O cabelo como liberdade
“Fusca sum et formosa- Eu sou negra e bela”, declarou a lendária Rainha de Sheba nas antigas traduções do Velho Testamento. Em 1611, enquanto os europeus se envolviam no comércio transatlântico de escravos, a tradução da Bíblia feita por Rei James transformou a frase: “Eu sou negro, mas sou decente” num pedido de desculpas.
Em 2019, aos 25 anos, Zozibini Tunzi, natural da África-do-Sul, fez história ao tornar-se a sexta Miss Universo negra que, pela primeira vez, exibiu o cabelo natural africano. Tunzi havia descartado a hipótese de se mostrar com o seu cabelo natural para o concurso Miss África-do-Sul que decorrera alguns meses antes. Foi um período de inquietação para Tunzi, o que levou a que, dias antes do concurso, postasse nas suas redes sociais: “Antes de assumir o meu cabelo natural, tinha receio de não me sentir bonita porque tinha uma ideia errada de beleza, que nunca me foi apresentada como alguém que tem o meu tipo de cabelo”.
Após ser coroada Miss África-do-Sul, nos meses que antecederam o concurso Miss Universo, Tunzi, ciente de que usar o seu cabelo natural teve um impacto simbólico para as mais jovens, resistiu à pressão que muitos fizeram para que usasse peruca. “Sinto-me linda com o meu cabelo curto e afro”, declarou. “É assim que ele cresce na minha cabeça…e quero que o mundo o veja tal como é”. Embora tenha sido imensamente elogiada pela sua escolha- que devia ser trivial, mas é ousado no que toca à beleza enquanto área global- também recebeu críticas.
Nas redes sociais, os detratores depreciaram Tunzi, catalogando-a como “decepcionante” e “decadente”, sem caracóis definidos. Tunzi estava a afirmar ao mundo que era negra e bela; para as vozes críticas ela devia se apresentar como uma negra, que todavia é bela.
Quatrocentos anos depois da instituição da escravatura ter desencadeado mecanismos de desvalorização da estética africana, muitos indivíduos do continente ainda têm uma relação difícil com o cabelo da mulher africana. É verdade que, nos últimos cinco anos, seguindo tendências nascidas nos Estado Unidos e na Europa, o movimento do cabelo natural tem ganhado força nos países africanos. Atualmente, cada vez mais mulheres e raparigas assumem a naturalidade do seu cabelo e optam por estilos naturais, tal como a Miss Universo de 2019. No entanto, a resistência ao cabelo natural, particularmente ao afro e às rastas, é ainda uma realidade e muitos optam por estilos de cabelo, como é o caso das extensões, que se assemelham à estética ocidental. Desde os anos 2000, as extensões de cabelo tornaram-se omnipresentes em África, o que auxiliou no derrubo dos relaxantes que, desde os anos 90, eram a preferência de muitos. Muitos que usam extensões são tão apologéticos quanto os naturalistas, uma vez que afirmam que usar extensões é unicamente uma escolha estética pessoal. Tendo em conta a história do cabelo africano, mais precisamente a nível do cabelo crespo (de enrolamento apertado), será esta posição sustentável?
Olhar retrospectivamente no tempo
O pássaro Sankofa recorda-nos que para sabermos para onde vamos, temos de saber de onde viemos. Recuemos então para aquele que foi um dos acontecimentos mais perturbadores para a autoimagem africana: o tráfico de escravos. Devemos compreender o que era o cabelo nessa altura, colocando-o em perspectiva em relação ao que é agora. Há muito tempo que o cabelo tem sido um assunto sério em África. O valor simbólico do cabelo deriva do facto de este ser público, biológico mas modificável-todas as sociedades manipulam o cabelo para que ele funcione como um significante. Esta função era particularmente forte nas culturas africanas pré-coloniais - os penteados eram utilizados para externar a etnia, o clã, o estatuto social ou os fatos da vida. No século XVI, aqueles que viajavam para a Costa Ocidental Africana ficavam abismados com a complexidade e a variedade dos penteados. Os penteados entrançados, acompanhados de estilos que incluíam padrões raspados eram a norma em muitas regiões africanas. Por vezes, o cabelo era enrolado com lama de forma a criar estilos que se assemelhavam a fechaduras ou era moldado em formas imponentes. Salvo raras excepções, principalmente na África Ocidental o cabelo não era simplesmente penteado, dado que a prática de adicionar extensões era comum. Nalguns casos, como as mulheres Wambo, da atual Namíbia, com as suas tranças até aos tornozelos, os acessórios provinham de matéria orgânica, que não o cabelo e noutros casos provinham de cabelo que era arrancado a outrem. Deste modo, as mulheres Quaquá, da atual Costa do Marfim, doariam cabelo aos seus homens, que o moldavam em longos acessórios entrançados.
Os primeiros relatos sobre penteados africanos raramente mencionam o facto de se cobrir a cabeça- gorros ou toucas- e quando se notam estas menções, são mais frequentes para os homens do que para as mulheres. No entanto, a adoção uniforme de toucas entre todas as populações da diáspora africana, seja na América Latina, nas Caraíbas ou na América do Norte, sugere que o uso de toucas estava enraizado no continente, pelo menos na África Ocidental, região para onde foram levados a maioria dos escravos antes ou durante o comércio de escravos. A historiadora Helen Griebel destaca a forma como os escravos negros, localizados na América, dobravam tecidos em formas retilíneas aos quais davam um nó no alto da cabeça, o que é uma forma exclusivamente afrocêntrica que deixa a testa e o pescoço expostos, realçando os traços faciais. Por outro lado, os panos de cabeça euro-americanos possuem uma dobra triangular que é sempre apertada por baixo do queixo ou da nuca, achatando visualmente o rosto. Além disso, nalguns locais, os panos de cabeça eram utilizados como significantes- na Dominica, por exemplo, os picos nos panos de cabeça representavam o estado civil das mulheres- ecoando assim as práticas em África. O que é certo é que, por volta do século XX, os panos de cabeça já eram populares em muitas culturas africanas. No Mali, no Senegal e na Nigéria, em particular, os panos de cabeça eram uma expressão de feminilidade e eram atados de várias formas, de maneira a comunicar o estatuto social. No Sul de África, as mulheres usavam panos de cabeça, nomeadamente os doeks ou dhukus, como sinal de humildade em ocasiões como o encontro com os sogros.
A migração forçada das populações africanas para as Américas desencadeou um fluxo direcional de influências entre a Velha África e a sua diáspora. Os escravos recém chegados perpetuaram certas práticas ligadas ao cabelo africano- tranças e toucados - como forma de reafirmar a sua humanidade e a sua identidade. Os panos de cabeça são uma ilustração interessante da bidirecionalidade destes fluxos. Inicialmente, nos Estados Unidos, os escravos utilizavam toucados de forma espontânea, contudo, em 1786 na Louisiana foram obrigados a fazê-lo por lei. A Lei Tignon foi criada com o objetivo de controlar a ascensão social de mulheres negras birraciais atraentes. Todas as mulheres negras (segundo a definição americana), livres ou escravas, deveriam cobrir o cabelo, como sinal do seu estatuto inferior ao das mulheres brancas. As mulheres negras reagiram, criando formas mais elaboradas de utilizar os lenços de cabeça. Após a emancipação, desejosos de se livrarem das recordações da vida agrilhoada, os negros americanos passaram a considerar o lenço de cabeça como algo rural e retrógada. No entanto, na década de 1960, época em que os negros americanos procuravam afrimar a sua identidade única durante o movimento dos diretos civis, os headwraps regressaram, desta vez, um tanto influenciados pelos gelés nigerianos. Os estilos criados nas Américas, como o headwrap aos estilo Nefertiti, preferidos pela cantora de jazz Nina Simone, regressaram a África.
As práticas ligadas ao cabelo forjadas sob o ataque da supremacia branca da plantação de escravos, também encontraram o seu caminho de volta ao Velho Continente. Sob a instituição da escravatura, o cabelo africano “lanoso”, “embaraçado” e “crespo” era constantemente denegrido e considerado incompatível com qualquer padrão de beleza, em particular a beleza feminina. A plantação de escravos impôs uma estética branca ao negros. Quanto mais clara fosse a pele e mais liso o cabelo, maiores seriam as hipóteses de obter privilégios dentro, e também fora, da vida na plantação. Nos Estados Unidos da economia esclavagista, o alisamento do cabelo era regularmente praticado pelos negros no século XIX. Os primeiros métodos incluíam passar o cabelo a ferro e puxá-lo. A pressão para se conformarem com a estética branca aumentou após a emancipação, à medida em que os negros procuravam um emprego remunerado e um estatuto social mais ambicioso. No início da década de 1900, as técnicas de alisamento foram revolucionadas, quando mulheres negras empresárias, que se tornaram milionárias no sector do cabelo, inventaram sistemas de alisamento de cabelo, envolvendo cremes e pentes quentes. Curiosamente, uma das pioneiras do setor do cabelo, Madame C.J. Walker, como se intitulava, afirmava que a sua fórmula especial lhe tinha surgido num sonho onde um grande homem negro lhe explicava quais os ingredientes que tinha de ir buscar a África.
Desde o início, o alisamento do cabelo suscitou um grande debate na comunidade negra americana. Em Hair Story, Ayana Byrd e Lori Tharos fazem referência ao artigo “Not Color but Character” de 1904, no qual uma educadora negra de raparigas acusa fervorosamente “O que toda a mulher que…alisa precisa, não é de mudar a sua aparência, mas de mudar a sua mente…Se as mulheres negras usassem metade do tempo que gastam a tentar ficar brancas, para melhorarem, a raça avançaria. Mais tarde, Marcus Garvey partilhou deste sentimento no seu slogan “Não removas os nós do teu cabelo! Remova-os do teu cérebro!”. A prática foi considerada tão contrária ao ethos emancipatório da época que as empresas que vendiam produtos para o alisamento do cabelo foram inicialmente da National Negro Business League. Ainda assim, a necessidade de alisar o cabelo era forte. Até Malcolm X sucumbiu ao alisamento antes de se tornar o icónico lutador pela liberdade dos negros. Na sua autobiografia, revela que queimou o couro cabeludo para conseguir o que na altura se chamava um “conk”.
“A primeira vez que me vi no espelho a dor desapareceu. Já tinha visto tantos conks bonitos, mas quando é a primeira vez que o vês na tua cabeça, após uma vida toda com o cabelo crespo, a mudança é chocante. No topo da minha cabeça estava um cabelo ruivo, suave, denso e brilhante…tão liso como o de qualquer homem branco.”
Em 1947, quando um químico encontrou a fórmula que transforma lã em uma imitação de pele, nasceu o relaxante químico e o alisamento de cabelo cresceu ainda mais nos Estados Unidos. Em 1950, foi patenteada a primeira peruca nos Estados Unidos, o que ofereceu às mulheres negras outra opção de aproximação à estética do cabelo branco.
No continente, os africanos, tal como os seus semelhantes nas Américas, enfrentavam algumas depreciações pejorativas acerca do seu cabelo, mas de uma forma menos direta. Os negros eram, sem dúvida, em maioria no continente e nem todos eram regularmente confrontados com a estética branca. Além disso, a circulação de imagens por via da comunicação de massas era bastante limitada ao durante a maior parte do período colonial. Todavia, algumas elites urbanas, especialmente as das colónias de colonos brancos, podem ter enfrentado depreciações relativas aos antigos estilos de cabelo. Por outro lado, o arquivo fotográfico, sugere que, a maioria das mulheres rurais de toda a África continuaram a seguir a sua própria estética capilar. Enquanto isso, as fotografias das mulheres africanas urbanas antes da década de 1960, mostram sobretudo penteados como afros, tranças e toucados e também alguns estilos de cabelo alisado. Na altura, para alisar o cabelo, utilizavam-se pentes quentes, que era acessível apenas às mulheres mais abastadas, e por tal, o mesmo tornou-se um marcador de classe. O regresso ao cabelo natural, representado pelo afro dos anos 60 e 70, foi sobretudo entendido como um estilo americano e com o movimento dos direitos civis dos EUA, adquiriu o seu significado de libertação. Quando na década de 80 o afro desapareceu nos EUA e foi substituído pelo caracol Jheri e por outros estilos processados, também desapareceu na África.
Nos anos 70, os relaxantes químicos mais baratos chegaram ao continente, tornando o alisamento do cabelo amplamente acessível. Tal prática era provavelmente entendida tanto como uma forma de alcançar o ideal hegemónico da estética branca, ou como uma maneira de ser moderna ao imitar estrelas negras mais populares. As mulheres africanas mais ricas também podiam chegar à modernidade desejada através do uso de perucas e extensões, que até à década de 90 continuaram a ser incómodas e caras. Com exceção de Zaire de Mobutu, que proibiu o alisamento de cabelo e as perucas, conjuntamente com outras modas ocidentais, poucos relatos da época registram uma oposição africana particularmente forte à prática. Enquanto estilos trançados, tranças e lenços continuam a ser usados por mulheres de todas as classes sociais na África pós-independência, na década de 1990, as elites urbanas adoram amplamente uma estética ocidental de cabelos alisados, tendência que se fixou até a década de 2010.
Onde estamos agora?
Existe um conjunto crescente de análises críticas da relação das mulheres africanas com o cabelo, que muitas vezes relatam as trajetórias capilares de cada uma. Atualmente, existem poucos estudos que revelem o que exatamente fazem as mulheres negras africanas com o seu cabelo. No início de 2021, sentei-me em mercados, bancos, restaurantes chiques, áreas populares de piquenique e clínicas de saúde para observar os penteados de 425 mulheres negras africanas em Ouagadougou, a fim de obter alguns números com que pudesse trabalhar.
Dividi os penteados em cinco categorias: naturais, que corresponde aos cabelos não alterados quimicamente, quer estejam penteados, em rastas ou entrançados sem extensões longas; tranças, que corresponde aos cabelos entrançados com extensões longas; toucados, engloba tanto os toucados feitos com o cabelo natural ou quimicamente alterado; extensões; e cabelos quimicamente relaxados. Da amostra, exclui as mulheres que, por motivos religiosos, utilizavam véu. Tendo como interesse fundamental as estéticas culturais representadas pelos penteados, dividi as categorias em dois grupos estéticos. As primeiras três categorias são consideradas como provenientes da estética africana. Mulheres que usavam lenços ou tranças, tanto podiam ter o cabelo natural como relaxado, mas naquele momento, escolheram seguir uma estética africana. As extensões que imitam o cabelo africano encaracolado (não os caracóis soltos, frequentemente associados ao cabelo negro birracial - isto será esclarecido mais adiante) faziam parte da categoria do cabelo natural, tal como as tranças que se assemelham a rastas, uma vez que estes estilos adoptam uma estética africana natural.
Por outro lado, as extensões eurocêntricas, independentemente do estado do cabelo por baixo das mesmas e o cabelo relaxado foram considerados como oriundos de uma estética ideal ocidental. As extensões que imitavam os caracóis soltos de muitos negros birraciais, também estavam incluídos nesta estética. As plantações de escravos e o colonialismo não só originaram um ideal de beleza branca, mas também- como a segunda melhor coisa- à beleza biracial. O inquérito do jornalista costa-marfinense Serge Bile acerca dos motivos para o branqueamento da pele é esclarecedor sobre este ponto: muitos inquiridos demonstraram claramente que queriam parecer birraciais. Nas Américas, e mais tarde na África, era considerado que as mulheres birraciais tinham um “bom” cabelo.
No passado, tal como o cabelo “teimoso”, também o “bom cabelo” podia ser sujeito a alisamento. Hoje em dia o caracol solto de tipo biracial está a tornar-se um novo padrão ideal.
O que descobri pelas minhas observações?
As tranças são o penteado mais comum entre as mulheres negras africanas em Ouagadougou (33%), seguidas das extensões (25%), dos lenços de cabeça (21%), dos penteados de estilos naturais (16%) e, finalmente, o cabelo relaxado, usado por apenas 5% das mulheres. Quando categorizados de acordo com a estética, cerca de dois terços optam pela estética africana e um terço pela estética ocidental. Tal como outros países da África Ocidental. Burkina Faso, pode não refletir o resto de África, pois, em geral, a estética africana vincou-se mais na África Ocidental do que noutras regiões de África.
Por essa razão, sentei-me e olhei para um conjunto de fotografias de conferências e workshops internacionais realizados nas capitais de toda a África Subsaariana entre 2018 e o início de 2020. A amostra de Burkina Faso, englobava mulheres de todas as categorias em Ouagadougou, desde mulheres do mercado em bicicletas a clientes de restaurantes exclusivos; por outro lado, esta larga amostra, centrou-se nas mulheres da elite intelectual africana- académicas e funcionárias de organizações internacionais.
Dada a dificuldade de distinguir entre extensões e cabelos relaxados, ambas as categorias foram combinadas e representaram 45% das 180 mulheres observadas. Os lenços de cabeça não foram predominantes nesta amostra de toda a África (apenas 10% das mulheres). As tranças e os penteados com cabelo natural, representavam 23% e 22% das mulheres, respectivamente. Assim, quando se considera o resto da África Subsariana- pelos menos para as mulheres de leite- a proporção entre a estética africana e a estética ocidental passa para cerca de cinquenta por cento. A observação informal de vídeos da música popular africana inclinaria maioritariamente a favor da estética ocidental e quase exclusivamente por longas extensões, no caso de vídeos de músicos masculinos.
Os lenços de cabeça merecem uma maior discussão. Este estilo foi particularmente notado entre as mulheres de classe baixa e as mulheres mais velhas de Burkina Faso. Na África Ocidental, muitas mulheres mais velhas que ocupam cargos de elite no governo e em instituições públicas, usam regularmente lenços; a nova eleita a diretora da Organização Mundial do Comércio, Ngozi Okonjo-Iweala, é um exemplo notável. Este tipo de toucado segue códigos diferentes dos usados na diáspora africana e outras regiões de África, onde os toucados podem ser encarados como jovial ou informais. Após uma repórter ter usado uma touca no canal sul-africana e NCA em 2016, iniciou-se um debate sobre a adequação de toucas à televisão, mas tal não se verifica na África Ocidental. Embora sejam uma expressão estética, os lenços de cabeça por vezes também são usados com o objetivo prático de cobrir o cabelo que está a ser penteado. Também têm sido cada vez mais utilizados como uma forma prática de as cobrirem a queda de cabelo- por vezes consequência de um tratamento excessivo.
Cabelos naturais e extensões em confronto
Os dados das minhas observações confirmam que, atualmente, é perceptível uma mudança para estilos com uma estética natural ou africana, mas simultaneamente, há também uma forte presença das extensões, que recuperam o terreno perdido pelo uso dos relaxantes químicos. Observa-se a mesma tendência nos EUA: o movimento do cabelo natural explodiu entre os afro-americanos no final dos anos 2000, enquanto as importações de extensões da China e da Índia cresciam a um nível sem precedentes. Assim, constatamos duas tendências aparentemente contrastantes, uma que os entusiastas retratam como uma tendência para a “autenticidade” e outra que os detratores caracterizam como sendo uma tendência para a “artificilaidade”. Para uma melhor compreensão do significado destas tendências para a sociedade africana, examinemos a resistência de cada uma delas.
Noutros locais, muito foi escrito sobre a resistência dos não africanos ao cabelo natural. Aqui vamos concentrar-nos nas percepções africanas. As reações negativas à vitória da Miss África do Sul em 2019 deixam claro que o cabelo natural é problemático para alguns. Uma Miss África do Sul se madeixas longas e fluidas não era suficientemente sofisticada, não era suficientemente bonita. Os critérios dos padrões estéticos brancos desempenham certamente um papel, mas algumas formas de resistência também podem estar ligadas à estética local. Por norma, a resistência africana raramente se foca nos estilos entrançados e trançados, mas sim nos grandes afros e rastas. Poucas culturas africanas tinham a prática histórica de usar o cabelo comprido e penteado. O afro moderno, na maioria das culturas era um passo intermédio na modelação do cabelo para algo mais estruturado. Para uma geração mais velha, este preconceito pode se manter e ser cada vez mais provocado pela textura deliberadamente desarrumada dos afros contemporâneos, em comparação com os afros cuidadosamente arranjados da década de 1960. Nalgumas culturas, as rastas estavam ligadas a práticas místicas que, nalguns casos, eram veneradas, noutros temidas ou, pelo menos, consideradas um sinal de não pertença da sociedade convencional. No Gana, os sacerdotes Asante usavam o cabelo longas rastas, que eram chamadas mpesempese, que literalmente significa “não gosto”. Todavia, a cultura e a estética estão em constante evolução e estas resistências não são de modo algum imutáveis. Além disso, enquanto a resistência for uma questão de gosto pessoal, tudo bem. Quando a resistência se transforma na utilização de normas institucionais contra a própria natureza do cabelo africano, não podemos nos abstrair da violência que a mesma representa.
As formas institucionais de resistência são muitas vezes encaradas como um prolongamento da violência colonial pelas vítimas, o que é válido. Em 2016, quando os alunos da exclusiva e antigamente branca, Petroria High School, na África do Sul, foram suspensos por usarem afros “pouco femininos”, os mesmos que foram usados por figuras icónicas da luta contra o apartheid nos anos 50 (que por acaso, podem ter sido a inspiracao originalnparavos afrls dos Panteras Negras nos EUA), como é que tal pode ser visto, senão como numa agressão?
Como é que as autoridades escolares pegam no sjambok de antigos ocupantes revistas para retransmitir a denegrição da biologia africana? O que podemos fazer acerca de um país como a Zâmbia que proíbe símbolos de indícios de rastas em fotografias de identificação oficial, sem proceder à alteração das leis coloniais britânicas concebidas contra os combatentes da liberdade Mau Mau, com rastas, na sua colónia queniana?
Por outro lado, no passado, a resistência só cabelo liso foi geralmente moderado, contudo presente. Ainda em 2010, muitas escolas em África, provavelmente por motivos de modéstia, proibiam as raparigas de utilizar o cabelo relaxado ou extensões. Nalguns casos , a restrição era consequência de práticas higienistas, que obrigavam todas as raparigas a usar o cabelo rapado. Felizmente, em muitos países africanos, a utilização de relaxantes ou extensões nas raparigas antes da adolescência é tido como algo inapropriado, coisa que não acontece com as suas congêneres nas populações da diáspora, que podem ter o cabelo relaxado a partir do tres anos. Mais interessante ainda é o facto de o cabelo relaxado e das extensões serem, em alguns casos, proibidos nas funções culturais tradicionais. No Gana, as mães rainhas Ashanti são obrigadas a esconder o cabelo durante as cerimónias caso ele não seja natural. Assim, os estilos eurocêntricos foram considerados incompatíveis com certas funções ligadas às identidades tradicionais africanas e inadequados para a inocência da juventude ( embora também possa ser uma questão monetária, uma vez que os africanos mais ricos têm mais probabilidades de relaxar ou, como se verifica atualmente, trançar o cabelo dos seus filhos mais novos.
Com o crescimento do movimento do cabelo natural, os opositores às extensões e relaxantes tornaram-se cada vez mais ruidosos, o que fez com que algumas mulheres se sentissem pessoalmente atacadas pela sua escolha de penteado. Estas mulheres questionam particularmente a noção de que usar extensões ou o cabelo relaxado é um sinal de autodepreciação. Vários são os argumentos apresentados em sua defesa.
Numa primeira argumentação, nota-se um ataque semântico, que aponta que os estilos naturais não são tão naturais ou não são tão africanos, e por tal, não existe uma diferença entre os mesmos e o cabelo alterado com extensões ou relaxantes. Esclareçamos a semântica. Natural meramente significa cabelo que não foi quimicamente alterado (com exceção das tintas para cabelo), o que não significa que o cabelo não tenha sido cuidado, penteado e tratado. Em contextos africanos onde as extensões e os complementos têm sido historicamente uma parte completiva dos penteados, também não significa que nada tenha sido anexado ao cabelo. Em África, os penteados entrançados com extensões ( que atualmente são maioritariamente sintéticas) são uma forma bastante comum de pentear o cabelo não tratado quimicamente. As extensões também podem ser acrescentadas em cabelos que não estejam quimicamente alterados; mas, tendo em consideração a estética, torna-se evidente que as extensões, que não têm qualquer similaridade com o que o cabelo natural africano pode fazer, servindo assim para desvalorizar o cabelo africano. Adicionalmente, natural não significa historicamente autêntico Tal como a cultura e as modas, os estilos de cabelo estão em constante evolução, por isso o facto de um penteado como o afro não possuir precedentes históricos em África, não o torna menos natural e não significa que no presente não possa ser um símbolo de orgulho na cultura africana.
Outro argumento é o de que as mulheres brancas alteram o seu cabelo, tanto quanto as mulheres negras, através do uso de perucas, extensões e também o alisamento do cabelo. Todas as culturas sempre acabaram por aderir a práticas de alteração do cabelo e em qualquer comunidade, haverá sempre indivíduos que procuram imitar a estética de outrem. Contudo, a alteração do cabelo entre as mulheres não negras quase sempre envolve estilos que pertencem ao seu corpus estético cultural e biológico. Uma siciliana que alisa os seus caracóis volumosos pode ser encarada como uma forma de homenagear a sua prima milanesa. Uma mulher holandesa que faz uma permanente encaracolado para dar um toque especial aos seu cabelo fino talvez se inspire nos caracóis da sua vizinha francesa. As excepções podem aglomerar os penteados que projetam uma posição à margem da sociedade- como os rastafaris brancos e os punks- ou que nunca passaram de modas de curta duração- como as tranças Bo Derek e o cabelo frisado dos anos 80. Em contrapartida, o alisamento do cabelo, tem atormentado os negros desde 1800.
Seguidamente, há um conjunto de argumentos que visam dissociar a escolha de usar estilos eurocêntricos das questões de identidade. As extensões ou os relaxantes são apresentados como uma escolha de conveniência; é muito mais fácil cuidar do cabelo quando o mesmo é falso ou liso. Outros argumentam que não se trata de querer parecer branca, mas sim de seguir os padrões que os media e a publicidade impõem às mulheres africanas e os estilos que alguns contextos profissionais impõem, já que não se pode progredir profissionalmente usando estilos naturais. Possivelmente, os homens desejam mulheres com cabelo comprido. Outras simplesmente expressam que é a sua escolha estética pessoal, da forma como se sentem bonitas. Para as que gostam de mudanças frequentes de penteado, afirmam que é desta forma que se sentem criativas.
Em 2015, numa reportagem da BBC, uma mulher exclama exaltadamente sobre o cabelo africano: “A ideia de que quando uma mulher negra utiliza extensões é sinal de insegurança é simplesmente ridícula. Eu trato o meu cabelo, da mesma forma que trato as minhas unhas. Posso usá-lo de muitas formas diferentes- isso não muda quem sou”.
Todos estes argumentos têm uma fraqueza fundamental: são superficiais. Se os analisarmos para além da superfície, encontraremos a valorização da estética branca em detrimento da estética africana, aspeto indissolúvel do comércio atlântico de escravos. Olhemos para o argumento da conveniência. Um penteado é um ofício e todos os ofícios precisam de prática e de instrumentos. No tempo presente, a maioria dos cabeleireiros e das mulheres em África, em reflexo da falta de prática, cuidam melhor das extensões e do cabelo relaxado do que do cabelo natural. Nas últimas décadas, a inovação dos produtos capilares em África também negligenciou as texturas do cabelo natural- felizmente tal está a mudar.
A desvalorização do cabelo africano, que foi muitas vezes rotulado como “incontrolável”, “áspero” e “difícil”- o que contribui para tornar a etiquetação do cabelo africano como inconveniente. A conveniência é também uma questão de perspectiva. Em 2011, 50 mulheres ganesas responderam a um inquérito realizado por Sena Can-Tamakloe, uma estudante de gestão, onde a esmagadora maioria afirmou que encorajaria as suas colegas a optarem pelo cabelo natural por o mesmo ser de baixa manutenção e mais barato. Recorde-se a prevalência de estilos entrançados em África. De facto, para uma mulher que passa 45 minutos a entrançar o seu cabelo natural e adorná-lo com ornamentos de metal e por duas duas semanas esquece-se do seu cabelo, as exigências diárias de um cabelo relaxado pareceriam muito mais inconvenientes. Evidentemente que as extensões podem ser excepcionalmente convenientes, o que parcialmente explica a sua grande popularidade.
Quanto às imposições dos meios de comunicação, em relação aos padrões profissionais ou ao que os homens desejam, em vez dos dos ideais eurocêntricos, facilmente se percebe que estas instituições ou indivíduos apenas repetem os padrões brancos que se enraizaram nas comunidades africanas. Os media e a publicidade valorizam o que uma sociedade valoriza, por vezes antes antes da sociedade, outras vezes depois. Se as mulheres africanas começarem a valorizar o seu cabelo natural, as imagens dos media farão o mesmo. Felizmente, tal já está a acontecer. Os outdoors nas estradas de Quagandoudou, apesar de frequentemente apresentarem mulheres com algum tipo de cabelo liso ou encaracolado biracial, também apresentam mulheres com cabelos entrançados, afros e toucas.
“Não muda quem sou”, afirma a exaltada defensora das extensões na entrevista à BBC. “Pode não mudar, mas muda o que é a sociedade, e a mesma pode moldar os outros à sua volta”, esta é a nossa resposta. No seu livro emblemático sobre o racismo, Black Skin, White Masks, de 1952, Frantz Fanon, que era um psiquiatra de formação, apresenta a ideia de sociogenia no estudo das escolhas individuais. Fanon explica que a alienação- e portanto a desalienação - dos negros numa estrutura racista não é apenas uma questão de escolha individual. A mesma é também moldada pelas sociedades negras, que por sua vez são moldadas pelas escolhas individuais. Quanto mais mulheres usarem extensões ou relaxantes capilares - por livre escolha ou porque se sentem obrigadas a fazê-lo por força de uma série de pressões- mais as sociedades africanas assimilam a mensagem da estética estrangeira como algo melhor, negando o cabelo africano e a sua textura. Consequentemente, mais raparigas crescem sentindo-se inferiores por causa do seu cabelo enrolado e mais mulheres africanas colocam-se apologeticamente na cena mundial, com medo de serem rejeitadas e ridicularizadas em razão de uma parte da sua biologia. Em vista disso, é uma escolha pessoal que perpetua a depreciação dos africanos, criando obstáculos para que outras mulheres se auto-realizem sem gastar energia a combater o estigma em torno de um fato biológico que é cabelo. É uma escolha pessoal que se abstrai das pressões históricas e contemporâneas para ser diferente de si própria. É uma escolha pessoal que escraviza outros.
Economia do cabelo
Existem também implicações económicas. Estudos e evidências anedóticas feitas nos EUA sugerem que as mulheres negras gastam consideravelmente mais dinheiro e tempo para o cuidado capilar do que as suas congéneres não negras. O aspecto comparativo é interessante para avaliar qual é o custo de oportunidade do cabelo na sociedade contemporânea. Mais dinheiro e tempo gastos com o cabelo podem significar uma menor disponibilidade desses recursos para gastar noutras coisas. Tradicionalmente, espera-se que as mulheres dos chefes Mossi de Burkina Faso repassem a cabeça, quiçá como sinal de que teriam afazeres de maior importância para a sua sociedade em vez de despender o seu tempo a arranjar o cabelo. Diferentes épocas e classes dedicaram quantidades diferentes de tempo aos cuidados de cabelo. Ao longo dos anos 1800, os brancos de elite dependiam muito do seu tempo para arranjar o cabelo. No meio da humidade de Nova Orleães, as beldades da América do Sul, mantinham os seus cabeleireiros negros ocupados durante horas por dia. No mundo contemporâneo, e certamente em África, poucos são os focos de classe que dispõem de tempo livre e riquezas ilimitadas.
Apesar de todo o fervor em torno do rápido crescimento da classe média, África é ainda um continente com focos de pobreza generalizada. Nesta perspetiva, o volume do mercado de produtos capilares e, particularmente, do mercado das tranças, perucas e extensões (produtos para cabelos secos, na linguagem da indústria), é estonteante. Um estudo realizado pela Euromonitor em 2013, estimou o valor do mercado africano de cabelos secos em 6 mil milhões de dólares e projetou um rápido crescimento para a próxima década. A Índia e a China representam os principais exportadores mundiais de cabelo humano e extensões sintéticas. Ainda que as suas indústrias tenham começado por alimentar os mercados euro-americanos (tanto para caucasianos como para negros), têm agora os olhos firmemente apontados para o mercado africano, onde a procura cresce rapidamente. Em 2018, África foi responsável por 39% dos cabelos importados dos EUA, seguido da China que representava 37%. A África do Sul, a Nigéria e o Benim foram os maiores compradores. O último importou quase 400 milhões de dólares em complementos capilares. Da mesma forma que foi um centro de importação de tecidos de cera africanos, o Benim aparenta desempenhar uma função de entreposto, ao enviar produtos estéticos importados para outros países. Em todo o mundo, as indústrias de beleza alimentam as inseguranças das mulheres, no entanto as mulheres negras representam um jackpot seguro. Shen Dalei, diretor-geral de uma fábrica de perucas na cidade de Xuchang, a capital da perucas na China, comenta com agrado: “Existe uma grande procura entre as mulheres negras”.
As extensões de cabelo humano são o produto predileto entre os complementos capilares. Em 2014, a cantora nigeriana Muma Gee, vangloriou-se das suas extensões de cabelo humano que custavam mais de 2000 dólares. No que toca aos cabelos, alguns são recolhidos nos templos indianos, onde algumas mulheres, por razões religiosas, doam voluntariamente os seus cabelos. Desde 2011, o templo de Tirupati, que é um dos maiores coletores de cabelo, arrecadou mais de 97 milhões de dólares com leilão de cabelo doado. Por outro lado, na China, as mulheres tendem a vender o seu cabelo a colecionadores. À medida que o negócio do cabelo humano foi se tornando mais lucrativo, foram surgindo práticas pouco recomendáveis na cadeia de abastecimentos. Existem relatos de crianças, vítimas de fraude, que acabam com o cabelo rapado, de maridos que obrigam as mulheres a vender cabelo, de cabelos colhidos em caixotes do lixo, ralos de chuveiros e cadáveres. Uma simples pesquisa no Google permite encontrar estas denúncias, que não parecem dissuadir os consumidores africanos. As celebridades continuam a desembolsar milhares de dólares e os africanos comuns, em média, estão dispostos a gastar 250 dólares por uma única extensão de cabelo humano.
As extensões sintéticas destinam-se às massas com menor poder económico. Algumas fábricas em África, nomeadamente na África do Sul, Nigéria, Quénia, Togo e Senegal, produzem extensões sintéticas para tranças. Atualmente, a maioria destas fábricas, se não todas, são propriedade de grupos industriais indianos ou chineses e as matérias-primas são provenientes da Ásia. O blogueiro de negócios John-Paul Iwuoha, ao escrever sobre as gigantescas oportunidades de mercado no negócio das extensões de cabelo, observa que os empresários africanos apenas estão presentes na base da pirâmide como importadores, distribuidores e retalhistas. No que toca ao mercado global de produtos de branqueamento da pele em África, em Blanchissez-moi tous ces nègres, o sociólogo costa-marfinense Dédy Séri avisa “Se formos dominados esteticamente, também seremos dominados economicamente”.
Imaginemos o que poderia ser esta indústria se uma estética africana prevalecesse nas escolhas de cabelo das mulheres. Certas leitoras terão uma opinião negativa relativamente à colocação de cabelo falso (mesmo os de origem humana) no próprio cabelo. Sugiro que as suspendam. Como já foi anteriormente referido, os penteados tradicionais africanos por norma incluíam “falsos”, tal como os penteados, tanto femininos como masculinos, da elite euro-americana nos anos 1700 e 1800, ou mesmo muitos estilos tradicionais asiáticos. Sendo assim, como seria esta indústria? Haveria colectores de cabelo, de africanos abençoados com jubas imensas e exuberantes, que seria processado em fábricas africanas que fabricariam extensões de qualidade superior e perucas? Lembrem-se dos homens Quaqua que faziam extensões com o cabelo das suas mulheres. Os empresários africanos inovariam os processos de fabrico de cabelo sintético de textura afro? Será que as extensões utilizadas para tranças teriam texturas diferentes das que são atualmente comuns?
Os últimos desenvolvimentos no mercado dos produtos capilares líquidos- óleos capilares, cremes, shampôs- sugerem que, de facto, oportunidades foram perdidas. Quando o cabelo relaxado estava no seu auge, poucos eram os produtos capilares de qualidade fabricados em África, que uma consumidora de elite urbana, como eu escolheria. Nos produtos populares importados no mercado, eram poucos os ingredientes reconhecíveis como africanos. No Burkina Faso, nos cinco anos que decorreram desde que mais mulheres passaram a usar estilos naturais, diversos empresários locais colocaram no mercado novos cremes, óleos, shampôs e amaciadores que incorporam manteiga de karité, óleo de coco, pó de chebe, hibisco, quiabo e outros ingredientes que se pode imaginar serem cultivados por agricultores em africanos. O regresso ao natural, libertou o génio inovador e o empreendedorismo africanos.
Como é o cabelo como liberdade?
O cabelo como liberdade significa fundamentalmente pôr fim à noção de que o cabelo africano, pela sua textura biológica, é anormal e algo contra o qual se deve lutar ou esconder. Cabelo como liberdade significa olhar para o cabelo africano como algo que pode ser usado ao natural ou embelezado com estilos e técnicas, em harmonia com a sua essência. A nível social, o cabelo como liberdade significa fazer escolhas estéticas que formam uma autoestima individual e social. Escolhas que sustentam as economias locais em vez de gerarem um frenesim de importações. O resto é uma questão de escolha pessoal.
Para alguns, tal implica despender menos tempo e dinheiro com o cabelo, para outros poderá significar mais tempo e dinheiro. O movimento do cabelo natural nas populações da diáspora africana tende a promover um exemplo que pode exigir muito tempo e produtos. Os tutoriais do YouTube salientam quanto tempo se gasta no infame “wash day” (“dia de lavagem”) e as diversas técnicas para esticar o cabelo de modo que não encolha ou para que se consiga os caracóis mais definidos. Existe um perigo escondido neste discurso. De um ponto de vista africano continental, aparentemente, um padrão de beleza de cabelo branco, está a ser simplesmente substituído por um padrão de beleza de cabelo biracial. O cabelo longo e esvoaçante (ou pelo menos saltitante), continua a ser o Santo Graal, somente é mais encaracolado e pode ser conseguido sem alterações químicas. É provável que isto seja menos problemático nas comunidades da diáspora, onde séculos de miscigenação diversificaram o tipo de texturas do cabelo da mulher negra. (No entanto, muito na história americana alerta para o contrário- por exemplo, o imposto sobre a cor aplicado na década de 1920 aos irmão de fraternidade que levavam companhias mais negras para eventos em faculdades historicamente negras.)
No continente, os cabelos com textura mais soltas estão imensamente limitados a alguns grupos étnicos e a indivíduos de herança birracial recente. Além disso, estas últimas, são frequentemente (problematicamente) assimiladas aos brancos. Desta forma, as mulheres africanas não devem cair na armadilha do padrão de cabelo birracial. Apesar da tendência que os preguiçosos profissionais do marketing do continente têm para utilizarem imagens de bancos de fotografias ocidentais, na maioria das vezes, apresentam cabelos do tipo birracial.
Usar o cabelo com uma estética africana pode ser demorado, mas também pode resultar numa libertação de tempo. A verdadeira liberdade vem do facto de, com toda a segurança, se poder afirmar “Sou negra e bela”, sem “ses” ou “mas”.
Referências
BBC News. “Being African: What does hair have to do with it?” 21 July 2015. https://www.bbc.com/news/world-africa-33525254
Bile, Serge. Blanchissez-moi tous ces nègres. Kofiba Editions (2010).
Byrd, Ayana and Lori Tharps. Hair Story: Untangling the roots of Black Hair in America. Revised Edition. St. Martins (2014).
Griebel, Helen Bradley. “The African American woman’s headwrap: Unwinding the symbols.” Dress and identity (1995): 445-460.
Iwuoha, John-Paul. “Human Hair: How this Business Makes Millions of Dollars in African, and the Tricks You did not Know” Smallstarter.com. 1 February 2016. https://www.smallstarter.com/browse-ideas/the-human-hair-business-in-africa-and-how-it-makes-millions-of-dollars/
Liu, Yujing. “Africa’s new-found fondness for hair extension offers cover to Xuchang, China’s hub for wigs and weaves, as US tariffs loom” 25 May 2019. South China Morning Post https://www.scmp.com/business/china-business/article/3011657/chinas-wig-capital-has-designs-africa-us-tariffs-loom
Publicado originalmente em Lolwe
Escrito com o apoio do Goethe Institut- Residência para Jovens Escritores Africanos.