Música, Cidade, Etnicidade: Explorações a Partir de Cenas Musicais em Lisboa
Os processos de internacionalização da cultura no espaço das metrópoles são cada vez mais visíveis. Os valores transmitidos (e refletidos) por esses processos (abertura e diversidade culturais, hibridismo, transculturação,…) tornam-se cada vez mais legíveis. A World music, por exemplo, desde há cerca de vinte anos representa a circulação quase permanente de pessoas e de sons, num mundo híper-conectado, aberto e sem fronteiras: um mundo que corresponde aliás ao nosso mundo globalizado, ou pelo menos à “imaginação diaspórica” (Dunn, 2002) que lhe é associada. Num mundo de migrantes, a memória e o sentimento do lugar seriam actualizados por uma música global des-territorializada que, partindo de um lugar específico, acaba por “falar de todos” à medida em que ela alcança a esfera da cultura global. Assim, pode-se dizer que, se a migração é o ícone da era global, a World music seria a sua trilha sonora. A World music não pretende ser a detentora exclusiva da representação musical do mundo globalizado, mesmo quando ela tende a ser naturalizada como a sua “versão oficial”. Existem, em qualquer metrópole, cenas musicais pouco promovidas que, apesar de fazer uso de sonoridades globalizadas re-apropriadas, não deixam de comunicar sentimentos de pertença local fortes1. Este artigo procura mostrar o modo como os processos e valores relativos à internacionalização da cultura que, mais geralmente, se enquadram no contexto da “nova economia política e sua cultura” (Sennett, s.d.), podem ser explorados a partir de algumas manifestações musicais na cidade de Lisboa.
Ocupar o espaço: o grande afresco publicitário da Optimus
A Avenida da Índia, ao nível da estação de comboio de Alcântara-Mar: zona portuária abandonada, zona de passagem, “ex-não-lugar”. Um parêntese, um intervalo onde nunca se pára, onde é só passar – de carro ou de elétrico, de autocarro, táxi ou comboio. Uma zona de passagem que se tornou espaço publicitário por fatalidade, porque justamente é só passagem, ligação, intervalo. A publicidade resiste ao lugar para fazer esquecer o próprio lugar, estimulando o olhar distraído do automobilista parado no sinal vermelho, para fazer esquecer a perfeita falta de interesse do próprio lugar e fazer pensar outra coisa. Tal como a publicidade na televisão no meio de um filme: publicidade como utopia de um outro lugar. Metáfora de uma outra viagem, por enquanto o próprio automobilista já está em trânsito entre dois episódios do “filme da cidade” de Lisboa: o episódio Cais do Sodré/Alcântara (se ele vier do centro), o episódio Alcântara/Cais do Sodré (se ele for para o centro).
A publicidade – a “propaganda” –, já tinha começado com os grandes afrescos da Revolução dos cravos. O realismo socialista ocupava o espaço dos não-lugares para fazer sonhar aos amanhãs radiosos. Uma deslocação estética com um programa forte e uma legitimidade incontestável. Os anos 1980 viram esses afrescos transformados, vandalizados ou simplesmente esquecidos. Abandonados ao seu destino a tal ponto que hoje desapareceram quase completamente da paisagem (salvo em alguns lugares pouco conhecidos, fora do centro – lugares esquecidos do desenvolvimento urbano). Transferência lenta, progressiva, ao longo de duas décadas, 1990-2000, do programa político forte para a criação identitária orgânica, endógena dos tags, dos graffitis das culturas hip-hop urbanas: marcação do território. Dos territórios que justamente já não o eram: no man’s land, não-lugares. Lugares de passagem que se tornaram outra coisa, sugerindo uma apropriação do tipo “X esteve aqui”…
“A juventude em busca de territórios identitários”, como referem os media… Territórios identitários, mais do que identidades territoriais, ou seja identidades multi-territoriais espalhadas pelos micro-territórios – caminhos iniciáticos da cidade. Talvez essa juventude marcasse o fracasso das grandes políticas nacionais, ou cinicamente o seu sucesso definitivo. Após a orgia identitária dos tags, qual outro destino, fatalidade, do que a transferência de competência – controle do poder – para as empresas privadas, auto-proclamadas agitadores culturais, copiando e reciclando o street art, afirmando, reivindicando até, a necessidade da razão mercantil como se fosse a continuação natural do slogan punk “Cash From Chaos”2: o amanhã radioso de um pós-“No Future”. Um caos controlado claro, de facto um não-caos.
Em paralelo, a fatalidade desses lugares de peso no meio da cidade – lugares industriais, zonas portuárias, zonas de passagem, não-lugares –, fatalidade de serem revitalizados, reabilitados, reinventados, como se fosse para consagrar a sua extinção definitiva enquanto lugares de origem, de memória – lugares do destino histórico das grandes lutas que já foram. E mais ainda: memória reinventada, reactualizada, mercantilizada. O Museu do Oriente, cujo edifício chamado Pedro Álvares Cabral, foi destinado durante a maior parte da sua longa existência à armazenagem de bacalhau, cujo persistente odor chegou a provocar alguma preocupação na fase inicial da obra. Arquitectura maciça do início dos anos 1940 – em pleno Estado Novo –, classificado Património Municipal e que regressou, paradoxalmente, ainda mais longe no tempo do passado, ao tempo da presença portuguesa na Ásia – colecção permanente do Museu. Da entrada do Museu, dando as costas ao rio, vemos o grande afresco mural na Avenida da Índia, nesse lugar que um dia com certeza existiu por si. O realismo pós-revolucionário tornou-se território identitário nas duas últimas décadas; agora é um grande afresco publicitário, espaço reinventado do ex-não-lugar para viajar algures em direcção ao mundo em rede das telecomunicações sem fio. Liberdade wi-fi, no mundo ideal dos híbridos homens-máquinas que tão facilmente fazem abstracção do lugar – de qualquer lugar que seja –, mergulhados no mundo do futuro, o tal mundo já acontecido hoje da “diáspora mental das redes”, como diria Baudrillard (Baudrillard, 1978).
Eis aqui o grande afresco da empresa Optimus, que por falta (excesso?) de imaginação, se contenta em copiar o street art que o precedeu, marcando aqui também um programa forte, político-tecnológico, baseado na ocupação permanente do lugar: à noite o afresco é iluminado; banalmente subliminal, não deixa de ser visível, sugerindo ou confirmando talvez assim a banalidade das necessidades de disponibilidade, interconectividade, flexibilidade permanentes do cidadão qualquer (Sennett, 2001). São empresas como esta que se propõem revolucionar o espaço urbano, não só através da tecnologia sem fio, mas também pela marcação artística, estética, o design publicitário em territórios que já não eram. Não-lugares que se encontram investidos de uma missão de passagem low-cost, viagem acelerada para outros lugares do futuro, para além dos amanhãs radiosos da propaganda socialista ou dos territórios identitários monadários, desesperados. Mais “simplesmente”, os territórios do futuro já acontecido hoje.
“Sorria, você está sendo filmado”: ironia do tipo “Big Brother is watching you”, com um “jeitinho” brasileiro – valor acrescido nacional, e que no fundo revela aquilo que Walter Benjamin observava na constante procura dos seus contemporâneos pela novidade: o gozo de consumir a sua própria alienação (Benjamin, 1935). A ocupação de espaço, já não pelas barricadas voltadas contra a ordem estabelecida, mas sim pela própria ordem estabelecida que se imagina organizadora de uma outra revolução cultural, por meio das tecnologias mais avançadas: eminentemente política, essa ocupação do espaço é também sinal da transferência do controle do poder do Estado para as empresas privadas. Privatização do controle enquanto garante da ilusão de segurança. Melhor seria esquecer os intervalos revolucionário e identitário que não podiam prevalecer, que não podiam continuar ocupando legitimamente o espaço público abandonado pelo Estado. O afresco marketing, street art style para tapar melhor, para garantir e assegurar contra o vandalismo dos tags; o afresco que protege tanto melhor que ele está copiando, imitando os tags. Identidade cameleão do próprio marketing-afresco que até tem o dom da ubiquidade e o cinísmo da trans-territorialidade – só que este cínismo já nem sequer se nota mais. Cópia, reciclagem: abordagem bottom-up por assim dizer, low-cost, que de facto não é nada mais do que uma transcrição, apropriação, para as necessidades da causa mercantil. A mercadorização do espaço público, pelos painéis publicitários de empresas privadas que se imaginam agitadores e animadores culturais, cumpre pelo menos três funções: garantir o controle em lugar do Estado quando o próprio Estado desistiu; animar, colorir as paredes inúteis, sem função própria na cidade, numa estratégia cínica de reciclagem do vandalismo e de ocupação permanente; e finalmente vender, fazer vender, claro, estimular o imaginário do consumidor, fazê-lo viajar virtualmente dos não-lugares para outros universos high-tech, em plena liberdade. “O mundo fica assim mais perto”…
Há um paradigma aqui: as grandes empresas – mais modernas, mais rentáveis –, que se imaginam agitadores culturais ocupando o espaço (público? privado?) e pretendem “criar cultura”, inventar estilos, estéticas de vida, etc. Dá-se uma transferência, uma migração do espaço público para o espaço publicitário privado, a migração da arte e da estética para o marketing, a mercadorização das estratégias identitárias na política identitária, para o mundo sem fronteiras de um futuro aberto.
A música entra aqui: para acompanhar a grande marcha rumo a esse futuro sem fio: é o festival “Optimus Alive!” A edição de Julho de 2009 “teve muito Metal”: Metallica, Slipknot, Machine Head, Lamb of God, Mastodon, Ramp, entre outros. Além de música, o Optimus Alive! apresentou ainda pólos de: “Arte” (fotografias de concertos em Portugal), e de “Ciência & Ambiente” (atribuição de bolsas de estudo nas áreas da biodiversidade, genética e evolução, acção ambiental, ambiente e reciclagem, em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras e o Instituto Gulbenkian de Ciência). Optimus: óptima agitação, intervenção cultural, científica, musical, e… mesmo “muito Metal”.
Outras Festas de Junho: o “Popular Soundclash” da Red Bull Music Academy
Outro exemplo, não de telecoms mas sim de energy drink (bebida energética), a Red Bull é o grande acompanhador das noites sem sono de qualquer grande cidade do mundo; é também acompanhador cultural, musical, através da Red Bull Music Academy. É outro grande exemplo deste paradigma.
A Red Bull Music Academy não pretende trazer os Metallica a Lisboa – isso já faz a Optimus. Pretende por outro lado consolidar, e até criar iniciativas musico-culturais locais, como já fez em várias partes do mundo, de Sidney à Cidade do Cabo, passando por São Paulo ou Londres. A Red Bull Music Academy em Lisboa é agitador cultural no meio das festas mais emblemáticas da cidade: as Festas Populares de Junho com seu ponto culminante, a Festa de Santo António no dia 12. O dia de Santo António assim reinventado em “Popular Soundclash” (é o nome Red Bull para o evento).
Dia 12 de Junho Lisboa entra na folia. Sardinha assada e música pimba em cada canto dos bairros populares. O Popular Soundclash tal como uma espécie de off da festa de Santo António: aqui os quiosques não são de sardinha assada, mas sim de turntables (gira-discos), e de soundsystems (mega-caixas de som). Além dos ex-não-lugares, reinventados em utopias e outras promessas de liberdade e telecomunicação sem fio, os lugares, já investidos do peso duma história até mítica. O Miradouro de Santa Catarina, popularmente conhecido como o “Adamastor”, é lugar do Popular Soundclash. “Adamastor” porque, além da vista muito bonita sobre o Tejo e a Ponte do 25 de Abril, tem a estátua homónima de Os Lusíadas. Simbologia do Adamastor, monstro-fronteira no caminho dos Descobrimentos – monstro aqui domesticado claro –, integrado no desenho da cidade, e que se tornou mestre incontestado do Miradouro. Talvez simbologia, sobretudo, da coragem do Outro do monstro, o não-monstro, humano, por enfrentar o incógnito dos Oceanos ou a ordem estabelecida da cidade: o Adamastor-miradouro, ponto de encontro famoso dos alternativos e outros maconheiros. Lugares de história e de memória reinventados em lugares de marginalidade organizada: o Adamastor é lugar, desde há uns cinco anos, do “Off-Santo António”; aquele “Santo António underground” que pretende ser o Popular Soundclash. A Red Bull Music Academy promovendo assim uma prática outra da cidade durante as Festas. Uma prática necessariamente legítima e cidadã (até tem espaço para crianças). Aqui, todo o mundo brinca, todo o mundo participa, todo o mundo tem direito a essa proposta diferente, aberta, tolerante. Nada de marchinhas ou de ranchos folclóricos aqui (eles estão desfilando oficialmente na Avenida da Liberdade); nada de Fado ou de Novo Fado, também não. O “lance” aqui é o soundsystem: a caixa de som gigante, idealmente construída à mão pelos protagonistas, elemento central da festa, pois é ela que vai “dar o som”, as boas vibrações do Reggae, Dancehall, Hip-Hop, Jungle, ou Drum ’n’ Bass – dependendo do DJ que está actuando. Aí, o Adamastor desloca-se para recriar o ambiente dos subúrbios de Kingston, Jamaica – nos anos 1960 além do mais –, pois de lá vem a referência, quase mítica também, ao modo de ouvir música e conviver, de fazer festa de rua. Importação de uma certa ideia do popular, além do popular das Festas Populares de Junho em Lisboa: um outro popular. O popular das culturas urbanas globalizadas (Reggae, Dancehall, etc.), o popular das músicas mais ou menos periféricas, o popular do sentido de lugar como lugar de festa: a rua, a praça, o miradouro, o bairro. Outras ocupações do espaço. Dos espaços periféricos para outros espaços mais centrais, investidos, talvez apesar deles, de uma missão cultural underground e oficializante porque, no entanto, não deixa de se reivindicar de utilidade social, cultural, cidadã, etc. Os organizadores do Popular Soundclash elogiando o espírito de tolerância na diversidade, o encontro de todas as raças – “Brancos, Pretos, Mulatos, Chineses, Verdes, Azuis, sei lá…”, na partilha do prazer de ouvir música e curtir; a oportunidade única para os DJ portugueses mostrarem ao mundo que aqui também “há coisas boas”: o Kuduro angolano made in Lisbon dos Buraka Som Sistema, o “Hip-Hop tuga” do Sam the Kid (com samples de Carlos do Carmo), a afirmação até, da capacidade da Luso-World music em ser remixada por grandes DJ internacionais (“Angola”, a música de Cesaria Évora, remixada pelo Carl Craig, de Detroit, Michigan).
Trata-se do espírito da cidade, do anonimato e dos encontros por coincidência, da fluidez. A música participando dessa magia urbana, acompanhando o ritmo das festas da cidade, assim como também resistindo às apostas festivas mais convencionais. Assim também, a maneira como as empresas privadas “criam” ou “recriam cultura”: uma cultura necessariamente global, mas no local – o local sendo a única garantia de legitimidade, de autenticidade. A multinacional Red Bull inventando-se promotor endógeno de uma cultura de rua, de bairro, a partir de músicas importadas, tanto mais autênticas quanto elas são periféricas, marginais. Demonstrando assim as boas intenções (cidadania, apropriação do espaço urbano pelo cidadão), e as boas práticas (participação de todos, tolerância, não-violência). Aqui, a Red Bull garante autenticidade local, afirmando presença no lugar – “Adamastor a bombar… Quero ouvir baruuulhooo!”. Da mesma maneira como a Optimus portuguesa traz para Portugal a cultura global do Metal, ou seja uma aposta resolutamente mainstream (o fan-club nacional dos Metallica chama-se “Portugallica”). Aposta que obviamente corresponde a uma procura de visibilidade maior, para mostrar como a Optimus fica ligada aos gostos do seu público, do seu mercado. “Ficar ligado, isso é que importa” (é o mínimo para uma empresa de telecomunicações…).
Os grandes rituais urbanos, assaltados pelas multinacionais que entenderam o potencial de agitação socio-cultural para vender mais. Um motivo que não tem nada a ver com o político das grandes lutas ou a desordem dos valores. A consolidação da relação com o cidadão-consumidor através da ocupação do espaço (espaço mediático, publicitário, espaço urbano, bairros, praças, etc.): o papel, a missão sócio-cultural, para além do produto propriamente dito. Fatia de mercado imaginada, necessariamente rentável na medida em que ela acompanha a venda. A noção de customer-care (serviço ao consumidor), que já ultrapassou a da qualidade de serviço, está ocupando cada vez mais visivelmente a esfera da “criação cultural”. Criação elitista por definição (pois ela vem de cima, das multinacionais), mas imagina-se popular, democrática. Telecoms ou energy drink, o paradigma é o mesmo: o acompanhamento. O mundo das artes e dos eventos culturais cada vez mais preocupado com a dimensão participativa, cidadã. Pretensão de envolver as populações locais na abordagem artística. Nas “artes participativas”, “performativas”, ou “cidadãs”, o simples morador torna-se o “herói do lugar”, sem saber nem porquê nem como: magia da representação… Além do produto, a própria vida do cidadão-consumidor: prevista, planeada, incluída no plano de desenvolvimento, o business plan.
Sinfonia marketing, o business plan integral vai bem mais além da simples relação compra-venda. A Badoit, água mineral francesa com gaz, dizia: “Il y a une vie après le repas” (“Há uma vida depois da refeição”). Significado: “Com Badoit, há”. Circularidade, auto-referencialidade, auto-evidência. O objectivo último é acompanhar o cliente para além do próprio consumo. Garantir que ele voltará de novo, e de novo ainda. “Come back”, dizem as vendedoras dos shopping malls em Dallas, Texas. “Volte sempre”… Acompanhamento terapêutico, convivência marketing, que marca o fim do cidadão-livre de escolher. Ele só quer deixar-se tentar, seduzir pela magia da mercadoria, magia dos objectos. Sedução dos objectos, mediados pelos vendedores-acompanhadores. Mediação última, da única relação que sobrevive a todas as outras porque é a mais cínica: a relação de consumo. O cidadão livre de tudo, porque ele é condenado, de facto, a errar, vaguear de shopping mall em shopping mall… Ocupação total, integral, do espaço. “E sempre com aquela musiquinha de ambiente, tão bonita, tão chata, não se consegue tirá-la da cabeça”. Papel, missão sócio-cultural das empresas, que já não se contentam em inventar o produto, mas sim em fornecer a vida que o acompanha. O lifestyle, estilo de vida, já não fornecido pelos lideres culturais ou políticos, mas sim pelas marcas. O branding (de brand, marca) como forma de vida. Ainda em França, a Renault Twingo nos anos 1990, estimulando o espírito criativo (?), responsabilizava o cidadão-consumidor consciente: “Nós fornecemos a Twingo, mas você é que inventa a vida que a acompanha” (“A vous d’inventer la vie qui va avec”). Algumas sugestões juntavam-se clés-en-main (chaves-na-mão), para os indecisos: cidade limpa, qualidade de vida melhor, consciência ambiental, etc. Todos os clichés do momento, traduzidos, re-injectados, reciclados, no sonho de uma vida melhor. “Interessante”: a última categoria de apreciação estética, que marca definitivamente o advento do “tudo é possível” – nas artes como na vida. Enfim, nas artes: artes, mercadoria, programa de televisão, propaganda, etc… “Tudo é possível”: agora, a Red Bull não só nos incita a imaginar a vida que convêm com o produto, como ela também está a produzi-la, a inventá-la culturalmente.
Etnicidade na cidade: outros carnavais e outros Outros (continuando o Mesmo)
Além das empresas que se reinventam a partir das práticas de promoção cultural, a própria cidade também se reinventa, a partir da promoção do Outro, da inclusão do Outro: é a ideia de “imaginação do centro” (La Barre, 2007), uma tentativa cada vez mais afirmada de incluir a diversidade enquanto fonte de riqueza cultural. Nesse processo, a Lusofonia torna-se eventualmente um instrumento de promoção da cidade de Lisboa como cidade aberta, multicultural, etc.
Parece que o Outro nunca foi tão citado, referenciado, documentado, chamado a contribuir. O Outro, não tão como pessoa concreta mas sim como postura, ideia, atitude, ponto de vista: a cidade tem que ter espaço para o Outro. “Outro ponto de vista”, “Outro olhar”, “Outra realidade”, “Outras cenas”, “Outras Lisboas”,… As narrativas do centro inclusivo estão cheias desse tipo de propostas que, claramente, se referem à periferia, ao não-centro, numa abordagem que implica necessariamente inclusão, legitimação, reabilitação. Mas nesse “outro olhar”, nesse “outro ponto de vista”, o centro permanece o mesmo, e o Outro é invenção, ou reinvenção do Mesmo. Tem a ver com o facto do centro entrar num exercício de olhar descentrado, exercendo a sua capacidade de se deslocar. O Outro é só pretexto: olhado, observado, representado. Esse olhar descentrado implica uma postura instável, por definição dinâmica, conflituosa, ambígua, que questiona a palavra certa, central, oficial, dominadora. Idealmente, esse olhar vai à procura daquilo que Machado de Assis chamava o “país real” (por oposição ao “país oficial”) (Assis, 1861). Ora, hoje esse olhar descentrado está sendo oficializado. Faz parte da postura certa, da maneira como cada país se está afirmando no mundo da cultura global. Mas então – ou, entretanto –, será que o Outro ainda existe? Profusão do apelo ao Outro, e o Outro que já não se encontra… O Outro-pretexto, o Outro imaginado, consumido: última instância do próprio desaparecimento do Outro, perda consequente das marcas do Mesmo. E finalmente, o Outro homenageado. Mas o contexto já é diferente: cultural, global, estético, turístico, mercantil até. O contexto não deixa de ser político, mas é a própria política que já se tornou outra: espectáculo, encenação da “coisa” cultural, multicultural, etc.
Acredito que existam afinidades entre a etnicidade simbólica de Herbert J. Gans (Gans, 1979), as comunidades emocionais de Max Weber (o carismático, a figura carismática é o mediador da comunidade) (Weber, 1978; ver também Maffesoli, 1996), e o Tourist Gaze, o “olhar do turista”, de John Urry (Urry, 2001). Em comparação com as grandes categorias analíticas da sociologia, são “conceitos ligeiros” que apenas apontam a dimensão provisória, temporária, furtiva, fútil até, dos fenómenos sociais. São sobretudo conceitos que sugerem a dimensão consumista e a mercadorização acrescida dos estilos de vida, das escolhas culturais, das emoções, dos afectos e das identidades (individuais e colectivas), num contexto de mediação banalizada. Neste sentido, o advento das Brand Communities (Muniz e O’Guinn, 2001) – espécies de readymade identitários portanto descartáveis – aparece como a consequência lógica do enquadramento integral das comunidades emocionais nos processos de “mercantilizaçao da diferença” (Sanches, 2009). “A cultura da escolha identitária, sendo a cultura do dominador, tende a tornar-se a cultura dominante”, afirmou Zygmunt Bauman (Bauman, 1995). Apontando o papel doravante central das novas tecnologias nos processos de construção identitária – da blogosphere aos YouTube, MySpace, Facebook, etc., o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro caracterizou a “identidade na era da sua reprodutibilidade técnica” (Castro, 2008), parafraseando uma das obras-primas de Walter Benjamin (Benjamin, 1936). Assim, além da migração propriamente dita, além das migrações, a circulação e a mediação generalizadas: pessoas, sons, músicas, imagens, ideias, valores, maneiras de ser, etc.
Existem narrativas emprestadas à experiência migratória para explicar, por exemplo, a permanência de formas culturais mais ou menos folclorizadas e transplantadas em lugares de acolhimento, mesmo quando a própria experiência de migração já não faz parte da memória colectiva. Há uma memória do lugar enquanto lugar de referência afectiva, que não pode ser reduzida à experiência efectiva da migração. A própria etnicidade simbólica se desloca, se exporta, é importada. Ver por exemplo os Rastas no Japão, ou o Gangsta-Rap em Cabo Verde. São várias, as formas culturais que tendem a esquecer aquilo que elas devem ao facto de ser – ou de ter sido – transplantadas. Os ranchos folclóricos portugueses na emigração por exemplo, não deixam de ter efeitos em retorno no país de origem, na ocasião de festivais ou de encontros culturais. Mas, na circulação generalizada, também acontecem momentos, formas de consolidação, de sedimentação cultural, de retenção de modelos musicais (Carvalho, 1991, a propósito do Fado em Nova Iorque). “Eles são mais Portugueses do que eu”, diria um Português visitando uma associação de 2ª ou 3ª geração em França ou no Luxemburgo (La Barre, 1997); “Mais Portugueses do que os Portugueses” parecem os Portugueses participando dos ranchos folclóricos na emigração (Carvalho, 1990). “Os mais Gaúchos são… os Cariocas”, diria com ironia um Gaúcho visitando uma associação de folclore gaúcho no Rio de Janeiro…
A transplantação cultural implica um processo simbólico de tradução, re-transcrição, transfiguração até, que, em vários casos, marca a passagem da “ordem natural” do folclórico, para a “ordem estética, artística” do conhecimento, do procedimento reflexivo. Assim, além da comunidade ou do grupo migrante, a imaginação da transplantação; além dos laços de sangue ou de nascimento, a linguagem dos afectos, as comunidades emocionais. O “jogo de fronteiras” da etnicidade simbólica: fronteiras flutuantes, temporárias, fronteiras abertas, transculturais. A escolha de pertença, as subsequentes hierarquias de lealdade, a razão estética, artística, sensível. Além do biológico, as comunidades imaginadas, de Benedict Anderson (Anderson, 1983). Tudo aquilo que, de resto, está sendo valorizado no mundo global de hoje. O multicultural num contexto de Tourist Gaze, o olhar do turista generalizado. Passagem de uma cultura para a outra, de um grupo para o outro, grupo que aliás só existe durante o momento do encontro, do evento; grupo que entra em performação, que se constitui e se reconstitui, que se imagina consolidando-se, e se consolida imaginando-se, sempre re-actualizado. Para a eficacia da representação, o vídeo do evento garante a sua perenidade no espaço virtual, mediático. Pois a imagem, a documentação, alarga as fronteiras do grupo para bem mais além do seu próprio espaço-tempo. Fronteiras imaginadas, provisórias, em movimento: em direção a um algures temporal no futuro, um algures geográfico, sempre revelando outra coisa para além do próprio grupo. Magia da representação, aqui também. E o próprio lugar, o local, que só é relevante durante o tempo do evento. O local-pretexto (pretexto do encontro, do evento, da performação), mais do que o local-determinação (determinação do tipo segregação, enclave). A circulação resume assim os conceitos-chave da antropologia urbana – fluidez da experiência urbana, imprevisibilidade. Circulação generalizada no espaço-tempo globalizado. Ao mesmo tempo, o carácter confortável, seguro, da escolha de pertença ao grupo – português, gaúcho, seja o que for. A escolha de pertença em meio urbano, talvez tanto mais vivida como autêntica quanto o grupo de referência está longínquo no espaço e no tempo, e… em meio rural.
Os processos de etnicização, de construção ou reconstrução da etnicidade, são obviamente processos de essencialização das diferenças. Existe ainda um interesse em manter as fronteiras – ou recriá-las –, mas hoje, o motivo é de tipo turístico. Trata-se de incentivar o exótico da alteridade. Sempre, se possível, dentro dos limites da negociação ou seja, “fora da exclusão”, no horizonte pelo menos, de uma promessa de inclusão progressiva. Na invenção – ou reinvenção – da “cultura negra” por exemplo, na tal construção de etnicidade, o trabalho colectivo dos media, das instituições públicas, dos empreendedores e das associações locais, converge em direcção a uma estetização, e à própria mercadorização turística do Outro, como refere Van Den Berghe (Van Den Berghe, 1994). O projecto turístico, de tipo turismo étnico, é mediação das diferenças (Carvalho, 2006; Costa, 2004; Marques e Costa, 2007). Assim, os “outros espaços” descobertos pelos “outros olhares” e outros “outros pontos de vista”, referem-se aos espaços do Outro; espaços do Outro que não deixam, em princípio, de ser espaços públicos, inscritos na maioria do tempo nos processos de revitalização, reabilitação, legitimação, etc.
A auto-encenação da cidade como espaço de diversidade desses “outros espaços” está sendo cada vez mais documentada, imaginada, em vários espectáculos que nos levam a questionar o modo como Lisboa se auto-representa: “Lisboa Invisível”, “Outras Lisboas”, “Lisboa Mistura”, “Lisboa World Music Festival”, “Festa da Diversidade”, etc. São vários. Se a ambição multicultural é óbvia, a sensação muitas vezes é ambígua. A encenação alterna entre o respeito politicamente correcto e a provocação desnecessária. Respeito e consideração por um Outro comunitário por definição, que vive no gueto por fatalidade. Provocação, acentuação das diferenças desse Outro sublimado que não pode deixar de ser autêntico, exótico, selvagem, primitivo, etc. (Nesse caso, será que ele continua vivendo no gueto por escolha?). Aqui vem a romantização de uma “Lisboa invisível”, como se fosse a part maudite (parte maldita) da Lisboa visível. E é, e ao mesmo tempo não é. O Outro reduzido ao silêncio: invisível. Mas, a música, os ritmos, a dança, tão sensuais, tão autênticos… A música tem um papel específico neste processo. Pois ela ocupa espaço também: espaço sonoro claro, e espaço de representação, para qualquer finalidade que se possa imaginar. A música é o instrumento… E parece que Lisboa desenvolve, ao longo da última década, a sua própria definição de World music – de Luso-World music – que tende a redefinir e afirmar o modo como Lisboa se auto-representa.
A globalização implica uma competição cultural, que se traduz em novas formas de (auto-)representação. A etnomusicologia e a sociologia da música mostram como a produção musical local, traz um sentido de reinvenção da tradição, assim como ideias de autenticidade. Em retorno, as cidades e os Estados-Nação estão construindo novas identidades em conformidade com os desafios do mercado global (Crane et al., 2002). Os produtos culturais que encerram valores de diversidade, abertura, multiculturalismo, tornam-se vantagens nacionais – national equities. A interação entre música e cidade, entre música e Estado-Nação está mudando. Através da promoção do lugar de onde elas vêm, as músicas locais estão-se transformando em mercadorias globais.
Em termos de escolha cultural, entramos no mundo das possibilidades “à la carte” e virtualmente infinitas, que é sinal definitivo do acontecimento da cultura como mercadoria. A própria determinação do espaço e do tempo na escolha cultural tradicional está sendo reinventada, transferida para o mundo global, à procura da autenticidade. Nesse mundo de escolha cultural à la carte, alguns podem fazer apostas arriscadas, bem underground, que dificilmente seriam sucedidas em termos de mercado (o Fado vadio no Japão por exemplo, ou a Noise music, que não se confunde com o Metal, o seu equivalente mainstream). A nossa realidade é de uma circulação generalizada, de empréstimos múltiplos, que implicam transplantações assim como desarraigamentos, re-enraizamentos, deslocações, re-transcrições, reinvenções permanentes.
O Outro nas dinâmicas do “soft power”
Nessa possibilidade acrescentada de escolha à la carte, podemos ler a história dos Estados-Nação. Estamos numa fase de “pós-centralização cultural” – a própria centralização cultural foi o momento histórico essencial à constituição do Estado-Nação. O anti-regionalismo era pretexto e instrumento privilegiado para se “fazer Nação”. Ver por exemplo a afirmação progressiva do samba como música nacional no Brasil dos anos 1920 e 1930, a partir da então capital do Rio de Janeiro, com o papel central da Rádio Nacional. O processo inverso, de descentralização cultural, faz com que as culturas locais ganhem, reconquistem espaço, dentro da cultura nacional. Hoje, a necessidade de integração nacional, sempre inacabada, sempre no horizonte, co-existe cada vez mais com a necessidade de abertura e de visibilidade pelo mundo fora (através da promoção turística, por exemplo). Isso tem tradução em termos de atractividade, e sobretudo em vontades de criar ou manter um “soft power” (ou seja, um poder de atracção ou de influência indirecta, por meios culturais ou ideológicos), pelo mundo fora. Este “mundo fora” do Estado-Nação pode ser definido como o espaço da circulação global, dentro do qual as Nações interagem e entram em competição. Assim, não podemos ignorar o papel das diásporas na promoção e visibilidade das formas culturais nacionais mais ou menos sedimentadas, reinventadas. Já não se trata de um grupo ou de uma comunidade migrante fechada, “mantendo a tradição” entre si, só entre si, mas sim de um potencial de visibilidade considerável, facilitado pelos meios de comunicação modernos. Isto tem consequências no grupo migrante em questão, e tem consequências também nos países de origem e de instalação. Por exemplo, as bandas brasileiras instaladas, e sobretudo reconstituídas em Nova Iorque (os Nation Beat, os Maracatu New York, os Forró in the Dark; a associação Samba Nation), têm um papel determinante na criação de uma música brasileira “autêntica” made in New York.
A questão das possibilidades de escolhas culturais quase-infinitas, à la carte, não significa que todas as culturas sejam equivalentes, menos iguais ainda. Continuam, como é óbvio, as hegemonias culturais, do poder económico, financeiro, etc. Mas é importante entender que essa mudança de dinâmica desloca a questão para o campo do soft power, que é o poder da cultura, poder de persuasão, de atracção. O economista John Kenneth Galbraith afirmou que a globalização apenas era um conceito inventado pelos Estados Unidos para as políticas da economia entrarem noutros países (Madeley, 2000). Agora, com a circulação generalizada, os “novos fluxos” tendem a esconder as velhas hegemonias. Ao mesmo tempo, é de reconhecer que passamos de uma lógica de expansão e apropriação – o Estado colonial seria o melhor exemplo –, a uma lógica do Estado moderno ou pós-moderno, pós-colonial, que é uma lógica de tipo soft power: uma lógica de atracção. A competição no espaço de circulação global tem muito mais a ver com essa lógica de atractividade do que com uma lógica de expansão-apropriação (graças à circulação generalizada e às novas tecnologias, a apropriação é, ela mesma, cada vez mais considerada um direito imprescindínvel, taken for granted, numa palavra só um fait accompli). É justamente o sentido do soft power, poder de atracção: um potencial de atractividade que tem a ver com a sedução, o desejo, muito mais do que com a agressividade do expansionismo. Nesse jogo de atracção-sedução cultural aparecem também novos actores, e novos centros. Assim, o mapa colonial, ou pós-colonial, não é o mais relevante para entender o processo multi-cêntrico cada vez mais hegemónico.
O “re-cosmopolitanismo” é o processo em que os países e as cidades se auto-representam, nomeadamente através da promoção de eventos culturais, musicais, que acentuam os valores de diversidade e de abertura culturais (Ribeiro, 2006). Assim, o re-cosmopolitanismo é também a maneira como as cidades competem no mercado da cultura global3. Os eventos culturais oficiais promovem os valores da vida cosmopolita. Operados pelo Estado aos níveis local e nacional, tentam projectar a ideia de uma sociedade pós-nacional aberta à circulação onde a tolerância e a inclusão são palavras-chave. Entretanto, não é irrelevante pensar que essa imaginação pós-nacional continua sendo nacionalmente definida, na medida em que transporta necessariamente sentimentos específicos do local (ou do nacional) de onde surgiu (Castro, 2003; Silva, 2003; Stokes, 2003). Se a globalização da cultura é um processo homogeneizador como é muitas vezes descrita, lo é na quase-obrigação que cada cidade ou país tem de inventar, reinventar e promover a sua especificidade cultural enquanto “marca” local ou nacional para ganhar atractividade e competitividade na arena global, mais do que no resultado de um mundo ou de uma cultura global supostamente homogeneizados. De maneira talvez paradoxal, a homogeneização está de facto na injunção de diferenciar-se, de vender e promover uma diferença competitiva. No caso de uma “Lisboa musical”, isto parece traduzir-se na promoção de uma cidade detentora de um conjunto único de músicas lusófonas para além do Fado – do Brasil à África lusófona.
Os processos de re-cosmopolitanismo permanecem construções definidas, e determinadas nacionalmente, de maneira semelhante aos modos como cada país europeu teve que inventar, reinventar e promover a sua especificidade cultural no processo da construção europeia (La Barre, 2006). Por este motivo também, as próprias entidades como a UE (União Europeia) ou a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), continuam debatendo, além das definições e dos discursos oficiais comuns, representações nem sempre convergentes.
Mesmo assim, a tendência geral vai no sentido de uma definição mais flexível das identidades nacionais. Naturalmente, a globalização da economia e da cultura traz consigo essa vertente pós-nacional, multicultural. Mudanças nos discursos podem ser observadas: discursos sobre o Outro e a diferença. O Outro já não é para civilizar, ele já está incluído de facto – mesmo quando for só nas margens da sociedade. Os discursos sobre a autenticidade ou sobre a mistura global (o “global mélange”) (Pieterse, 2003) só se entendem dentro do quadro histórico do Estado pós-nacional, pós-colonial, pós-moderno, “pós-…”, quando colocados em perspectiva com os discursos sobre a pureza e o sangue, característicos do velho quadro do Estado-Nação. Por consequência, o fetichismo da autenticidade está mudando também. Na criação artística por exemplo, a “arte pura” já não existe, agora é só “arte híbrida”.
Os discursos sobre a pureza, o hibridismo, a autenticidade, só se entendem dentro do quadro das suas relações mútuas, quando colocados num sistema de oposições. E tendem a esconder a realidade complexa das lutas pelo poder, pela legitimidade, visibilidade, etc. Por exemplo, o encanto pelo exótico e seu consumo, escondem fenómenos complexos de apropriação. Complexos, pelo facto da permanência da circulação, no espaço e no tempo: a noção de origem perdeu-se no tempo, e no espaço também. É que o próprio soft power, poder de atracção, também é factor de circulação, e também implica a permanência da apropriação: é o mercado livre da cultura sem fronteiras.
Ontem, a única justificação do Estado colonial era a sua acção na periferia: as colónias estavam nas margens de um império governado a partir do centro. A justificação do império era colocada na promoção da sua acção fora da metrópole, nunca dentro do centro. Agora, no mundo pós-colonial (pelo menos nos ex-centros coloniais), o Outro está em toda parte: está no centro. Ora, a necessidade de promover, de valorizar o Outro, também faz parte do re-cosmopolitanismo. “Nós”, já não enquanto construtores de civilização como ontem, mas sim enquanto arquitectos do mundo aberto, da diversidade global de hoje, “promovendo o Outro, promovemo-nos a nós também”.
Atracção e apropriação: as leis da circulação. Nesse processo de reinvenção-consumo do exótico, o Outro tem as virtudes quase mágicas de reanimar, rejuvenescer a Europa, graças à “verdade primitiva” das suas artes, danças, músicas, etc. Permanecemos nesse paradigma ainda, e por isso, a representação do Outro é sempre ambígua. Só que, entretanto passámos, em termos de representação, do “dar a ver”, ao “dar a voz”. Nos dias dos impérios coloniais, a preocupação essencial era de justificar a marcha colossal no caminho da civilização, através do expansionismo, da apropriação do Outro – primitivo, exótico, etc. Era o “dar a ver” a marcha pela civilização. Por contraste, os novos valores de multiculturalismo, cidadania, boas práticas – e talvez também, simplesmente, a má consciência –, colocam a nova preocupação de “dar a voz” ao Outro, respeitar as diferenças, as maneiras de ser e de dizer, etc. Assim, já não existem centros ou periferias, mas sim um sistema-mundo, multi-cêntrico, de sociedades idealmente iguais e abertas, onde a circulação é permanente e multi-direccional.
A música é o subtext para um outro contexto: o Estado colonial de ontem – sistema de dominação-civilização –, ou o sistema aberto de hoje, da economia dos câmbios e das telecomunicações, que valorizam naturalmente, logicamente, a circulação cultural e o hibridismo. Assim, hoje como ontem, a música reflecte (e às vezes reforça) a ordem das coisas (Blacking, 1973). Mas ela pode também denunciar as ambições do poder na sua auto-representação através da música, das artes, da cultura, etc.
A música traz consigo essas duas dimensões. Hoje, a World music representa abertura e diversidade – valores des-territorializados que correspondem idealmente ao mundo global actual. Ao mesmo tempo, a banalização mediática da noção de “autenticidade”, nomeadamente gerada pela própria globalização das “músicas do mundo”, alimenta uma curiosidade para músicas propriamente locais, consideradas tanto mais autênticas que elas não chegaram (ainda) à visibilidade na esfera da cultura global. Potencialmente, as chamadas “música do povo”, “música-alma do povo”, “música underground”, ou “música da periferia” chegam a representar uma espécie de “Outro da World music”. Mudam-se as definições relativas à autenticidade na era global: a “autenticidade do local” é reinventada e reafirmada enquanto autenticidade “genuína” ou “verdadeira”; dificilmente podia ser suspeita de representar qualquer Outro para além dela própria. Baseada no local ou seja, no “não-global”, essa “autenticidade do local” aparece deste facto como uma forma de resistência.
Resistência? As “músicas da periferia”
O interesse actual revela-se nas “músicas da periferia”: marginais por definição, emergentes em certos casos, em várias cidades e periferias do globo (o Favela Funk no Rio de Janeiro, o Tecnobrega em Belém do Pará, a cena Metal no Recife; o Rap underground, o Kuduro em Luanda ou em Lisboa; o Grime ou o Dubstep e muitas mais). Certas músicas consideradas periféricas são de facto extremamente populares. Se os media têm o poder de valorizar e até definir certas cenas musicais e as distinções culturais subsequentes (em detrimento de outras que ficam ignoradas) (Bennett and Peterson, 2004), o sucesso popular, a popularidade efectiva e a “relevância social” não são necessariamente reflectidos no discurso mediático. Existe uma “zona de penumbra” que junta o sucesso de massa com a invisibilidade nos media oficiais (Vianna, 2003, 2006a, 2006b). A negativização de certos géneros musicais – às vezes a criminalização, na maioria das vezes por razões puramente estéticas ou de distinção socio-cultural como no caso do Favela Funk carioca –, tendem a reforçar as representações de um “Outro” cultural-musical necessariamente subalterno e marginal: um Outro que, de facto, não partilha o código de valores estéticos estabelecido (ou, mais simplesmente, o chamado “bom gosto”).
Em paralelo, a indústria musical oficial está em crise e cada vez mais minoritária, no domínio da produção e do consumo musicais. A “música do povo” (ou seja, a música que realmente é popular) consegue cada vez mais sustentar-se sem a interferência dos agentes ou instituições oficiais. No Brasil por exemplo, a grande e real hit-parade é cada vez mais independente da indústria cultural oficial e legal. É de reconhecer a vitalidade da economia paralela, e o modo como certas cenas consideradas marginais e periféricas conseguem organizar-se e sustentar-se com o recurso às tecnologias modernas de produção e difusão musicais. Esta situação reflecte uma mudança profunda nas relações entre o centro e a periferia, e nas próprias fronteiras entre os dois. Fronteiras que, obviamente, são socialmente construídas. Os media, as instituições públicas e privadas participam activamente nessa construção, que acaba por estabelecer distinções hierárquicas no âmbito da música popular, entre aquilo que é considerado aceitável, tolerável, e o “resto”, ou seja, as músicas que acabam por ser estigmatizadas. É esse poder de definição, de inclusão das cenas consideradas legítimas, ou pelo contrário, de exclusão das cenas consideradas bárbaras, que se está tornando obsoleto, à medida que as próprias cenas marginalizadas vão ganhando visibilidade graças às suas capacidades de organização endógena. Apesar de representar uma forma de violência simbólica, que também é uma questão política, de democracia e cidadania, a falta de reconhecimento, a exclusão das cenas mais populares do discurso oficial provoca uma re-definição das fronteiras do popular, do aceitável assim como da própria identidade local. Por serem músicas supostamente extremas, violentas, radicais, políticas, ou “inexistentes” (isto é, músicas que não correspondem aos critérios de apreciação estética em vigor), essas músicas excluídas do discurso oficial, criminalizadas até (em vez de serem reconhecidas e legitimadas enquanto contributo para a diversidade cultural e musical), não deixam no entanto de representar um sentimento de pertença ao lugar, à cidade (Fradique, 2004). O centro critica a “falta de qualidade estética”, mas não pode mais pretender ser hegemónico culturalmente. Assim talvez, no limite, a cultura “real” seja hoje em dia definível como tudo aquilo que acontece fora dos media e dos órgãos oficiais: na informalidade.
Parece importante pensar no poder de resistência das músicas marginais, poder esse que em grande parte reside no facto de serem estigmatizadas. Essa resistência faz com que outros mundos culturais sejam sendo criados, em paralelo, inventados à margem, na periferia (Lionnet e Shih, 2005). Será que, com as tecnologias de ponta, a periferia está inventando cultura, novas músicas, e até novos business models (modelos de negócio)? Essa capacidade da periferia criar, inventar cenas é que questiona também a maneira como se cria e se promove cultura, dentro e sobretudo fora de um centro em perda de hegemonia. As questões de autenticidade já não se encontram necessariamente nos próprios estilos musicais ou nas próprias sonoridades (que podem perfeitamente ser globais, emprestadas, recicladas), mas continuam certamente baseadas na identidade local: é a “autenticidade do lugar”, com a dimensão necessariamente política da mensagem musical. As músicas periféricas tem essa capacidade única, literalmente orgânica, de falar (directa ou indirectamente) dos problemas sociais actuais (ver por exemplo as narrativas dos Favela Funk, Rap underground ou Kuduro sobre as condições de vida e de exclusão ou, no caso do Metal, a recusa – barulhenta – dos valores dominantes enquanto valores de exclusão, ou pelo menos de não-inclusão).
É preciso entender como é que uma cena musical se mantém viva fora do sistema de representação oficial, quais as vontades (endógenas) de legitimação, dentro da relação, sempre complexa, entre o cosmopolitismo da apropriação musical, o regionalismo da pertença, e a estigmatização da própria cultura musical. É possível que uma cena musical constituída em volta da marginalidade, somente deseje continuar sendo diferente, diferenciando-se cada vez mais do oficial para fugir da representação oficial, institucional, ou simplesmente não ser representado, ficando assim mais ou menos deliberadamente no “buraco da representação do nada” (Araújo, 1999, 2007) que talvez até garanta maior autenticidade. Neste caso, a re-locação dos ex-centros hegemónicos no sistema multi-cêntrico global das metrópoles recria fronteiras de legitimidade/illegitimidade, entre o aceitável e portanto oficializado, e o inaceitável e portanto excluído (ou pelo menos deliberadamente ignorado). De um lado a ética da responsabilidade (razão) e os seus valores de universalismo e humanismo, a inclusão progressiva e finalmente indiferente de “todos” numa World music indiferenciada, repetitiva; do outro lado, a ética da convicção (emoção), as “músicas da periferia” com o seu potencial de resistência no cinismo, no silêncio, na perfeita indiferência em ser representado pelo centro, revelando assim, denunciando, esgotando até, os impasses, as contradições da “sociedade repetitiva” (Attali, 1977). Resistência, aliás, directamente proporcional ao grau de exclusão que elas “sofrem”.
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- 1. Uma cena musical (do inglês Music scene) pode ser definida como um conjunto local e discreto de espaços e lugares variáveis onde se encontram ocasionalmente músicos, produtores e fans partilhando um gosto para um certo género musical, e um estilo de vida distinto e escolhido. Uma cena musical é mais ou menos independente do mercado musical multinacional. Embora na maioria invisíveis, algumas cenas musicais podem chegar à popularidade e incentivar inovações musicais – o Reggae de Kingston-Jamaica, o Punk de Londres, ou o Hip-Hop do Bronx, etc. É bastante comum para qualquer cidade, ter uma cena Hip-Hop, uma cena Techno, uma cena Punk, uma cena Indie, uma cena Metal, e muitas outras cenas, baseadas em outros géneros musicais. Andy Bennett e Richard Peterson sugeriram vários níveis de relevância para a análise de cenas musicais: local, translocal, e virtual (Bennett e Peterson, 2004).
- 2. Ver o filme-“documentário ficcional” de Julien Temple, The Great Rock ’n’ Roll Swindle (1980).
- 3. De maneira similar, John Urry definiu a “reflexividade do turismo” (Tourism Reflexivity), ou seja a maneira como os lugares – países, Nações,… – se reinventam para “entrar” na ordem global (Urry, 2001).