Poemas manuais para decoração de interiores 1.

A procura do buraco

a procura do branco

a procura do banco

Sentada, branca, lívida, caída no buraco.

De manhã a vida tranquila

de manhã o café preto,

a sensação de ingerir preto numa sensação de manhã,

de cócoras, agachada na casa-de-banho

de manhã ou de pé, lívida, fazendo uma torrada

de manhã ou de perfil, olhando o espelho

 

De manhã, a mentira, território verbal reconhecido

Pensar que é possível ficar parada

de manhã, branca, lívida, parada no buraco

Estamos a ser invadidos por chineses, dizem

Estamos a perder o juízo das coisas, dizem

Mas de manhã é possível contar os dedos das mãos e mudar de canal

 

 

Perdida, estanque, olhando o ecran da manhã

No google, existem pedaços do estrume dos dias

Um estrume que cheira a rosa e enxofre

Não sabemos ao certo se é branco polvilhado a negro

ou negro cortado por branco.

No google procuro imagens de homens nus

e tenho 8 dedos nas mãos

um dedo coça um olho aberto,

outro percorre o teclado

de manhã, sentada, deitada, lenta, preconizando a morte das ideias.

Cada sentença cada cristal de tempo desrespeitando o tempo pela curiosidade de matar o tempo, de manhã

 

O poder e o meu-teu poder.

Computador, ecran, teclado

O poder e o meu-teu perder.

Computador, ecran, teclado

O poder e o pastel do poder que nos põe a anilha de ouro no dedo

Pergunta: quem sabe mais?

Dizemos: estamos casados no jogo e pelo jogo

Até que a morte nos ampare

Até que que alguém ganhe a legitimidade de uma ideia só.

Teclado: vai à merda

Teclado: vai tu

 

Citação de filme português que lembro por já não ser possível invocar

os tempos de saló sem melotraumatizar o poema

 

De manhã, alguém deitado, lívido, contrastando com a cama mole

Eu ou tu, já não interessa

Enfermos da palavra enfermo

Infectos da infecção de querer outra coisa

As palavras são caras

O dinheiro ainda mais

A merda está ainda mais cara do que no tempo do pasolini

E no google não encontro imagens de homens nus, só despidos de tesão

 

A verdade de concluir assombra-me como um buraco

Como o preto de um buraco recortado

Mas no reflexo do ecran estou sempre branca, lívida e de manhã

Cada manhã é limpa

E eu sou a ideia presente do morto que não se compara ao caixão, apenas encaixa.

Alguém o encaixou

Alguém o encaixotou

 

Ninguém sabe porque guardam os defuntos.

Eu assino de manhã o medo da morte

contando a história de uma mulher que deixou de conseguir telecomunicar

Ela comunica com o ecran

Ela comunica com a comunicação

Ela comunica com ela,

De manhã, ela sentada lívida no preto do motor de busca

Perdeu a máscara

De manhã identidade sem pessoa

O motor de busca busca o motor do eu

Ela é – eu  sou-  o motor procurando a busca

E comunica com a busca

O google é o sítio milionário das manhãs interrompidas pela manhã

 

Sentada, lívida, perdendo o cheiro da rua

de manhã vejo imagens de longe pelo ecran

O longe sou eu

Já nem receptáculo

Apenas habitação de longes contíguos

As imagens não entram, conectam-se, fazem frases e visões

Os chineses, a lua, o café de comercio justo

Sapatos bicudos de marca, marca de I-histórias do além

Há quem morra de boca aberta

E há quem não morra por não saber que canal abre a vida.

Os mortos vivos da telecomunicação da manhã

Juntam-se no meu quarto e dizem-me:

é inútil tentar saber mais.

De manhã, a comunicação sou eu a perder os contornos da mão e os dedos da visão.

Não sentada, não lívida, não vívida

Abarrotei e arrotei o cérebro.

 

por Ritó aka Rita Natálio
Corpo | 18 Abril 2013 | corpo