Crianças de lugar nenhum

Fotografias de Mauro Pinto*

Existe, em Maputo, um lugar que se chama Chiango.

“Chiango”, um nome bonito para nomear um lugar impensável – um lugar sem infância, pintado a preto e branco.

No interior de minúsculas “casas-caixões” e de alguns blocos apertados de cimento que servem de dormitório, vivem crianças que a sociedade moçambicana marginalizou e chamou de “fora da lei”. Classificados e normatizados como “infractores” pelo sistema judiciário, os nomes destas crianças foram esquecidos na gaveta de um grande e imponente edifício a que chamamos de “LEI”.

Com o passar do tempo, lentamente, os seus rostos e corpos foram também desaparecendo da memória de quem legislou as suas infâncias. Arquivadas em beliches enferrujados, uma por cima da outra, tal como se faz com caixas de papelão, estas crianças foram enviadas para um lugar de destino nenhum.

Sem água e energia, sem estrutura alguma para inseri-las de volta na sociedade, crianças e jovens, irmãs e avós tornadas mães, vivem nestes “campos de reeducação”, totalmente privados de educação.

Que justiça é esta? – é o que se pergunta o fotógrafo Mauro Pinto na viagem que faz para este “lugar nenhum”.

Através do seu olhar, tecido com cuidado ao longo das linhas que desenham estes rostos “desaparecidos”, percebemos que nas curvas deste lugar quadrado e asséptico, algo pulsa de vida e de infância. Por detrás dos rostos tornados visíveis pela imagem, dos brinquedos e objectos que emergem redondos das linhas rectas de cada beliche e colchão, dos desenhos tortos pintados à carvão, pendurados e inscritos nas paredes brancas, espreita a infância e o desejo pela cor.

Cada fotografia contida nesta série consiste num acto de coragem.

Cada fotografia insiste como um ponto de interrogação nas nossas “Leis” e instituições.

Cada fotografia exige que imaginemos uma outra “Lei”, outra “infância”, outro lugar que não seja em lugar nenhum.

 

Camila de Sousa



* Mauro Pinto participará em El Ojo Salvaje, Mês de Fotografia no Paraguay a partir de 23 de setembro. A sua exposição terá lugar no Centro de Artes Visuais/Museo do Barro.

16.09.2010 | por martalanca | Mauro Pinto