”) actualmente está presente em uma dezena de países da área do Magrebe- Sahara- Sahel: Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egipto, Níger, Mali, Burkina-Faso e Mauritânia. Contudo, é na Argélia e em Marrocos que se encontram as maiores comunidades de falantes desta língua.
Usarei a palavra “ tamazigh” para definir a língua aqui apresentada, uma vez que “berbère” não é a designação que a população amazigh prefere nem a designação correcta e é um termo que contém denotações depreciativas. Amazigh quer dizer “o que fala o tamazight” e é a designação que o povo falante desta língua utiliza para se referir a si próprio. Amazigh significa simultaneamente o falante de Tamazigh e “homem livre”, no plural diz-se imazighen, “homens livres”. Todas as populações que não eram greco-romanas eram apelidadas de bárbaros e a palavra berbere tem origem na palavra “barbáro”. Este generalismo elitista advinha portanto da necessidade de distinguir as outras civilizações que não eram romanas ou gregas mas sem atender a qualquer especificidade cultural ou linguística.
O número de falantes é uma questão difícil e controversa porque não existem nos países mencionados recenseamentos linguísticos sistemáticos e fiáveis. Para além desta questão prática existe toda uma questão ideológica e institucional em torno da língua Tamazight que tem sido alvo de polémicas acesas muito divergentes pois constituí ela própria uma estratégia política, entre outras.
No entanto, se submetermos à crítica o conjunto de números avançados por várias fontes, desde a presença colonial francesa até aos nossos dias, podemos estimar os falantes do tamazight a:
- Cerca de 25 por cento da população na Argélia, ou seja, 7 a 8 milhões de pessoas num total de 31 ou 32 milhões de habitantes;
- Cerca de 40 por cento da população em Marrocos, ou seja, 12 a 13 milhões de falantes do tamazight numa população de global de 32 milhões.
Marrocos:
Mohamed Rouicha é um conhecido compositor, cantor e tocador de “Louatar/ Lutar/ Ouatar”. Variedade tamazight, berbere do Médio Atlas, Marrocos.
Em Marrocos, os falantes do tamazight estão repartidos em três grandes zonas dialectais que cobrem o conjunto das regiões montanhosas:
- O dialecto Tarifit no Rife, região Norte;
- O dialecto Tamazight do centro,do Médio-Atlas e uma parte do Alto-Atlas; no Sul/ Sudoeste- Alto Atlas, Anti-Atlas e Souss;
- O dialecto Tashelit (também se diz tamazight do sul) sob domínio chleuh (povo amazigh do Sul).
Argélia:
Musica de Matoub Lounés: Cantor, poeta e activista Cabile empenhado na luta identitária berbere/ amazigh (Variedade Cabíle) :
- Cabília (Nordeste da Argélia) é a principal região de falantes do tamazight. A Cabília, apesar de ser limitada a nível geográfico, é densamente povoada e representa mais de dois terços dos falantes do tamazight argelinos, cerca de cinco milhões de pessoas.
- Nas Montanhas do Aurés existe outro grupo significativo de falantes do tamazight e é constituído pelos Chaouis do Aurés: cerca de um milhão de pessoas.
- Existem outros inúmeros grupos de falantes do tamazight na Argélia mas são grupos de menor importância: Ouargla-Ngoussa, Gourara (região de Timimoun), Oranais- Sul, Djebel Bissa, Chenoua… O mais importante será Mzab – Ghardaïa e outras cidades ibaditas – que devem contar entre 150 mil a 200 mil pessoas.
No caso da Argélia, e resumindo, uma vez que a repartição geográfica actual nos tolda a visão do território original- e ainda actual em certos casos- a identidade berbere é fragmentada em seis ramificações étnicas nas quais assentam as possíveis diferenças dialectais, das quais falarei mais adiante, são então: os Cabiles, os Chaouis, os Tuarégues, os Mozabitas, os Zenètes (Berbères negros) e os Chenouis.
A População Tuarègue ou Kel Tamasheq (Os que falam o Tamasheq”):
O grupo Tinariwen do Mali, utilizam uma ramificação do berbere que denominam de Tamasheq:
- Os tuaregues, (numa adaptação portuguesa) diz-se targui no singular, também se autodenominam de Kel Tamasheq, Imajaghan ou Imuhagh (nobres e livres) e preferem esta palavra à palavra Tuaregue.
Esta palavra gera algum contrasenso pois alguns defendem que é de origem árabe e quer dizer “abandonados por Deus” devido às fugas constantes e perseguições sofridas, outros dizem que deriva do nome Targa, na região líbia de Fezzan (na denominação de origem “Aw-Targa” ,filho de Targa e em tamazight (berbère) “atargi”.
O terceiro e grande conjunto de falantes do tamazight (tamasheq, tamajaq etc.- o nome varia consoante as regiões) é constituído pelas populações tuarégues que enquanto povo nómada chegou a vários países da zona Sahara- Sahel mas que, até hoje, permanecem em regiões específicas destes países o que lhes permitiu a prática contínua de hábitos ancestrais. Em “território” tuaregue, os “homens azuis” só falam tamazight (ou tamasheq, na variedade dialectal tuaregue) entre si e são maioritariamente responsáveis pela preservação da escrita original que é o Tifinagh, o alfabeto original do tamazight.
Hoje em dia, algumas raras famílias nomadizam e permanecem no deserto do Sahara continuadamente onde mantêm os hábitos inalterados, nomeadamente, o uso do Tamazight e a recusa de qualquer outro idioma como forma de manterem a sua cultura livre de influência externa. É novamente aqui colocada a problemática das fronteiras herdadas da colonização, o território tuaregue divide-se em vários países. A não esquecer então os acampamentos nómadas dispersos no Deserto, os falantes do Tamazight encontram-se essencialmente nos seguintes países:
- Níger: embora não seja uma zona de origem tuaregue, hoje em dia há uma grande comunidade na capital Niamey, na região das Montanhas de Aïr- também conhecidas por Maciço de Aïr- ( Agadez, Arlit , Tchiro , Ingal,..) e na região do Azawagh ( Tahoua e outros vilarejos a Oeste de Agadez,..) contam com cerca de 500 000 pessoas;
- Mali (nas regiões de Iferouane, Kidal,Toumbouctou principalmente ) contam-se com 300 000 a 400 000 pessoas;
- Outros países como a Argélia (zona desértica, a Sul, nomeadamente Tamaghasset, Adrar de Ifoghar); Líbia (zona desértica a sul), Burkina Faso contam com um número mais modesto de tuaregues que não ultrapassará algumas dezenas de milhares de pessoas. O conjunto das populações tuaregues reúne portanto um milhão a um milhão e duzentos indivíduos.
Uma outra curiosidade é que os tamasheq ou “tuaregues” não utilizam a palavra Sahara para definir “o” Deserto uma vez que consideram que existem vários desertos. A palavra Tinariwen que associamos ao grupo internacionalmente conhecido de “blues do Deserto” quer dizer isso mesmo, vários desertos.
Faz sentido olharmos para um mapa da repartição geográfica do povo tuaregue pois imediatamente vemos um povo fragmentado por vários estados e portanto conseguimos entender por que razão é tão difícil a um tuaregue explicar qualquer coisa que seja que tenha a ver com a geografia actual, leia-se fronteiras artificiais herdadas da colonização.
Na minha tentativa de organizar o espaço linguístico do tamazight tuaregue ou tamasheq, dividi as regiões por países. No entanto deixo-vos a resposta de um tamasheq, ou tuaregue (a palavra “targui” também define um “tuaregue” ,no singular) que me listou o espaço geográfico correcto de origem do espaço linguístico na óptica de um nativo.
Esta língua esta presente no continente africano encontra-se então nas regiões de: Adrar, Tagant, Tawat (Touat) Tanezruft, Adghagh n Fughas,Tamasna, Azawagh, Adar, Damargu, Tagama, Manga, Ayr, Tarramit (Termit), Kawar, Jado, Tadmait, Admer, Igharghar, Ahaggar,Tassili N’Ajjer,Tadrart, Idhan, Tanghart, Fezzán,Tibesti Kalansho e o Deserto Líbio.
Estas localizações são localizações tradicionais pois desde o início do século XX e sobretudo depois das descolonizações, os fenómenos migratórios e o êxodo rural que o Magrebe tem vindo a conhecer fez com que algumas comunidades de falantes da língua amazigh se tenham fixado em cidades como Argel e Casablanca.
Este processo chegou à Europa, nomeadamente em França, onde a imigração berbere é muito antiga e numericamente considerável. Só os Cabíles chegam a um milhão de pessoas. Paris é conhecida como a maior cidade berbere do mundo.
História da língua Berbére ou Tamazight:
O Tamazight deriva das Línguas Berberes e pertence à Família das Línguas Afro- Asiáticas. Como vimos anteriormente, a Língua Berbere -mais amplamente conhecida sob esta forma- mas cuja denominação pode originar alguma controvérsia ou Tamazight apresenta-se actualmente sob um variado número de dialectos, ou seja, variedades regionais, repartidas numa área geográfica extensa e muitas vezes bastante afastadas umas das outras. As trocas linguísticas entre umas populações e outras têm acontecido muito recentemente pela via da rádio, cassetes, discos, internet e a média em geral porque até então eram inexistentes.
De facto, no mundo berbere ou amazigh (termo que prefiro usar) nunca existiu normalização e unificação linguística: não existe uma norma instituída da língua tamazight, mesmo no uso literário da mesma. Cada grupo emprega o seu ou os seus falares locais que, contudo, são usados apenas para a comunicação intra-regional. De uma certa maneira, a noção de uma “língua berbere” é uma abstracção linguística e não uma realidade sociolinguística identificável e localizável. A única realidade observável reside na utilização das mesmas nos locais/ regiões efectivas.
Perante esta situação de fragmentação que provém fundamentalmente de derivações étnicas diferentes, os dados estruturais fundamentais permanecem os mesmos em todas as variedades: o grau de unidade, nomeadamente gramatical, “dos falares” berberes é de facto impressionante tendo em conta as distâncias e vicissitudes históricas de cada um.
As divergências são quase sempre superficiais e os critérios de diferenciação -quer sejam eles fonéticos ou gramaticais – distribuem-se de forma entrecruzada.
Não existe uma diferença substancial para que essa diferença delimite os dialectos. De facto, só o tamazight tuaregue (tamasheq, tamashaq,..) ou outros falares mais periféricos (Líbia, Egipto e Mauritânia) apresenta um conjunto de características linguísticas que poderiam justificar que sejam considerados como sistemas autónomos e portanto como “línguas” particulares. Ainda que se trate, a maior parte dos casos, mais de modalidades particulares de realização do que de verdadeiras diferenças.
Antiguidade da Língua Amazighe:
Os estudos remetem para alguma falta de consenso quanto à antiguidade do Tamazight. De qualquer forma o que é certo é que o Tamazight é uma língua que nasce em África enquanto que o Árabe nasce no continente africano. A língua árabe chega ao continente africano no século VII com o aparecimento do Islão.
Quanto á antiguidade, pelo menos de uma em relação à outra, especialistas das línguas afro-asiáticas estabeleceram que o Tamazight é mais antigo que o Árabe e de muitos milhares de anos. A língua árabe é uma derivação relativamente recente (1 000 anos antes de JC) das línguas semíticas das quais fazem parte o Hebraico, o Aramaico e o Siríaco. Segundo alguns especialistas, o aparecimento da língua amazigh (berbere) aparece pelo menos –pensa-se que a uma dada altura ter-se-á separado das línguas chamíticas, dos quais fazem parte o Egípcio Antigo, o Amárico (Etiópia), o cuchítico (Tchad,..) estas existindo pelo menos desde 6 000 anos antes de JC. (Fonte: Enciclopédie Berbère)