Os modos de figuração da memória e das experiências diaspóricas em quatro documentários brasileiros
Entre 27 e 29 de Junho, o ISCTE-IUL irá a acolher a quinta Conferência Europeia de Estudos Africanos (ECAS 2013). Paralelamente aos painéis temáticos haverá uma mostra de cinema africano, o ECAScreenings, e uma mesa-redonda, The State of the Art: African Contemporary Cinema in Focus. BUALA colabora com o ECAScreenings, na publicação de artigos sobre cinema ligado a África escolhidos por Pedro Osório Graça.
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“[…] A operação de configuração narrativa entra em composição com todas as modalidades de explicação/compreensão. Neste sentido, a representação, tanto sob seu aspecto narrativo como sob outros aspectos […], não se acrescenta de fora à fase documental e à fase explicativa, mas as acompanha e as sustenta.”
Paul Ricoeur, A memória, a história, o esquecimento
Muito se escreveu e se disse sobre as diásporas negras, notadamente sobre seu modelo de organização sócio-cultural e sobre seus modos de reinventar e encenar as identidades culturais. Em todas as definições das experiências diaspóricas perpassa a questão do imaginário, ou seja, a questão do tipo de relações que as populações negras deportadas no “novo mundo mantêm, consciente ou inconscientemente, com sua história, sua memória e com sua origem africana. Parte da realidade diaspórica, no contexto de nações como o Brasil e os USA, concerne aos modos de atualização daquilo que Le Goff chama de memória étnica”1. Le Goff lembra que todas as sociedades, com escrita ou não, “atribuem tarefas à memória”. Nas culturas orais a memória coletiva elege o domínio dos “mitos de origens” para se revela de forma cristalina2. São esses mesmos mitos, precisa Le Goff, que conferem “um fundamento aparentemente histórico à existência das etnias ou das famílias”. A memória coletiva das populações negras ou mestiças é algo que funciona com ou à revelia das narrativas da história oficial. A memória das comunidades do Atlântico Negro é ao mesmo tempo étnica, oral, gráfica3 e figurativa: ela se constitui de vestígios das culturas oral, percussiva, musical e das práticas lingüísticas e religiosas. Podemos, portanto, definir a problemática diaspórica como um conjunto de comportamentos, experiências e práticas sócio-culturais e artísticas que revelam as lógicas e contradições que intervêm nas encenações dessas memórias de origem africana na história e na modernidade de alguns países que compõem a “Neo-América”. Este artigo pretende partir da própria historicidade e ambiguidade do conceito de diáspora (tal como definido e aplicado ao “mundo negro da América” por Stuart Hall e Paul Gilroy) para examinar, em particular, as estratégias de mise-em-scène da memória diaspórica em quatro filmes documentários brasileiros.
Dos usos controvertidos do termo “diáspora” a um conceito estratégico e acadêmico.
Por extensão de uso, a noção de “diáspora” serve também para falar de todos os povos dispersos que mantêm um laço “comunitário” por referência a uma terra de origem: “a “diáspora” seria, portanto, apta a distinguir no meio do conjunto das experiências migratórias, um tipo particular de trajetória coletiva caracterizada pela idéia de conservação e continuidade (…)”4. Se alguns estudiosos lamentam o uso generalizado e metafórico do termo “diáspora”, outros, ao contrário, vêem por trás desta extrapolação terminológica um desejo de forjar um conceito operatório que dê conta da heterogeneidade das realidades de dispersão de populações provocadas pelo exílio ou pelas ondas migratórias (diásporas armênia, africana, irlandesa, chinesa, mexicana, etc.). Sendo assim, o termo “diáspora” não só se revela um conceito ideologicamente construído pelos teóricos dos estudos culturais, bem como reveste-se de um valor heurístico que permite repensar as relações dos indivíduos, comunidades e grupos sociais com suas memórias e com seus sentimentos de pertencimento identitário no interior dos estados-nações. O próprio Paul Gilroy, um dos principais estudiosos do Atlântico Negro e reticente à extensão da noção a outras realidades de dispersão, lembra que a diáspora não só se afirma como uma “alternativa à metafísica da raça”, bem como nos obriga a rever a nossa concepção fossilizada e essencialista da nação e da cultura, pois a realidade diaspórica perturba o poder fundamental do território na definição da identidade. Mais do que isso, a diáspora, diz Gilroy, anula qualquer veleidade de “invocação ingênua da memória comum como base da particularidade, ao chamar a atenção para a dinâmica política contingente da comemoração”5. É nisso que consistiria parte da modernidade da diáspora.
Num período histórico em que cada vez mais se fala de “guerra de memórias”6, de “abuso de memória”7, de “dever de memória”, “memória e esquecimento”8 etc. as memórias diaspóricas se revelam sempre um instigante objeto de investigação e um terreno propício para a observação daquilo que Todorov chama de “recuperação e utilização subseqüente do passado”9. Estes dois movimentos que passam, geralmente, por escolhas e estratégias de mise-em-scène de alguns dados históricos, envolvem também os traços das memórias diaspóricas. É nos meandros das vicissitudes histórica que todas as diásporas vão procuram e encontrar as razões profundas de sua existência. De uma diáspora para outra, o que muda são as causas do movimento de dispersão, além das diferenças nos modos como o imaginário e a memória funcionam (com ou contra a história) na reescrita da narrativa da dispersão e de suas conseqüências no presente. Por exemplo, enquanto as memórias das populações de imigrantes num país estrangeiro podem estar a serviço de uma espécie de recriação saudosista, teatral e performática de uma parte cultura da terra de origem, a atividade mnemônica das populações negras, durante e depois da escravidão no Brasil, Caribe ou USA, serve-lhes como meio vital de reconstituição e reinvenção de uma nova forma cultural a partir dos traços daquilo que o sistema da escravidão perniciosa e maquiavelicamente tentou obliterar ou apagar. Razão pela qual as comunidades diaspóricas mantêm uma relação ontológica e quase visceral com o seu passado mais do que as demais diásporas. Sendo assim, o imaginário diaspórico resiste mais às tentativas de apagamento, esquecimento ou sepultamento das memórias como costuma acontecer com as demais memórias. É a partir dessa memória que as populações negras das Américas realiza a tarefa de “conversão do ser” de que fala Glissant nestes termos:
“A Neo-America, seja no Brasil, nas costas caribenhas, nas ilhas ou no sul dos Estados Unidos, vive a experiência real da crioulização através da escravidão, da opressão, do desapossamento perpetrados pelos diversos sistemas escravocratas, cuja abolição se estende por um longo período (…) e através desses desapossamentos, dessas opressões e desses crimes realiza uma verdadeira conversão do ser”10.
Relação histórica e oblíqua com a África
Falar de uma condição ou problemática diaspórica nas Américas é, via de regras, tocar nas questões de “sobrevivências”, ou seja, as lutas pela recuperação cultural dos sinas e traços da África no processo de organização sócio-cultural das populações negras na América. Mas a relação da diáspora negra brasileira, caribenha ou norte-americana com a África será sempre uma relação oblíqua, isto é, uma relação que passa por um processo em que se “retrabalha” e se “reinterpreta” a África. Sendo assim, esta “África” reinventada nesta parte do mundo, diz Stuart, é “aquilo que a África se tornou no novo mundo, no turbilhão violento do sincretismo colonial, reforjada na fornalha do panelão colonial”11. É também esta “África” retrabalhada que fornece à diáspora negra “recursos de sobrevivência pelo domínio colonial e as matérias-primas para retrabalhá-las deformas e padrões culturais novos e distintos”12. É neste processo que consistiria a tradução cultural própria à diáspora.
A problemática diaspórica concerne também às formas como as populações negras do novo mundo se relacionam com a memória da terra da escravidão e da terra de origem. As experiências diaspóricas, segundo Glissant, começam no navio negreiro e se prosseguem com diversas práticas de organização cultural, artística e religiosa. As histórias das comunidades negras no Atlântico Negro são diferentes de um país ao outro. Mas elas apresentam pontos em comum passando dos USA, Caribe e ao Brasil, por causa da relação oblíqua que cada comunidade mantém com a memória da África. Por exemplo, a relação esquizofrênica dos negros do Brasil e dos Caribes com uma África sonhada e idealizada não tem nada a ver com o tipo de africanismo cultuado pelos africanos-americanos. Sendo assim, a figura da África como terra de origem não terá a mesma recorrência e a mesma força referencial nas manifestações culturais e artísticas encontradas no Brasil, em Cuba ou nos USA, por exemplo. Como veremos a seguir, são essas questões que aparecem em filigrana nas narrativas dos filmes que abordam os diversos aspectos da experiência diaspórica no contexto dos países do Atlântico negro.
Cinema negro ou “cinema diaspórico”?
Naquilo que Paul Gilroy chama de “nova topografia do Atlântico negro”13 emergem obras fílmicas que revisitam o tema da escravidão, mas pelo viés das suas conseqüências no plano cultural, simbólico, religioso e artístico. Este cinema, mesmo apresentando algumas características comuns com o “cinema diaspórico”, distingue-se pela particularidade do seu conteúdo temático. O “cinema diaspórico14”, tal como definido por Hamid Naficy, por exemplo, corresponde a uma categoria bem particular de cineastas que são descendentes de populações imigrantes e que, além de cultuarem uma consciência étnica, participam de uma memória coletiva de desenraizamento com os demais membros de uma comunidade ou grupo social no interior de uma nação. Esta memória passa a ser revisitada constantemente, às vezes, de forma nostálgica e performática, e, às vezes, com uma consciência política acirrada. Ora, se pensarmos no “filme diaspórico” (no lugar no “cinema diaspórico”) na perspectiva da relação do cinema com a história e a memória, podemos aferir que qualquer obra tem um compromisso com a problemática diaspórica, independentemente dos sentimentos de pertencimento étnico-racial que o diretor teria ou não com uma comunidade diaspórica em questão. Neste caso, o compromisso do cineasta seria com a problemática diaspórica que ele representaria por “dever de memória” no contexto de um país que tem sua história e o seu presente marcados pelos traços e vestígios da escravidão. Em outras palavras, não há, a priori, uma relação de homologia étnico-racial entre o cinema e a problemática diaspórica a ponto de “predestinar” alguns cineastas para esta temática. Além do mais, o cinema feito pelos diretores negros e afrodescendentes no Brasil ou nos USA, por exemplo, vem sendo designado pelo termo de “cinema negro”15 (ou “Black American Cinema”16).
Podemos agora procurar entender o valor simbólico de alguns filmes brasileiros voltados para a problemática diaspórica, bem como o estatuto de alguns cineastas brasileiros que, mesmo sem serem negros e afro-descendentes, realizaram importantes filmes sobre as populações negras do Brasil e suas memórias. Ao longo da evolução do cinema brasileiro, a memória da escravidão, as formas de organização sócio-culturais e políticas, no contexto brasileiro, foram relidas, reinterpretadas e re-encenadas por todos os cineastas que sentiram um compromisso com a problemática diaspórica. Sendo assim, a tematização da problemática diaspórica se torna, por parte dos cineastas, um exercício de mise-en-scène de uma parte dos processos de “crioulização” ou de “miscigenação” na “Neo-América” do que fala Glissant ou Darcy Ribeiro, por exemplo.
A problemática diaspórica no incipiente cinema negro brasileiro
Como o cinema negro ainda está em gestação (poucos cineastas negros17), muitos outros cineastas brasileiros18 assumiram cedo nas suas obras um compromisso com a memória diaspórica. Sem forçosamente se sentirem afro-descendentes, eles realizam ou já realizaram filmes que abordam frontalmente os aspectos históricos, políticos e culturais da realidade das populações negras. Partimos do pressuposto que o compromisso com a problemática diaspórica é, antes de tudo, uma questão de “dever de memória”; este tema interessa e interpela a qualquer cineasta, independentemente de sua origem étnico-racial. O “cinema diaspórico” pode, portanto, existir numa acepção mais ampla da palavra: dependendo da realidade de cada cinematografia nacional, é legítimo e possível pensá-lo como uma categoria genérica que abarca quaisquer filmes que retratam não só a história da escravidão, mas também que problematizam as diversas formas de cultivo e de preservação de uma memória coletiva de recriação e “idealização” da “cultura de origem” no meio de uma comunidade negra no contexto de uma determinada cultura nacional.
Diferentemente da realidade americana, as categorias de raça, gênero e de classe não têm o mesmo peso e determinação na prática cinematográfica e audiovisual no contexto brasileiro. Além do mais, os próprios cineastas relutam em se definir com base nestas categorias étnico-raciais e tendem a rejeitar a denominação de cineastas diaspóricos19. É com base nesta concepção extensiva e elástica do “cinema diaspórico” que procuraremos examinar as estratégias de construção narrativa e de mise em scène da memória e das experiências diaspóricas em quatro documentários brasileiros. Enquanto o filme Negros (Mônica Simões, 2009) reconstrói a imagem do negro na Bahia, através da montagem de imagens de arquivo de filmes e de vídeos, Família Alcântara (Daniel Solá Santiago e Lilian Solá Santiago, 2005) situa sua narrativa nos interstícios da memória íntima de uma família de afrodescendentes e de seus esforços de reconstrução identitária. Atabaque Nzinga (Octávio Bezerra, 2006) se deixa ler como um docu-ficção musical que põe em cena a errância e a crise identitária de uma personagem feminina negra, ela percorre três cidades brasileiras revisitando as memórias musical, coreográfica e rítmica das populações negras do Brasil. Ôri (Raquel Gerber 1989) é um denso filme político e histórico que, ao mesmo tempo em que resgata a história e a memória da luta do Movimento Negro no Brasil entre 1977 e 1988, faz um retrato-homenagem de algumas grandes figuras negras, usando o quilombo20 como fio condutor da narrativa e com as relações entre Brasil e a África como pano de fundo. O documentário foi restaurado e remasterizado digitalmente em 2008 e relançado em 2009. Cabe lembrar que os quatro documentários surgem, coincidência ou não, num contexto histórico em que há um intenso debate (e polêmica) sobre a implementação de políticas afirmativas no Brasil21, sobretudo leis que visam ao ensino obrigatório da história e das culturas africanas nas escolas brasileiras.
Atabaque Nzinga: mise-em-scène da errância da memória diaspórica
Ao mesmo tempo em que os cineastas abordam a problemática diaspórica como uma realidade sócio-cultural sui-generis no contexto brasileiro, procuram também inventar estratégias de representação do passado e do presente das populações afro-descendentes de tal forma que o imaginário e a história de suas lutas pela afirmação na sociedade brasileira se misturam no discurso fílmico. São filmes também que compartilham algumas imagens que acabam se tornando figuras recorrentes na “iconografia” diaspórica. Imagens do oceano, dos porões dos navios negreiros, das rotas marítimas e dos arquivos coloniais são recorrentes na estrutura narrativa dos quatro documentários. Elas servem para construir metonimicamente a figura do retorno imaginário ou real à África22. Outras imagens (geralmente de arquivo), como as de tribos, aldeias costumes africanas, constroem figuras e alusão à terra de origem. A África e suas diásporas compartilham os mesmos mitos e as mesmas personagens. A rainha Nzinga é uma delas. O recurso à figura mítica da rainha Nzinga (ou Ginga) no documentário Atabaque Nzinga o é simbólico: permite situar o filme no conjunto das narrativas de resistências construídas em torno de algumas figuras ilustres. Estas personagens ganham uma segunda vida graças ao trabalho de memória, mas também graças àquilo que Marc Ferro chama de valor “terapêutico da história”. Atabaque Nzinga segue a tradição de alguns filmes brasileiros que insistem sobre o laço ontológico que existe entre algumas práticas culturais e espirituais diaspóricas e suas matrizes africanas. O filme constrói a figura do retorno através de imagens de vaivém entre a África e o Brasil. Planos do oceano e de navios negreiros aparecem por intermitência na narrativa do filme. No início do filme ouvimos o som de um clarinete; é de noite, entre os becos de uma cidade histórica a sombra de um clarinetista, Paulo Moura, o precede no quadro; ele avança tocando. Depois dos créditos, o filme se abre novamente com cenas de vida cotidiana numa tribo africana. Passamos sem transição do contexto brasileiro para um espaço cultural africano: vêem homens vestidos com trajes tradicionais, andam enfileirados e cantando ao longo de um caminho. Parece a tribo himba (ou herero) que vive no sul de Angola.
Em seguida vemos outras sequências com mulheres sentadas no chão e formando um circulo. Outro plano de conjunto mostra um grupo de crianças brincando. Nova transição para o contexto brasileiro: plano de uma jovem moça vestida de branco, deitada e dormindo. Segue-se um plano de mar aberto, numa sobreposição de imagens, misturam-se planos com imagens do mar, dos pés pintados e dos corpos pintados de homens deitados no porão de um navio negreiro e imagens de um forte. Nana Vasconcelos aparece neste segmento tocando tambores. A partir dali, o filme começa a alternar fragmentos e imagens do passado e do presente. Com a montagem e mistura desses fragmentos é como se o filme procurasse elaborar uma mise-en-scène da memória diaspórica a partir da errância da personagem entre dois imaginários: a África e o Brasil. Isso se completa pelo primeiro comentário-off do filme: “a África nos gerou. O Brasil nos mal-criou. Mas a gente tem que entender que a senzala acabou!”. Esta frase é proferida por uma mulher fora do quadro que aparece depois sentada debaixo de uma árvore conversando com a moça que vemos deitada no início do filme. Ambas estão vestidas de branco. Mais frases: “A gente tem muito que fazer para viver num país solidário e mestiço”, “A memória do navio, o enjôo e o arrepio não passarão” diz Ana, a jovem moça. Por outro lado, a opção docu-ficção (ou docu-drama) permite também ao diretor uma maior indagação do imaginário diaspórico a partir da crise existencial que fervilha em Ana (simbólica dos jogos de búzios, por exemplo). O espectador acompanha esta personagem, sujeito cindido, no questionamento da sua própria identidade híbrida, mestiça cujos fragmentos estão nos dois lados do Atlântico Negro. Ana olha pela janela e depois para sua imagem no espelho, e diz-se a sim mesma: “não sei quem sou, nem quem serei. Mas serei!”. Mas tarde a vemos errando no mato, abraçando uma árvore centenária e dizendo: “impressionante como se pode pertencer a uma árvore que se desconhece. Sou um fruto do galho que atravessou o oceano. Filho do ramo que sangrou, mas não se perdeu” diz Ana.
Com esta frase, Ana, como o todo o filme, tenta traduzir parte das contradições inerentes à experiência diaspórica. Ana percorre sucessivamente cidades (Salvador, Recife, Rio de Janeiro, etc.), mas também atravessa imaginativamente os campos da memória, da religião, da música, seguindo os rumores dos tambores que “a chama” até encontrar nela mesma esse elo inquebrantável entre culturas dos afro-descendentes e a origem africana. Estes ritmos e esta espiritualidade funcionam também como materiais e resquícios de memória em vista da construção e reinvenção de uma nova cultura mestiça. A montagem também desempenha uma função primordial no filme na medida em que serve para embaralhar todas as memórias convocadas e misturar os regimes de representação ficcional e documental, historiográfico e imaginário.
Ôrí: entre história e memória da luta do Movimento Negro no Brasil
Em muitos filmes sobre a realidade das populações afrodescendentes transparece, em filigrana na narrativa, algo que podemos denominar de dialética da condição diaspórica: sentir-se ligado a uma entidade nacional pelo sentimento de pertencimento cultural e política, mas também cultuar um imaginário de nação negra cujas origens remontam à África (mesmo esta África sendo mais sonhada do que real). Enquanto alguns filmes brasileiros preferem indagar a problemática diaspórica nos interstícios dessa ambivalência de sentimento de pertencimento identitário, outros a aborda diretamente no campo político, isto é, a partir dos modos de organização política das populações negras no interior da nação brasileira.
Dos quatro filmes aqui discutidos, Ôrí é o único que aborda frontalmente a problemática diaspórica sob seus aspectos políticos, embora se interesse também pelos aspectos culturais, espirituais e artísticas. Ao longo da narrativização histórica das lutas do Movimento Negro Brasileiro, o filme faz também referências ao contexto internacional, revelando assim as interligações entre a questão da luta pela afirmação política dos negros do Brasil com os negros do resto do mundo e, sobretudo, da África e dos USA. Desde os primeiros planos, Orí afirma sua intenção de construir uma narrativa em forma de interpretação histórica. Mas antes de recorrer aos modos tradicionais da encenação da história pelo cinema, o filme passa primeiro pela fabulação quase poética da memória e do imaginário transatlânticos comuns a África, a Europa e às Américas. Nesta introdução pelo imaginário, o filme enfatiza a dimensão transatlântica da experiência diaspórica. “Sou atlântica” diz a narradora em voz-off. O filme se abre com planos em plongée do mar aberto; o texto em off é quase poético. A recorrência das imagens do mar, como no caso de Nzinga, funciona aqui também como uma forma de situar a realidade diaspórica numa espécie de no man´s land, um quase não-lugar donde tudo teria começado e onde o imaginário das populações negras deportadas teria começado a se forjar e se desenvolver depois no novo mundo. A exploração do entre-lugares que é o oceano conduz à África: a figura do retorno está aqui expressa no plano mostrando a Ilha de Gorée (Senegal) e suas fortificações, ponto de partida dos navios negreiros (um lugar de memória, por excelência!). Nesta discussão da identidade transatlântica, a preocupação histórica começa paulatinamente a substituir a figuração poética do imaginário. Imagens de mapas e rotas marítimas, de cartas e diários invadem a tela. Esses dados de arquivos se misturam com imagens do mar. A voz-of do narrador se torna mais indagadora ao perguntar: “o que é a civilização africana e americana?”. A própria narradora responde de forma taxativa: “É um grande transatlântico. Ela é a civilização Atlântica, ela é transaltântica. Sou Atlântica!”. Como podemos perceber nas suas primeiras sequências, o filme Orí também começa por um questionamento identitário. Mas, ao longo do documentário, outros dados são reunidos para afirmar o caráter híbrido e transatlântico e transcultural dessa identidade diaspórica nascida do encontro de três mundos (África, América e Europa).
O filme adota sucessivamente um tom declamatório, poético, informativo para referir-se à experiência diaspórica. O discurso do filme se torna paulatinamente polifônico: algumas afirmações da narradora em off são completadas por comentários de outros personagens. Além das imagens de África, trechos de outros filmes na estrutura discursiva do documentário complexifica ainda mais a sua dimensão intertextual. Essa polifonia dá uma aparência de “filme de montagem”23 a Orí. Pela montagem também o filme ostenta seu parti-pris favorável à luta de afirmação do movimento negro. A metade do documentário é consagrada debates, discussões e polêmicas entre militantes do movimento negro (vários trechos da Quinzena do negro na universidade de São Paulo-1977). A partir de lá, Orí assume o compromisso da reconstituição histórica daquilo que podemos chamar da arqueologia do discurso da negritude no Brasil e no mundo. No segundo segmento, a narrativa do filme deixa uma grande margem para a discussão política sobre a questão racial no Brasil e as posições políticas e ideológicas que acompanham tal debate. A figura e o valor do quilombo (que vinham sendo analisados) permeiam toda a narrativa e passa a ocupar uma centralidade neste ponto da narrativa. Num documento videográfico de arquivo, vê-se a Beatriz Nascimento24 que anima uma conferência sobre a importância simbólica e econômica dos quilombos. A narradora, por sua vez, insiste na necessidade de compreender a história da África como condição para uma melhor compreensão do valor do quilombo, um dos mais emblemáticos fenômenos diaspóricos. Ao seu modo, o filme da cineasta Raquel Gerber (que é ela mesma uma socióloga de formação) participa ativamente dessa experiência diaspórica no plano político, misturando registro cinematográfico e releitura do debate no Brasil em torno da questão racial.
Família Alcântara: entre o registro da memória íntima e familiar e a re-encenação da cultura popular diaspórica. Enquanto alguns filmes brasileiros questionam a memória da escravidão, dos navios negreiros e das relações ancestrais e imaginárias entre Brasil e África, outros filmes perseguem os traços da memória familiar e comunitária, privilegiando assim uma abordagem endógena e mais intimista do fenômeno diaspórico. Mesmo sem negar a existência da memória transatlântica e coletiva em partilha entre populações negras espalhadas aqui no Brasil e a Terra de origem (África), as cinebiografias de indivíduos ou famílias negras25 preferem destacar de forma tópica alguns aspectos do trabalho de recriação e de reinvenção cultural. É o caso do documentário Família Alcântara que traz no seu paratexto uma dedicatória expressiva: “dedicado às memórias da vida de Salvador de Souza Santiago, nosso pai”. É a memória deste patriarca que serve de pretexto para a narrativa. Mas, como lembrava Genette, uma dedicatória ostenta uma relação entre o autor da obra (aqui o cineasta) e alguma pessoa, grupo ou entidade. Mesmo declarando de início ao espectador que se trata da memória de Salvador de Souza, o filme acaba construindo uma narrativa que transborda a esfera familiar de Souza e desagua na memória de uma comunidade diaspórica e suas festas populares.
Nos primeiros planos do filmes vemos as cenas corriqueiras do cotidiano de uma família: uma mãe trançando os cabelos de uma criança. A trilha sonora é uma canção de ninar. Depois é exibido um álbum de família, vêm em seguida os primeiros depoimentos e testemunhos que evocam a família Alcântara e a figura do bisavô. Outros planos com imagem do oceano, mapas e navios tomam o lugar dessas primeiras imagens familiares. Os créditos apresentam brevemente a família: “A família Alcântara forma um grupo de aproximadamente 70 pessoas. Suas origens remetem-se a África, na região da bacia do congo, e seguem preservando sua história, mantida por séculos de tradição oral”. Esta apresentação é completada por planos gerais e panorâmicas de contextualização (Minas Gerais). Em seguinte é o padre católico africano, Justin Munduala (originário da República Democrática do Congo) que fala de suas impressões ao conhecer a família Alcântara quando chegou na região. Suas impressões representam, de certo modo, o olhar africano (visão reflexiva) sobre a experiência diaspórica no Brasil. O filme alinha os depoimentos dos filhos da família Alcântara. Intercalando imagens de espetáculos de coral, de cantos e de teatro encenados pelos membros da família. O filme, ao retratar a família Alcântara como guardiã de uma tradição artística que se perpetua de geração a geração (graças a um trabalho de hibridização também), representa este reduto familiar também como um quilombo, isto é, um lugar de refúgio e de preservação de uma parte das memórias coletivas orais das populações negras naquela região de Minas Gerais.
Negros: presença fantasmática do negro na memória visual e nas imagens de arquivo da maior cidade negra do Brasil.
Como Família Alcântara, o documentário Negros se interessa também por uma experiência diaspórica bem circunscrita. A partir de imagens urbanas de arquivo o documentário reconstitui a memória visual da cidade de Salvador como num quebra-cabeça. Sendo assim cada fotograma de arquivo ocupa um lugar singular na estrutura geral do filme e traz sua parcela de verdade e autenticidade sobre o passado, mas também sobre a realidade racial nesta cidade. O filme começa por fotogramas desgastos de outros filmes com conteúdo quase imperceptível. Essas primeiras imagens substituídas por outras em que se reconhecem lugares, bairros e praças da cidade. A princípio, aparecem velhas imagens “sem valor heurístico prévio”. Mas, progressivamente, elas vão ganhando uma força expressiva graças à retórica da montagem que faz delas dados icônicos de arquivo cuja “autenticidade permite um acesso direto ao passado”26. Todas essas imagens juntas restituem de forma nostálgica a memória da cidade, dispensando qualquer comentário de narração.
No entanto, esta ausência de voz-off não priva o filme de uma dimensão pragmática e discursiva: como em qualquer filme de arquivos, atua em Negros uma instância de enunciação que guia a compreensão do espectador. O filme Negros brinca inteligentemente com esses traços visuais e sonoros (dados radiofônicos também) e aborda sub-repticiamente a polêmica questão racial27 na maior cidade negra do Brasil e da América. Ao optar pelo regime de mostração28, finge querer apenas apontar para a presença negra maciça. Mas o espectador atento percebe logo que se perfila por trás desta aparente reconstituição histórica neutra uma denúncia velada dos resquícios da escravatura que reduziram os negros em fantasmas errantes na paisagem urbana de Salvador. Mesmo sendo majoritárias, as populações afro-descendentes continuam relegados num papel marginal na estrutura econômica da cidade (em alguns trechos das imagens de arquivo vemos brancos brincando de médicos com negros-cobaias). Apesar dessa marginalidade, o filme mostra que os negros continuam onipresentes em Salvador. Eles estão em cada beco, cada ruela, cada praça; às vezes eles posam e olham fixamente para a câmera, em outras sequências eles estão trabalhando no meio de uma multidão ou se divertindo em festas de rua. É como se o documentário quisesse restituir aos negros de Salvador a completude de sua visibilidade num exercício de resgate que, numa perspectiva histórica, começa por imagens oficiais e termina com imagens de vídeos caseiros provenientes dos próprios arquivos das famílias negras. É como se as memórias íntimas e familiares viessem suprir, compensar e completar a memória coletiva ou oficial para reconstituir a dimensão diaspórica da cidade.
A lógica do “pensamento rastro / resíduo” e a narrativa da memória nos filmes diaspóricos
Ao justapor as narrativas dos quatro filmes discutidos aqui, a pergunta que surge é: a partir de quais experiências, de quais materiais e de quais fragmentos e de qual imaginário e memória abordar a problemática diaspórica? Esses filmes reescrevem a memória ou a história da diáspora negra brasileira? Em outras palavras como separar a dimensão histórica do imaginário e da “poesia” que são constantemente convocados na narrativa?
Uma primeira resposta a estas perguntas nos leva a constatar que os filmes diaspóricos de nosso corpus mantêm entre si algumas diferenças, mas muitos traços em comum também. Enquanto Nzinga e Orí abordam a problemática diaspórica de forma transversal e “transatlântica”, os documentários Família Alcântara e Negros buscam discuti-la de forma local e tópica. Mas Orí e Negros, mais do que os outros, compartilham a preocupação historiográfica. Por causa do uso farto que fazem das imagens de arquivos, deixam-se ler inclusive como documentários que buscam uma interpretação histórica da problemática diaspórica. Mas esta distinção entre documentários diaspóricos preocupados com a história e aqueles preocupados com a memória é superficial. Pois todos os filmes que ambicionam “interpretar” o passado acabam misturando dados de memória (imaginário) e dados historiográficos. Razão pela qual o valor heurístico das imagens de arquivo vem sendo rediscutido na escrita cinematográfica do passado29. A própria narrativa cinematográfica permite aos cineastas esta mistura do representar, reinventar e interpretar os fatos. As experiências passadas ou presentes acabam sendo mais imaginadas e recriadas do que reproduzidas. Peter Burke, Paul Ricoeur ou Marc Ferro, por exemplo, ao falarem do cinema como “testemunha” e “agente”30 da história, procuram interrogar os modos como os filmes elaboram o tecido do tempo, documentam e reescrevem a história por um trabalho de “mise-en-scène e de montagem de testemunhos e imagens expressivas. Com esta operação discursiva, diz Peter Burke, um filme histórico se torna “uma interpretação da história, se for feito por um diretor profissional (…), ou por um historiador profissional (…)”31. Sendo assim, a reescrita cinematográfica da história passa a ser indagada nas suas configurações poéticas32, retóricas e hermenêuticas. É nesta relação dialética e interpretativa entre cinema, história e memória que podemos também questionar o “valor heurístico” das imagens dos filmes diaspóricos. Pelo trabalho de mise-en-scène e pela montagem, os documentários Nzinga, Orí, Negros e Família Alcântara realizam aquilo que Ricoeur chama de “constituição icônica da memória”33 (em nosso caso, a memória diaspórica). Mas, como vimos, antes mesmo de ser objeto de uma representação cinematográfica, esta mesma memória diaspórica já é diversamente revisitada pelas próprias populações afrodescendentes.
Conclusão
A problemática diaspórica no Brasil (e no resto da “Neo-América”) é um fenômeno histórico e sócio-cultural que toma forma nas práticas narrativas e artísticas, nos mitos e no imaginário das populações negras. Qualquer cineasta, ao se apropriar desses dados, pode representar alguns aspectos desta problemática diaspórica mediante estratégias narrativas que podem ser mais ou menos “historiográficas”, imaginativas ou poéticas. Ao recorrerem simultaneamente a dados e traços da história e da memória diaspóricas, os quatro documentários brasileiros aqui comentados constroem suas narrativas de acordo com a lógica que Glissant chama de “pensamento do rastro / resíduo”34, pensamento que sustenta o processo de crioulização cultural no Atlântico negro. As imagens do oceano e de dados marítimos, recorrentes nos quatro documentários, formam metáforas visuais ao referirem metonímica e simbolicamente à travessia transatlântica como “lugar de memória”35, e ao tráfico negreiro como fato histórico que instituiu as experiências diaspóricas. Por fim, a lógica do “pensamento do rastro” que opera na narrativa nesses documentários mostra que é ilusório querer separar nível de fabulação e nível de reconstituição histórica na representação cinematográfica das realidades diaspóricas.
Mahomed Bamba, « Os modos de figuração da memória e das experiências diaspóricas em quatro documentários brasileiros », Nuevo Mundo Mundos Nuevos [Online], Imagens, memórias e sons, posto online no dia 30 Janeiro 2012, consultado o 12 Maio 2013. URL : http://nuevomundo.revues.org/62679 ; DOI : 10.4000/nuevomundo.62679
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- 1. Le Goff, Jacques, Histoire et mémoire. 2ªed., Paris: Gallimard, 1988, p.111, ISBN: 2070324044
- 2. Ibid, p.111,
- 3. A memória diaspórica tem sua materialidade semiótica inscrita também na iconografia e na história escrita da escravidão e da colonização.
- 4. Chivallon, Christine; Berthomière, William. Les diasporas dans le monde contemporain. 1ªed., Paris: Karthala, 2006, p.16, ISBN: 9782845868144
- 5. Gilroy, Paul, Entre Campos: nações, culturas e o fascínio da raça (trad. Célia M.M. de Azevedo et. al.) 1ªed., São Paulo: Annablume, 2007, p.151, ISBN: 9788574197364
- 6. Pascal Blanchard; Veyrat-Masson, Isabelle. Les guerres de memoires: la France et son histoire. 2ªed., Paris: La Découverte, 2010, ISBN: 9782707160119
- 7. Todorov, Tzvetan, Les abus de la mémoire. 1ªed., Paris: arléa, 2004, p.13, ISBN: 2869594054
- 8. Ricoeur, Paul, A memória, a história, o esquecimento (trad. Alain François et ali.), 1ªed. SP:Editora da UNICAMP, 2007, ISBN: 9788526807778
- 9. Todorov, 2004, p.15
- 10. GLISSANT, Edouard. Introdução a uma poética da diversidade. (trad. Enilce Albergaria Rocha) 1ªed., Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005, p.19, ISBN: 8576261286
- 11. Stuart Hall, Da diáspora: identidade e mediações culturais (trad. e org. Adelaine La Gaurdiar e Liv Sovik), 1ªed., Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003, p.40-41, ISBN: 8570413564
- 12. Ibid, p.40-41
- 13. Eyene, Christine, “Nouvelle topographie d´un Atlantique noir” (entrevista com Paul Gilroy), In Africultures, Nº72, 2007, p.82-87, ISBN: 9782296045132
- 14. Eyene, Christine, “Nouvelle topographie d´un Atlantique noir” (entrevista com Paul Gilroy), In Africultures, Nº72, 2007, p.82-87, ISBN: 9782296045132
- 15. Festivais e Mostras dedicados ao “cinema negro e diaspórico” no Brasil e nos USA são ilustrativos das ambigüidades do uso destas categorias: enquanto poucos cineastas se reconhecem no cinema dito diaspórico (preferindo falar de “cinema negro” ou “cinema” tout court), os idealizadores e mediadores culturais não hesitam em rotular seus eventos cinematográficos como “mostras de cinema da diáspora”.
- 16. Cf Diawara, M. (org.). Black American cinema. 1ªed., New York: Routledge, 1993, ISBN: 0415903971
- 17. Joel Zito e Jeferson De são as duas figuras proeminentes de um cinema negro no cinema brasileiro. Enquanto Joel Zito vem confirmando seu talento e nome como documentarista-intérprete da realidade brasileira, Jeferson De, além de seus filmes de curta e de longa-metragem voltados para os “temas negros”, vem militando abertamente pela afirmação de um cinema negro. Cf seu manifesto Dogma Feijoada e seu livro Dogma feijoada: o cinema negro brasileiro, 1ª.ed., São Paulo: Ed. Imprensa Oficial, 2005
- 18. Carlos Diegues é o cineasta brasileiro que, mesmo sem ser negro, realizou mais filmes de ficção com a temática diaspórica.
- 19. Carlos Diegues é o cineasta brasileiro que, mesmo sem ser negro, realizou mais filmes de ficção com a temática diaspórica.
- 20. Lugares onde, durante a escravidão, os escravos fugidos se refugiavam para recomeçar uma nova vida longe das senzalas. Hoje o termo serve para designar as aldeias, povoações remanescentes dos antigos quilombos cujos descendentes são chamados de quilombolas.
- 21. O lançamento da edição especial de um DVD do documentário Família Alcântara, por exemplo, foi programado para que coincidisse com a data comemorativa do dia da Consciência Negra em 2006.
- 22. Atlântico Negro: Na Rota dos Orixás (de Renato Barbieri, 1998) pode ser considerado até hoje como o melhor documentário já feito no cinema brasileiro sobre a figura do retorno: o filme retraça a rota do candomblé entre o Bahia, Minas Gerais, Maranhão e o Benin (o país do vodu e origem remota do candomblé). É um documentário que cria uma encruzilhada entre as memórias religiosas africanas e diaspóricas.
- 23. Historiadores, como Matthias Steinle, preferem distinguir o “filme-arquivo” do “filme de montagem”. Steinle dedicou um interessante artigo ao estudo do trabalho de Esther Choub, cineasta soviética da vanguarda considerada até hoje como a “inventora do filme de montagem”. Cf “Esther Chouab et l´avènement du film-archive”, Théorème, 2011, nº 14, p.13-19.
- 24. Maria Beatriz Nascimento foi uma historiadora, poeta e ativista negra. Ela publicou textos e artigos sobre os quilombos do Brasil. A vida e a obra de Beatriz ganharam uma segunda atualidade graças ao livro de Alex Ratts: Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de visa de Beatriz Nascimento. 1ªed., São Paulo: Editora Imprensa Oficial do Estado de SP e Instituto Kuanza, 2009, ISBN: 2753507635
- 25. Muitos filmes de curta-metragem brasileiros vêm se interessando cada vez mais pelas experiências culturais dos quilombolas. Nesses filmes predomina um misto de preocupações histórico-etnográficas de registrar testemunhos, canções, histórias de vida e práticas culturais nos quilombos espalhados pelo Brasil. O programa DocTV do ministério tem contribuído muito à generalização dessas experiências cinematográficas de registro da tradição e da memória orais das populações quilombolas. Cf também as séries “África é aqui” e “Um olhar sobre os Quilombos do Brasil” no portal de SESCTV-CurtaDoc: http://www.curtadoc.tv/curta/index.php?id=832
- 26. Matthias Steinle, “Esther Chouab et l´avènement du film-archive”. In Théorème, 2011, nº 14, p.13
- 27. Cabe lembrar aqui que o cineasta Joel Zito já havia realizado um documentário de montagem, A negação do Brasil (2000), em que revisa os preconceitos e os tabus que acompanham a trajetória do personagem negro nas telenovelas brasileiras. O filme se valeu do rico acervo de arquivos das novelas da própria emissora da Globo, arquivos que compõem boa parte da memória audiovisual do Brasil.
- 28. Alguns narratólogos do cinema, como Roger Odin e Gaudreault, opõem a mostração ao nível propriamente narrativo (a narração) na representação cinematográfica.
- 29. Matthias Steinle, Théorème 14, 2011, p.13
- 30. Ferro, Marc. Cinema e História (trad. Flávia Nascimento),1ªed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p.13, ISBN: 8521904932
- 31. Burke, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. (trad. Vera M. Xavier dos Santos), 2ªed., Bauru, SP: EDUSC, 2004, p.201, ISBN: 8574601926
- 32. Ricoeur, Paul. “A representação historiadora e os prestígios da imagem” in A memória, a história, o esquecimento. p.274-275
- 33. Ricoeur, Paul. “A representação historiadora e os prestígios da imagem” in A memória, a história, o esquecimento. p.274-275
- 34. Glissant , 2005, p.20
- 35. A modo de comparação, todos os anos os turistas negros americanos retornam à Ilha de Gorée (Senegal) e acabaram transformando essa ilha num lugar de memória e de peregrinação.