Não dá para ficar parado: Vítor Belanciano assina livro sobre a “música afro-portuguesa”
Na última década, “a descolonização da pista de dança” aconteceu à boleia do fenómeno Buraka Som Sistema, o foco mais intenso de um processo que ganhou novos protagonistas como a editora Príncipe Discos ou artistas como Dino D’Santiago, Scúru Fitchádu, Slow J, Nenny, Throes + The Shine ou Tristany.
Apesar de se ter debruçado de uma maneira mais sucinta sobre o assunto num texto publicado em Dezembro de 2019 no Ípsilon, Não dá para ficar parado, o novo livro de Vítor Belanciano, partiu de outro sítio: “Resulta de um desafio do projecto de investigação Memoirs, que tem vindo a reflectir o pós-colonialismo na Europa, em particular o efeito das segundas e terceiras gerações afrodescendentes nas artes, na cultura e no pensamento. O ano passado fui convidado por um dos investigadores, o António Pinto Ribeiro, para dar um seminário sobre a música feita em Portugal pelas novas gerações afrodescendentes, na sua relação com as dinâmicas socioculturais, e foi a partir daí que a hipótese de escrever um livro sobre o assunto me foi colocada.”
Sobre a escolha da editora, acrescenta: “As Edições Afrontamento têm vindo a editar os livros que têm saído do projecto Memoirs. O contexto é esse. É óptimo que exista interesse por estes temas. Sinto que em Portugal ainda existe muito a fazer nesse campo.”
Como nos diz o jornalista e crítico musical do Público, o trabalho para este livro já andava a ser feito há algum tempo, mesmo que de uma forma inconsciente, e a matéria-prima é recolhida no seu próprio arquivo: “baseia-se em todas as conversas, artigos e reflexões que fiz ao longo dos últimos 15 a 20 anos sobre estes temas. Sem os testemunhos de General D, Sam The Kid, Aline Frazão, DJ Marfox, Buraka, Kalaf, Branko, Dino D’Santiago, Nástio Mosquito, Octa Push, Scúru Fitchadu, Sara Tavares, Batida, Nigga Fox, etc, etc, ele não seria possível.”
Esta “música afro-portuguesa” que gira à volta de “celebração, conflito e esperança” é uma ideia em constante construção: “Há imensos agentes relevantes. Acaba por estar tudo ligado. O impacto dos Buraka Som Sistema foi central, mas ele só existiu porque antes o hip hop em Portugal se afirmou e depois houve Cool Hipnoise ou Spaceboys e tantas outras coisas. Da mesma forma que o percurso internacional de Batida ou da Príncipe Discos beneficiou desse efeito Buraka. A redescoberta do Bonga, por exemplo, está também conectada com esta dinâmica, porque existe um recontar da história, um trabalho de memória que importa fazer. E depois, hoje, tens imensos vectores, desde a crioulização do Dino D’Santiago, à atitude combativa de Scúru Fitchádu, ou novas gerações que tanto se inspiram em motivos da cultura global como local, como o Tristany. Enfim, mais do que este ou aquele agente, parece-me que existe um ecossistema cultural fascinante a que é difícil atribuir um nome. Eu chamo-lhe ‘música afro-portuguesa’, mas na verdade todas as denominações são frágeis e incompletas. Ou seja, existe uma nova realidade sociocultural, em Portugal e na Europa, que em grande medida a linguagem ainda não acompanhou.”
O “#Brevemente” que acompanhou o discreto anúncio na página de Facebook pessoal de Belanciano está mais próximo do que se possa imaginar: “O livro estará nas lojas no próximo sábado. Na sexta-feira, a partir das 18 horas, no Lux Frágil, em Lisboa, será a sessão de lançamento. Haverá conversa e música, na qual participarão o investigador António Pinto Ribeiro, os músicos Dino D’Santiago e DJ Marfox, o jornalista e DJ Davide Pinheiro e eu. Estão todos convidados, como é evidente.”
Artigo originalmente publicado em Rimas e Batidas a 07/12/2020