O olhar diferente para as tradições africanas
Eu queria ser montadora. Tinham-me dito que a montagem era uma das melhores formas para aprender cinema. Em 2003 comecei a montar muitos videoclips de publicidade e, pouco a pouco, documentários.
Em 2005 rodo o meu primeiro filme Mon beau sourire, sobre o ritual das tatuagens nas gengivas no Senegal. Mon beau sourire é mais um delírio de montagem. Antes de atacar o meu projecto de 52 minutos, sobre a griotte do presidente Senghor, tinha vontade de saber qual seria a minha maneira de realizar mas também conhecer os meus limites.
Mon beau sourire é um filme sobre a conservação da cultura africana: surgiu-me como forma de mostrar uma prática, considerada arcaica, num enquadramento moderno e dinâmico do ponto de vista de uma jovem mulher contemporânea. As tradições não são forçosamente arcaicas – tudo depende da maneira como as apresentamos ou como as observamos.
Escolhi este estilo de narração para convidar o público a olhar de outra maneira para as tradições africanas e a situar-se ligeiramente menos numa posição de julgamento. Também não queria que o público se concentrasse na dor, ao longo desta cerimónia, antes que fosse para lá disso e compreendesse que é uma questão de coragem, de honra, dignidade e beleza.
O que faz o sorriso das mulheres africanas ser belo não é a tatuagem, mas o facto delas manterem o sorriso, apesar da dureza do seu quotidiano. A sua bravura torna belo o seu sorriso.
Antes de fazer este filme, também achava esta prática ridícula. Fui surpreendida por constatar que tê-lo feito me reconciliou com a minha cultura (se ouso dizer a minha africanidade) sem limitar o meu desejo de liberdade e de independência.
Em 2007, realizei As senegalesas e o Islão. Desta vez, o meu objectivo era permitir às mulheres, que raramente têm oportunidade de se exprimir sobre a sua religião e a vida em geral, de o fazerem abertamente. Neste filme, as mulheres são muito diferentes umas das outras mas todas se situam profundamente ancoradas na escolha da sua prática religiosa, reflectindo a diversidade do mundo.
Elas próprias decidiram participar neste debate como uma espécie de desafio à sociedade e em nome da liberdade das mulheres. Tenho muito respeito por elas… As primeiras raparigas do meu casting desistiram quase todas à última da hora devido a pressões familiares.
Em imensos países africanos, as mulheres desempenham um papel muito mais importante do que possamos imaginar, ainda que não sejam visíveis nas áreas públicas de decisão. O tema das mulheres no meu trabalho é, no entanto, secundário. Escolhi estes assuntos porque abrem uma janela sobre a cultura do meu continente, mais do que mostrarem as mulheres. Não me situo num discurso de mulher-homem: faço filmes com a minha sensibilidade, a minha visão das coisas e uma mensagem que tenho vontade de veicular, antes de mais uma mensagem para a minha África…
Em 2008, fiz o meu terceiro filme Yandé Codou, a griotte de Senghor. Quando Leopold Sédar Senghor deixou o poder, Yandé desapareceu de cena e tornou-se uma espécie de lenda. Apenas voltou a aparecer quando gravou um álbum com Youssou Ndour.
Nunca mais a tinha visto, conhecia apenas a sua voz, mas admirava-a tanto como os que falavam das suas explosões vocais e que a imitavam em Gossas quando eu era estudante.
Em 2004, como necessidade de regressar às fontes, fui ver a Mãe Yandé. Dei-me conta que, ao longo dos anos, ela tornara-se um pouco amarga, lunática, autoritária, mas que continuava sempre muito comovedora e que a minha curiosidade em torno desta diva permanecia intacta.
Yandé impressiona-me particularmente porque luta pela sua família. Yandé tem confiança em si. A sua condição de “mulher” não a incomoda em nada, pelo contrário, isso torna-a mais forte. Tem um temperamento de combatente. É um exemplo para mim.
Ela testou a minha tenacidade ao longo de todos estes anos em que estivemos juntas… Compreendi que a sua dureza em relação a mim no início era a sua forma de me guiar. Mais de um ano após as filmagens, falamos regularmente ao telefone e ela acompanha com orações tudo o que faço.
A relação Yandé / Senghor ultrapassa o cenário de um nobre e a sua griotte. Havia o elo Yandé e Senghor presidente e o elo Yandé e Senghor poeta. Yandé é aquela que guiava Senghor, que o conduzia à sua africanidade.
Neste filme, Yandé a “mulher” interessava-me mais do que a diva e o seu lado “famoso”. A minha abordagem era de uma jovem que filma a sua mãe, como podem verificar pelo argumento e o estilo de narração escolhidos. Fiquei interessada nas contradições de personalidade de Yandé, simultaneamente forte e servil, o seu desejo de transmissão e, ao mesmo tempo, a sua recusa de abertura.
Fiz uma escola de cinema onde a formação era sobretudo orientada para o documentário. Tenho vontade de fazer ficção mas seguramente frequentarei o documentário, não para denunciar o que está mal na sociedade e constantemente apontar o dedo, mas para mostrar os lados positivos de África, os seus aspectos culturais positivos.
Penso que é importante, hoje, enquanto o continente vibra e se encontra em emulação, mostrar o que a nossa África tem de melhor, com um olhar moderno, mas também sabendo ser duro quando é preciso.