Ancestralidade, da exposição Contar Áfricas
As máscaras Cihongo, representam um espírito ancestral masculino, que providencia riqueza, prosperidade e saúde às comunidades, quando devidamente evocado e cultuado nos rituais iniciáticos dos filhos de chefes Tshokwe, para legitimar e confirmar a natureza e origem divina do seu poder.
Estão também presentes em cerimoniais públicos que incluem complexas coreografias que propiciam às comunidades coesão social, sentimento de pertença e garantia de perenidade, pela repetição de narrativas míticas onde se evocam e recriam sem cessar os feitos grandiosos dos seus ancestrais divinizados. A ancestralidade é assim o alicerce que sustenta todo o edifício social, político e religioso das sociedades tradicionais africanas.
A barba em forma de disco por baixo do queixo, a boca larga entreaberta que revela os dentes esculpidos, os olhos semicerrados inseridos em grandes órbitas circulares e sobretudo a natureza simbólica dos signos e pictogramas presentes, constituem elementos de uma narrativa assente na tradição oral, com que todos os membros da comunidade se identificam e reconhecem.
As Coleções Etnográficas do Museu Nacional de Arqueologia refletem na sua origem, constituição e organização, a própria história deste Museu, que no seu conceito fundacional se designou Museu Etnográfico Português.
Muitas vezes referido por José Leite de Vasconcelos como “Museu do Homem Português”, um dos seus eixos estruturantes assentava na existência de Coleções Com- parativas com as recolhidas em Portugal continental, como as de Arqueologia de outros países e de Etnografia africana, nomeadamente as oriundas das antigas colónias portuguesas em África. O res- surgimento do interesse institucional por este acervo reflete-se na realização em 2013 de uma exposição em parceria com o extinto Instituto Investigação Científica e Tropical, denominada “África Reencontrada – o ritual e o sagrado em duas coleções públicas portuguesas”.
A excecional qualidade de algumas das suas peças está patente na sua presença em grandes exposições internacionais, como “África. Land of Spirits”, no MUDEC - Museo delle Culture, em Itália, por ocasião da Exposição Universal de Milão
de 2015.
APRESENTAÇÃO CATÁLOGO
Contar Áfricas! é uma exposição-ensaio, um exercício científico-museológico em que importa a diversidade de África e não a “visão” que de África tiveram os portugueses.
As peças de Contar Áfricas!, foram escolhidas, uma a uma, por investigadores da antropologia, artes, geografia, história e literatura que, ao longo das suas investigações, têm estudado África e temas que com ela se relacionam, ou têm realizado propostas metodológicas, pedagógicas ou de intervenção cívica que se cruzam com o tema da exposição.
O conjunto das peças e da palavra definitória de cada uma delas, destacada pelo seu curador, foram agrupadas em três núcleos, Espaços e Poderes, Conquista e Exploração, Símbolos e Cores. Estas orientações de leitura visual e de conteúdos, geradoras de muitas mais palavras explicativas, entrecruzam-se no espaço expositivo, permitindo a cada visitante construir ou corrigir, para vir a contar África.
A multiplicidade dos curadores, peças e palavras, construíram o objectivo da exposição: uma chamada de atenção sobre a diversidade de África, nos seus poderes, organizações sociais, culturas e valores, mostrando algumas das diferenças e originalidades que se registam em tão vasto território.