SPENT - TDI PEF BAW: trajetória e linguagens na arte urbana.

O Graffiti é uma das expressões artísticas em Angola muito negligenciada, e poucos são os artistas que levam a sério esta prática associada à cultura Hip-hop. No cenário da arte nacional, existem artistas e grupos tais como: BAW Crew, Crazy , Thó Simões, And Graf , Nito M, Verkron, Gato Preto, Peão X, MAL, Rose Luna, Oksanna Dias, Horácio Buenos, Boesta, Zbi, e outros grafiteiros.  

Entre as lendas urbanas no graffiti em Angola, destacamos o grande SPENT, o king, termo usado para classificar um mestre neste meandro das artes visuais. SPENT é um artista visual old school da arte urbana, com influências do movimento hip-hop. Começou a sua jornada nos anos 90, especialmente no Street Arte em Angola, e faz parte do consagrado grupo de grafiteiros BAW Crew (Ram Z, Abi One e Wara Wata e Bzb). Segundo Thó Simões, SPENT é da segunda geração de grafiteiros em Angola, o Dj Samurai seria possivelmente uma das figuras da primeira (um caso para investigação). SPENT é certamente uma espécie de Tracy 168 em Angola, um artista das ruas com longa estrada na história de arte urbana, o que lhe confere o título de lenda a ser tratado como um  Street King…


Luanda concentra as suas manifestações visuais. Trabalha na capital há mais de vinte anos, alterando as imagens e ruínas, transformando os espaços da Kianda, com as suas  obras de arte, ou seja, tornando cada vez mais humanos as ruas e avenidas com Graffiti onde arquiteta as suas histórias, contos e poesia visual.

Encontramos as suas intervenções nas paredes da Vila Alice, sentido estrada Deolinda Rodrigues, em direção a Livrarias Paulinas, e a Embaixada da Namíbia, entre trabalhos de outros artistas espalhados pelas paredes dessa avenida.Entrevárias temáticas e lugares, participou ainda no Mural da Serra da Leba, um projecto colectivo sobre murais visuais, levado a cabo pelo artista Thó Simões, em 2015.             

Construção técnica e linguagens: 

As suas obras são um marco de esforço e dedicação. A forma como usa as latas de spray e outros instrumentos para executar os traços, os esboços dos seus grafites assim como a expressividade dos trabalhos. E mesmo no trabalho colaborativo, com a BAW Crew e outros artistas, é visível a sua marca e o seu toque de Midas na formas de cada Graffiti. 

Segundo Arrechea e Soto no Dicionário de pintura do século do XX (2002) o Graffiti “são signos personalizados pelo autor, funcionando como uma espécie de «assinatura» do seu estilo peculiar.” O Graffiti é uma arte urbana, que incorpora a pixação como técnica artística e outras nuances. Os signos de SPENT são construídos na linha Wild Styles, que Moreira (2016) traduz como “um estilo sem definição, com letras entrelaçadas e muita cor, dificultando a leitura”. Ou seja, é um estilo complexo em termos de interpretação visual. O graffiti explora muitas linguagens, sobretudo o calão e códigos de ruas, de grupos ou pessoais. A abordagem de Spent passa por questões sociais, políticas e momentos de marcação de território, por via das “TAGS” (assinaturas) que servem de sinal de presença e domínio simbólico, de extensão e poder. Outro aspecto importante é o uso das cores, grande parte das sua obras são trabalhos multicolores visualmente intensos, mesmo quando faz uso de poucas cores, nos seus grafites, como é o caso das obras na zona da escola Alda Lara, para quem sai em sentido do Prédio do Livro. 

O grafiteiro Zbi descreve “SPENT como um  mestre, veterano  e conservador da ancestralidade, da essência desta arte, seus trabalhos mesmo que antigos são contemporâneos, isso talvez por causa da técnica e do material que emprega na execução das suas  obras”. Já para o Dj Mamen, SPENT é realmente um mestre “em três palavras Eu digo mestre mestre…”. SPENT é um artista que trabalha a maior parte sobre a sua própria marca, o seu nome, e procura difundir esse nome imagético em vários espaços. Com engajamento social e político.   

        Há as fases em que este artista expressa o seu imaginário, elaborando figuras, narrativas sarcásticas e jocosas que, no fundo, são discursos que levam a reflexão para muitas interpretações e outras possiblidades, ou seja, são portais sinapse que podem recriar outras dinâmicas de questionamentos e percepções estéticas sobre nós, sobre as coisas e  circunstâncias reais do próprio homem.      

O meio urbano como superfície de expressão 

O graffiti é, por excelência, uma realidade dos centros urbanos, mesmo nos seus primórdios. Segundo Moreira (2016) esta arte “surgiu no Bronx, Nova Iorque, em meados dos anos 70”. É uma arte, mormente centrada nestas zonas, mas que pode ser executada em qualquer geografia, quer urbana ou rural.

A cidade é um corpo, e SPENT é o seu poeta e tatuador. É nestes lugares que ele desenvolve a maior parte dos seus trabalhos, talvez por razões socioeconómicas, questões  populacionais ou de mobilidade,  são raros os seus trabalhos nos guetos, mas é possível que existam nestas esferas. Os meus primeiros contactos com as suas obras foram em zonas como a Maianga, Cidade Alta, Kinaxixi e outros lugares no centro da cidade de  Luanda, por volta dos anos 2000, especialmente quando estava a entrar para cultura Hip-hop. Mas antes disso, já um amigo falava dele, de uma forma tão romântica e mítica, era o Jonas-By da Máfia Star, amante do Rap Underground, e que consequentemente já sabia do valor e da posição de SPENT na arte do Graffiti em Angola.        

Este artista manifesta-se nas paredes urbanas, que são as suas telas, um papel importante na sua vida, e mantem uma relação com a sociedade, pela via discursiva e visual. Este meio é talvez um espaço onde consiga articular melhor os seus problemas e questionamentos existenciais, de crises, da natureza imagética, e de outras propostas estéticas e filosóficas. 

Do Bombing ao Hall of Fame

Os termos supracitados fazem parte da literatura do Graffiti, no dicionário desta arte urbana, o Bombing é o Graffiti ilegal, e o Hall of Fame é o contrário do Bombing. Embora existam pessoas que já não julgam os grafiteiros, nem as suas obras, existem ainda ideias preconcebidas, vinculadas à marginalização, assim como à visão que esta prática está articulada ao vandalismo, ou que seria uma arte marginal (talvez por serem intervenções que invadem os espaços públicos ou privados, sem consentimentos e bem como de outros factores que podem partir quer das práticas do artista e das suas obras, linguagens e componentes normativos, políticos e sociais…). Os trabalhos de SPENT passam  talvez por essas linhas, ora  como processos visuais legais em paredes e outros espaços, ou como planos e pinturas da categoria Bombing. Não temos como classificar perfeitamente as obras de SPENT quanto a essas dinâmicas, só ele e outros artistas destas paragens o podem fazer.   

Da relação entre galeria e espaços públicos

SPENT é um artista que tem poucas relações com galerias e museus, talvez também pela dinâmica desta arte em si. São poucos os artistas do grafite que trabalham com essas instituições, em Angola existem artistas como And Graf e outros que já efetuaram trabalhos em galerias. O exemplo mais real é a passagem do And Graf no Luanda Cartoon, na galeria do instituto Camões, e o artista Zbi com a exposição Nutrição Espiritual em 2020 na fundação Arte e Cultura, que apresentaram o Graffiti como proposta temática.   

Era importante que os galeristas, colecionadores e espaços de arte, se preocupassem com o acervo visual, e produzissem exposições deste artista contemporâneo, figura que parece não ter uma intenção comercial com as suas obras, e mantém a dedicação por amor à arte. Muitos dos seus trabalhos e produções, são self-made, resultam do seu autofinaciamento e das colaborações com outros grafiteiros. 

Obviamente SPENT é um artista é dominador dos espaços públicos, com os seus artigos visuais, multicolores ou monocromáticos, e “tags”. SPENT viveu por muito tempo na Europa, onde começou a pintar em 1997. Ele pertence à coletivos “CREWS” internacionalmente activos, conhecidos e reconhecidos, cito “TDI PEF”. 

  Como proposta de conclusão, SPENT é um artista que deve ser estudado dada a sua relevância dentro das artes visuais. Por outro lado, pelo seu legado, trajetória e serviços prestados nesta gramática da arte. O artista faz parte da memória e da estrutura da história do graffiti, em  Angola, e participa na vida pública com as suas visualidades e narrativas…   

O artista, marca uma era na geografia visual dos grafites nacionais, isso pelo seu próprio modo de expressão (técnica e temáticas) subjectivas a si mesmo. Podemos classificá-lo como artista de uma das épocas mais importante e bela do graffiti em Angola, e como um dos pioneiros desta linha de trabalho urbano, o Wild Styles, cujas intervenções dão vida e formas às várias superfícies e paredes, que este construí artisticamente.  

SPENT, King Robbo e Bansky são figuras que partilham o mesmo vinculo pela arte. Enquanto entidade física ou  pessoal, a sociedade não conhece o rosto deste artista angolano, mas sim as suas obras, de forma in/direita, porque seu trabalho já é um arquivo que faz parte da nossa memória, e de muitos espaços na nossa banda e de outras margens no mundo.  

Certamente a genética (D.N.A) de SPENT está patente nas novas gerações, desta cultura do graffiti, é um das figuras no cenário da arte que continua a influenciar vários artistas neste campo. Os seus trabalhos são protótipos, lições e fórmulas vários para artistas, e são obras contemplativas…      

Bibliografia 

Arrechea, J.& Soto,V. (2002) Dicionário De Pintura Do Século xx, tradução: de Mariza Costa, Editorial Estampa. Lisboa.

Fontes orais: Grafiteiros, Zbi , Dj Mamen e Thó Simões

Moreira, Virgínia Gabrielle Silva (2016) Grafite é Arte: Conhecendo e explorando o Grafite como ensino em Artes Visuais, Universidade Federal de Minas Gerais

Acedido: 5 de Agosto de 2024

Acesso   em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-AN5KWF/1/virg_nia_gabrie...

Att: Todas fotografias das obras, são cortesia do Artista.

 

por Selso Zua
Cidade | 7 Setembro 2024 | grafiti, luanda, Spent, Thó Simões