Africa 24 – Um novo olhar noticioso sobre o continente

A actualidade internacional, ou melhor, as notícias que são mais facilmente veiculadas no mundo hoje, continuam a obedecer uma lógica demasiado pró-ocidental. Nestes termos, e dentro do que os teóricos consideram ser os factores ou valores de noticiabilidade – o que distingue os factos e faz com que cada um seja notícia, ao contrário dos outros - sobretudo no que toca o continente africano, as bad news são as notícias divulgadas, que lemos, ouvimos e assistimos diariamente.

Com isso, camufla-se por vezes outros interesses, ao mesmo tempo que se cria um olhar condicionado e parcial da realidade. De África, por exemplo, o que lhes interessa efectivamente noticiar são as guerras e golpes de Estado, a fome e a miséria, sendo muito raro, os casos em que se dá vazão a uma outra realidade dos países do continente onde se nota progresso, crescimento, mudanças e inovação. Ou quando assim é, há sempre alguma reserva ou a prioris.

Por outro lado, alguns sectores do Ocidente, porventura os mais críticos em relação ao desempenho dos média, são bastante contudentes na avaliação negativa deste modus operandi, apesar dos pretextos mercadológicos e outros que se levantam pelos gestores e pensólogos desta new média.

Se fizermos hoje um giro pelos vários meios de comunicação social do ocidente, especialmente, veremos que há poucas notícias sobre a realidade africana, sobre a realidade objectiva de cada um dos países, longe dos subjectivismos e olhar jocoso com que muitas vezes se agarram para analisar a realidade de cada um dos países, alimentadas por algumas elites, elas mesmas ainda demasiadodependentes  do Ocidente.

Mais grave porém é que muitas vezes os media locais, ou seja, os media africanos, inclusive os nossos, reproduzem fiel e ingenuamente esta visão que os ocidentais têm do mundo, e especialmente do continente africano, ou como aceitar que nós angolanos, para que saibamos de algo que se passa na África do Sul, por exemplo, tenhamos de assistir à CNN?

MadibaMadibaRecentemente, um grupo de investidores africanos procurou inverter essa lógica que vimos descrevendo ao lançar um canal televisivo de notícias sobre África. Sucedido de tal sorte que, em muito pouco tempo, tornou-se a maior referência noticiosa do e sobre o continente africano na Europa, nos Estados Unidos e, em grande parte, dos países africanos.

Para sermos mais precisos, estamos a falar do canal África 24 que emite a partir de Paris, apoiada em correspondentes na maioria dos países e tem igualmente em vista a abertura dos seus serviços noutras línguas. No caso do português, consta-nos que a multinacional brasileira Rede Globo está a encetar démarches para albergar este serviço.

Está claro que ninguém pretende que se deixem de noticiar factos como o recente golpe de Estado no Mali, todavia há outros aspectos da realidade que também merecem dignidade noticosa, nomeadamente os avanços de alguns países no combate à fome e à pobreza, a luta contra o analfabetismo, a industrialização de algumas cidades, a edificação de novas urbes, entre outros. Há um assinalável crescimento económico em varios países africanos – entre os quais o nosso – que é muitas vezes sonegado, mantendo-se a imagem vetusta de um país em guerra. É só vermos quão estupefactos ficam alguns ocidentais que nos visitam, sobretudo aqueles que tiveram oportunidade de conhecer o antes: durante os apertos que a guerra nos provocou. E porquê? Porque esta realidade não passa nos seus canais.

Por outro lado, e uma vez que se trata de um canal com grande audiência em todo o mundo, principalmente entre as comunidades de africanos no exterior do continente, investidores, algumas autoridades políticas e outros médias que reproduzem as suas notícias, uma vez que se mostram aturados com o status quo mediático pro-ocidentalizado, é de todo pertinente que os angolanos revelem também ali as suas realizações. Foi o que fez recentemente o ministro George Chicoty, que concedeu uma entrevista nos seus estúdios, durante a visita deste à França.

Por conseguinte, e embora alguns possam considerar que as bad news são intrínsecas ao jornalismo, o grito de protesto pronunciado pela Africa 24, que naturalmente aplaudimos, vai no sentido de que, de África isso aparece apenas quando a realidade é perene em factos noticiosos considerados good news ou social news, sem ser necessariamente propagandista, mas longe das imagens catastróficas que nos impingem para condicionar o nosso olhar.

 

publicado originalmente no Jornal de Angola 23/5/2012

por Emanuel João
A ler | 25 Maio 2012 | angola, comunicação, percepção