AFRIQUES, COMMENT ÇA VA AVEC LA DOULEUR? de Raymond Depardon

AFRIQUES, COMMENT ÇA VA AVEC LA DOULEUR? (Áfricas, como se lida com a dor?) de Raymond  Depardon                                                                       

Quando Depardon se exalta… 

Acontece com a objectiva da câmara o mesmo que com a relação amorosa: só vale a pena aquela que faz mudar o olhar. No Círculo da meia-noite de 26 de setembro, Raymond Depardon irrita-se contra os cineastas Africanos que criticam o filmeAfriques, comment ça va avec la douleur? O mauritano Abderrahmane Sissako e o maliano Adama Drabo recusam um olhar mais uma vez parcial: Enquanto o seu acompanhante africano respirava a vida, Depardon não filma senão a dor.

Sem miserabilismo, naturalmente, e sem esteticismo, estas duas taras congénitas do olhar ocidental. Ele brande esta certeza como um diploma de boa conduta. E irrita-se que se deseje descobrir aí outra coisa: os vestígios subjacentes de um olhar exterior que não compreende, que se contenta em fixar o sofrimento dos homens como se se tratasse de um périplo pelas dores africanas.

Na honestidade da sua errância interior e das suas tocantes incertezas, o olhar de Depardon não capta senão o que lhe interessa. Ele faz a selecção e reivindica-a. Assim, a África não será, então, senão dor. Mesmo quando esta pergunta “Como se lida com a dor?”, tradicional em certos países africanos, é uma questão de vida: Como te desenvencilhas na vida? Estás em paz?

É esta distância que desnorteia: o desvio entre o que Depardon selecciona e o que o Africano vive, visto que a miséria e os conflitos não conseguem corroer a sua alegria de viver senão em casos extremos. Depardon compreende “olhar de Branco” quando lhe dizem “olhar parcial”. E ele reage obstinadamente, pensando que o africano continua a reivindicar a exclusividade do olhar sobre si. Mas os dois cineastas africanos não lhe pedem senão o que oferecem aos visitantes: o respeito.

O documentarista senegalês Samba Félix Ndiaye dizia-me que a ambiguidade começa quando Depardon trata a sua própria dor como a dor africana. Se o seu olhar é rejeitado pelos africanos, é porque ele põe de lado as resistências que a África desenvolve há 500 anos, estes espaços de humanidade em que o homem continua a recusar ser um tubarão.

Assim, a África não é mais que o cenário em 360 graus da interrogação de Depardon. Parcial, o olhar já não reproduz senão o selvagem, o bárbaro, o primitivo. E torna-se exótico. Estas mulheres que transportam pesados feixes de lenha tornam-se mudas exploradas. Porque este olhar que se dirige para si, este olhar de comparação não consegue analisar por que razão a tracção animal é tão rara na África negra. E não se pode dar conta da consciência destas mulheres e do seu combate quotidiano para modificar a sua condição.

Que me revela este olhar sobre a dor? Não me diz apenas o que eu já sei? Que é aquilo que a mediatização exacerbou. É evidente que Depardon procurou abrir-se ao que o rodeava. E explorou uma forma de filmar o insustentável que não conduza à indiferença na repetição do sensacional. Mas deixou-se destabilizar por outra coisa que não ele próprio? Esta jovem mulher do Tchad tão paralisada pela objectiva que nem ousa sacudir as moscas do seu rosto já não tem grande coisa a ver com a realidade: ela já não é senão a representação do desejo do cineasta, da sua forma de colocar quer a câmara quer as questões. Ele tem a honestidade de confessar que são demasiado pesadas, as de alguém que não faz mais do que voltar a passar por lá…

Onde encontrar o alcance universal de um olhar desenganado‚ para o qual a África não seja apenas o lugar de todas as dores? O que me magoa é que este olhar vem, involuntariamente, reforçar os preconceitos existentes e que vai ser incensado em detrimento do dos próprios Africanos, aqueles cineastas que, muitas vezes com pontas de fios, montam os testemunhos sem público de uma África que mexe.

 

Originalmente publicado em Africultures

 

 

Translation:  Maria José Cartaxo

por Olivier Barlet
Afroscreen | 1 Março 2011 | cinema africano, Raymond Depardon