Angola: dicas para o sucesso da 1 milhão de casas
Em Luanda vive um terço da população de Angola. Esta forte pressão demográfica, em parte devida ao êxodo rural, antes pelo conflito armado e hoje pelas oportunidades que a cidade oferece, resulta num acelerado e desordenado processo de urbanização.
O desafio lançado pelo Presidente da República em 2008, de se construir um milhão de fogos em 4 anos no dia internacional do Habitat, sob o lema Cidades Harmoniosas, poderá constituir uma viragem de página, quer na redução dos preços exorbitantes das habitações, permitindo o surgimento de uma indústria de materiais de construção, quer no reforço institucional na interacção das administrações municipais, imobiliárias e ordens profissionais.
Para o sucesso da empreitada do milhão de fogos, este processo deverá estar assente naquilo a que se chama planeamento sustentável, isto é, atendendo ao trinómio Ambiente – Sócio/Cultural – Economia, nas diferentes escalas de intervenção, desde a macro escala à micro escala, observando os princípios plasmados na Lei do Ordenamento do Território e do Urbanismo (L.O.T.U).
De entre as várias escalas de intervenção á designar:
_ Planeamento Urbano e Planos Directores
_ Loteamentos e Urbanismo adaptado ao nosso contexto sócio/cultural
_ Tipologias Habitacionais de Baixo Custo
_ Tecnologias de construção de Baixo Custo
Planeamento Urbano e Planos Directores
Foi criada a L.O.T.U. no intuito de uma forma ordenada e integrada estruturar-se o crescimento das nossas cidades de forma global (do todo para as partes).
Um dos grandes desafios para esta empreitada de um milhão de fogos, passa pela localização e definição das reservas fundiárias, observando três itens importantes:
1. Dada a existência de alguns planos de urbanização para estas zonas, sem a existência de um plano director; deverão ser compatibilizados e redefinidos estes planos de urbanização em função do plano director em vigor, obedecendo à ordem hierárquica atendendo ao artigo nº 22 da L.O.T.U. (coordenação e compatibilização)
2. Na localização e definição dos planos de urbanização nas reservas fundiárias, deverá dar-se particular importância ao princípio da equidade urbana referenciado no artigo nº 16 da L.O.T.U., evitando assimetrias urbanas na criação de guetos e cidades dormitório e assegurando a equidade ao acesso as infra-estruturas e serviços
3. A mobilidade urbana joga um papel fundamental na circulação de pessoas, bens e serviços.
A sua concepção de forma global e integrada a médio e longo prazo é imperativa (transportes rodoviários, ferroviários e pluviais) criando eixos de economia e desenvolvimento.
Loteamentos e urbanismo adaptado ao nosso contexto sócio/cultural
Tendo em conta o contexto sócio/cultural e económico das populações de baixa renda, as operações de loteamento deverão obedecer a critérios de economia; isto é, no dimensionamento dos lotes, na definição dos quarteirões, na concepção evolutiva das infra-estruturas racionalizando-as e optimizando-as para o maior número de famílias, dentro do equilíbrio de densidades aceitáveis. Deverá dar-se particular importância à herança tradicional dos aglomerados rurais típicos.
Para que, de um ponto de vista crítico, se identifiquem os modelos e sistemas espaciais característicos da nossa realidade sócio-cultural onde se verifica um complexo sistema hierárquico de centralidades (o chefe da família, o avô ou ancião, a autoridade comunal, o soba), a forte presença da natureza ou áreas verdes.
É possível compatibilizar o modelo “Cardus Decomanus” da herança grega usada no urbanismo convencional usado dois eixos formando uma malha ortogonal, com o sistema vernacular antropocêntrico dos aglomerados típicos.
Soluções anti-económicas e monótonas de urbanismo criam e estereotipam a zona como “Bairro Social” ou gueto. Ao abrigo do artigo nº 21 da L.O.T.U., deve-se fomentar a participação das comunidades locais na definição dos planos de urbanização.
Tipologias Habitacionais de baixo custo
Ainda na senda da sustentabilidade, ambiental – sócio-cultural e económica, o tema da habitação adquire outro ênfase, pois trata-se do “Habitat”, não se cingindo apenas à moradia em si, como também num conjunto de estruturas físicas elementares à vida condigna do homem:
- Infra-estruturas mínimas evolutivas e serviços
- Espaços públicos e áreas verdes
- E a concepção da vivenda evolutiva beneficiando de boa ventilação e isolamento térmico, adaptadas ao nosso contexto sócio-cultural como a preferência de lugares abertos e à sombra (alpendres, vulgo marquises, varandas, pátios e galerias), sendo a cozinha generosa normalmente adjacente a estas zonas referidas.
Aplicação do Regulamento das Edificações Urbanas (R.G.E.U.) deverá ser seguida pelas autoridades municipais. A tipologia em altura (máximo 4 pisos prescindindo do elevador) resulta uma solução mais económica que a tipologia térrea com quintal devido a racionalização e optimização das infra-estruturas técnicas, mas não é a ideal. Mas é possível conciliar o que se perdeu (quintal) na habitação térrea na criação de varandas generosas, nos blocos em altura.
A habitação de custos controlados deverá ter uma boa arquitectura, desmistificando a ideia estereotipada da “casinha do povo”. A intervenção do arquitecto é imprescindível e as soluções deveriam ser alvo de concursos públicos apurando-se as melhores propostas.
Tecnologias de construção de baixo custo
Paralelamente a toda a dinâmica de planos e projectos, a investigação sobre a disponibilidade de matéria-prima local para os materiais de construção evita o recurso à importação.
A técnica do adobe é económica para casos singulares. Para a construção em massa é necessária a sua industrialização, usando a mesma matéria-prima que é o barro com uma ligeira dose de cimento, produzindo os blocos de terra compactados B.T.C.
Blocos que, bem produzidos, prescindem de acabamento final como reboco e pintura, e têm bom comportamento térmico. No processo de fabricação pode adicionar-se corantes tendo pelo menos três tonalidades de cores, evitando assim a monotonia.
Outra tecnologia para construção rápida e em série é o uso de painéis pré-fabricados in situ que pode ser adoptada para a autoconstrução dirigida. São painéis à base de uma mistura de resíduos de esferovite e cimento, que lhe conferem leveza e isolamento térmico.
Conclusões
É imperativo o seguimento dos instrumentos legais e reguladores que norteiam a actividade de planear projectar (L.O.T.U., R.G.E.U.) É necessária uma maior abertura por parte das instituições (Ministério do Urbanismo, Governos Provinciais e Administrações Locais) para uma maior intervenção dos arquitectos e urbanistas, promovendo concursos de soluções, criando plataformas de interacção com os técnicos, permitindo a aferição da qualidade técnica na autoconstrução dirigida.
A criação de grupos multidisciplinares em interacção com as comunidades locais, supervisionados pelas administrações municipais resulta uma estratégia pertinente para atingir este desiderato.