Pieds noirs | sd | BBC news Estima-se que no decurso dos processos de descolonização que tiveram lugar depois da Segunda Guerra Mundial, entre 5,4 e 6,8 milhões de pessoas que residiam nas colónias voltaram ou chegaram às metrópoles dos antigos impérios europeus (1). Durante o ano de 1962, chegaram a França cerca de 650.000 franceses da Argélia, território que se tornou independente em julho de 1962, após oito anos de guerra de libertação (2). Mais de uma década depois, em 1975, enquanto se encontrava no processo revolucionário inaugurado pelo golpe do 25 de Abril de 1974 que pôs fim a 48 anos de ditadura, Portugal acolheu cerca de meio milhão de portugueses que saíram principalmente de Angola e de Moçambique (3). Se estes dois movimentos migratórios tiveram lugar em contextos políticos e económicos diferentes, tanto a nível nacional como internacional, a verdade é que estes fins dos impérios francês e português obrigaram os dois Estados a pensarem ações e políticas concretas para responder ao conjunto de questões levantadas pela chegada destes “migrantes nacionais” (4), conhecidos como os pieds-noirs (literalmente os “pés-negros”) em França, e os retornados em Portugal. Não seria correto dizer que estes dois países não tinham antecipado estas chegadas, ou, segundo os casos, estes retornos. De facto, antes de as chegadas maciças de 1962 e de 1975, os dois Estados tinham-se dotado de organismos, como o Secrétariat d’État aux Rapatriés (1961) e o Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais – IARN (março de 1975), bem como de uma legislação que tinha como objetivo o de prever uma proteção particular para estes cidadãos franceses e portugueses que chegavam do ultramar. A primeira missão dos dois Estados foi a de repatriar os seus cidadãos. A França implementou uma evacuação marítima e aérea dos Franceses da Argélia, e Portugal organizou uma evacuação similar entre Angola e Portugal a partir da primavera de 1975, dentro da qual decorreu a célebre “ponte aérea”. Portugal contou com a cooperação de vários governos estrangeiros (Estados Unidos, Reino Unido, URSS, República Democrática Alemã, França, República Federal Alemã, e Bélgica) que realizaram 265 voos durante o mês de setembro de 1975, para transportar diariamente milhares de portugueses até Portugal (5). As condições nas quais ocorreram estes repatriamentos foram, porém, caóticas. Nem a França nem Portugal anteciparam, de maneira concreta, a importância real destes movimentos de população, o que teve como resultado que os meios materiais mobilizados pelas autoridades foram substancialmente inferiores às necessidades. Isto obrigou frequentemente os colonos a esperarem pelas suas evacuações aéreas ou marítimas em condições muito difíceis, acentuando o caráter traumatizante de que se revestiram estas saídas. Ao contrário de uma ideia veiculada por muitos pieds-noirs e retornados, segundo os quais foram entregues à sua sorte uma vez repatriados (6), as autoridades desenvolveram políticas especialmente criadas para eles. Com efeito, a França e Portugal consideraram a integração das populações repatriadas das suas antigas colónias como uma prioridade absoluta (7). Formou-se um consenso em torno desta necessidade, baseado no conceito de solidariedade nacional a que os repatriados tinham o direito de esperar como membros plenos da nação. Além deste dever de solidariedade nacional, o imperativo da integração era também pensado como uma ferramenta para proceder à pacificação destas populações. As autoridades dos dois países recearam que as tensões sociais e políticas preexistentes aumentassem com a chegada dos repatriados. Em França, os atentados da organização terrorista criada em 1961 por Jean-Jacques Susini e Pierre Lagaillarde para lutar para uma “Argélia francesa” e tentar impedir a independência do território, a Organisation Armée Secrète - OAS (8), e sobretudo as tentativas de assassínio ao general de Gaulle, estavam bem presentes na mente de todos os metropolitanos durante o verão de 1962, enquanto desembarcavam diariamente milhares de franceses da Argélia. Em Portugal, o contexto político e social revolucionário que o país vivia em 1975 colocava em perigo a jovem democracia portuguesa pela possível manipulação política dos retornados por parte de organizações de direita saudosas do regime destituído. As autoridades deviam, por isso, empenhar-se na resolução do conjunto das problemáticas ligadas a estas chegadas e a estes realojamentos. Um problema urgente foi o do alojamento. Os dois Estados, que se encontravam numa situação de carência de alojamento, tomaram medidas temporárias, como o alojamento da população repatriada em estabelecimentos hoteleiros em Portugal. Em França como em Portugal foram também criados centros de alojamento coletivo, caraterizados por condições por vezes particularmente difíceis, como nas 57 prisões portuguesas que foram requisitadas para este efeito a partir de fevereiro de 1976 (9). Estas condições ficaram gravadas na memória das pessoas que beneficiaram desta política. Numa visão de longo prazo foram implementadas políticas de construção de novas casas para os pieds-noirs e para os retornados e foi criado um sistema para aceder à propriedade imobiliária. Apesar destas políticas de alojamento, que implicaram a disponibilização de montantes consideráveis, alguns dos repatriados viveram em condições de grande precariedade. A integração económica das populações repatriadas foi também uma prioridade dos Estados francês e português, confrontados com a necessidade de integrar, o mais rapidamente possível, um número muito elevado de trabalhadores. Se os dois Estados reintegraram de maneira eficaz e rápida a grande maioria dos seus funcionários coloniais no quadro de uma política especial, a questão da integração no mercado de trabalho metropolitano dos trabalhadores independentes repatriados foi mais complexa. Em França, apesar do contexto económico do período conhecido como os “Trente glorieuses” ser favorável à absorção de mão de obra, as características socioprofissionais dos franceses que chegavam da Argélia não correspondiam às necessidades do mercado de trabalho francês, que procurava trabalhadores qualificados para as indústrias. No caso português, ocorreu uma situação inversa. O contexto económico do país fazia temer um aumento súbito e extremo de uma taxa de desemprego que já era elevada. Não obstante, as características profissionais dos portugueses que vinham de Angola e de Moçambique, muitos ativos no setor terciário, nomeadamente nos serviços e no comércio, representaram uma vantagem para a economia portuguesa. Pela sua parte, o Estado português participou ativamente na integração económica dos retornados, com a criação de um programa de crédito para incentivar os repatriados a formarem pequenas e médias empresas, que desembocou na criação de perto de 65.000 postos de trabalho no território nacional (10). O Estado francês também implementou um programa de crédito para os pieds-noirs criarem empresas, mas era reservado apenas aos repatriados que tinham na Argélia uma empresa. Assim o Estado decidiu incentivar os pieds-noirs a integrarem as atividades assalariadas já existentes. Nestes dois casos, estas políticas estatais, associadas ao contexto e às características das populações repatriadas, tiveram como resultado a absorção de uma grande parte dos repatriados ativos nos mercados de trabalho nacionais. As políticas de alojamento e de integração económica, bem como o conjunto de subsídios implementados (desemprego, abono de família, bolsas de estudo…) foram essenciais para a integração ativa dos pieds-noirs e dos retornados em França e em Portugal, sem, porém, conseguirem resolver todas as dificuldades vividas por eles. Se é verdade que esta integração não ocorreu sem criar tensões, também é preciso mencionar que, ao desenvolver uma política inédita, e similar, os dois Estados, que se caracterizavam por contextos políticos, económicos e sociais fundamentalmente distintos, demonstraram que quando existe uma vontade política, é possível encontrar os meios financeiros necessários para participar à integração de populações migrantes nas suas sociedades.
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