Inserida no programa da Temporada Portugal-França 2022, “Margens Atlânticas” desdobra-se em duas programações paralelas. Para além do ciclo de filmes exibidos pela Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, entre 19 e 24 de setembro, é apresentada, no Espaço Espelho d’Agua, uma exposição de Ariel de Bigault e Francisco Vidal (17-29 de setembro).
Ariel de Bigault é uma realizadora francesa, profunda conhecedora da história e da cultura portuguesas, que tem levado a cabo uma das mais consistentes e empenhadas indagações cinematográficas sobre a história do racismo que liga Portugal ao resto do mundo lusófono. Remonta aos retratos que fez de artistas afro-brasileiros, em 1987, ÉCLATS NOIRS DU SAMBA, entre eles, de Paulo Moura e Gilberto Gil, esse questionamento crítico das raízes da discriminação racial que ainda hoje persiste e, com essa tomada de consciência, sobreveio a vontade de dar visibilidade às comunidades em sofrimento e marginalizadas.
De qualquer modo, antes de ter partido para o Brasil, a sua primeira preocupação foi a de filmar, em registo de cinema vérité, MULHERES EM LUTA (título raro, filmado em 8 mm, que por razões de preservação não será exibido neste ciclo), no Portugal sob o efeito da Revolução de Abril; documentou ainda o mundo de duas crianças com síndrome de Down, numa produção que intitulou EDUARDO E FERNANDO, e, por fim, em ESTÃO A VER-NOS?, deu expressão aos sonhos de uma criança cega. O título deste filme é premonitório de muito do que se seguiu, ainda que seja sobretudo na voz, e não nos olhos, que Bigault encontrou as principais formas de resistência ao racismo. Aliás, a arte costuma surgir nos seus filmes como um modo de libertação e denúncia de situações, mais ou menos veladas, de injustiça, de desespero e de pobreza.
Não menos importante que o seu trabalho no cinema são as duas coletâneas de música caboverdiana e angolana que ajudou a editar nos anos 90 do século passado. Por “estar tudo” na música cantada por homens e mulheres africanos ou descendentes de africanos, Bigault preencheu uma parte importante da sua carreira “colecionando” as vozes de quem se expressa fundamentalmente através de canções: em MARGEM ATLÂNTICA, após um retrato multigeracional de imigrantes africanos vivendo em Lisboa chamado AFRO LISBOA, Bigault regressou à capital para falar com músicos de ascendência africana, ao passo que, em CANTA ANGOLA, encontrou em Luanda ecos do passado esclavagista e tons que vibram perante o sofrimento dos nossos dias. FANTASMAS DO IMPÉRIO, em certa medida, substituiu a música pelas imagens do cinema, aquelas que ainda vão resistindo ao processo de não-inscrição do passado colonial no nosso imaginário coletivo: um filme que diz “olhem para o passado” ou, citando o seu filme iniciático, “estão a vê-lo?”.
Aquando da passagem de FANTASMAS DO IMPÉRIO, em 2020, na Cinemateca Portuguesa, Ariel de Bigault explicitou deste modo o que constitui para si o espaço do documentário: “O filme é um espaço de encontro e de diálogo de obras, de pessoas, de criadores. Todos os meus filmes são muito diferentes na forma, mas não têm comentário, porque é o meu olhar, não é um ponto de vista. O meu olhar abrange vários olhares. (…) Através desses diálogos, o espectador pode criar o seu ponto de vista.”
Programa
Segunda-feira 19, 19h00
Fantasmas do Império (2020) 112 min
Terça-feira 20, 19h30
Eclats Noirs Du Samba (série) 1987
Cariocas, Les Musiciens De La Ville – 58 min
Paulo Moura, Une Infinie Musique – 56 min
duração total 114 min
Quarta-feira 21, 19h30
Eclats Noirs Du Samba (série) 1987
Gilberto Gil, La Passion Sereine – 57 min
Zézé Motta, La Femme Enchantée – 56 min
duração total: 113 min
Quinta-feira 22, 19h30
Eduardo e Fernando 1981- 45 min
Estão a Ver-nos? 1982 - 60 min
duração total 105 min
Sexta-feira 23, 19h30
Canta Angola 2000 – 59 min
Si Manera e Feia 1990– 2 x 4 min
Tito Paris 2002 – 12 min
Madredeus, La Sirène Du Tage 2005 – 15 min
duração total 95 min
Sabado 24, 18h
Esplanada da Cinemateca
Debate: Das Margens para o Foco
Sabado 24, 19h30
Afro Lisboa, 1996 – 60 min
Margem Atlântica, 2006 – 58 min
duração total 118 min
**Todos os filmes são em português, alguns legendados em francês**