Poesia Manuscrita pelos Hipocampos de José Luís Mendonça (Chá de Caxinde) - apresentação em mesa redonda pelos escritores e professores Abreu Paxe e António Quino na União dos Escritores Angolanos, 23 de setembro, às 18 h.
pintura de Thó Simões“No princípio era o hipocampo. E o hipocampo se fez poema e habitou entre nós. A sua beleza ofuscava. As suas crinas acendiam a luz do mundo e o seu voo milimétrico exumava o sal da Terra. Com essa luz e esse sal modelávamos a alma do tempo no interior de uma percussão de marimbas. “E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca; e assim foi. E chamou Deus à porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares. [Génesis 1:9,10]” Então o hipocampo abraçou as correntes marítimas, o poema se fez mar e, nas esquinas do tempo, ficou apenas uma arqueologia de estrofes, sinais de búzios gravados em inesperada poeira de estrita ressonância mitológica. Comecei a ler e a registar as marcas da escrita dos hipocampos em 2004, quando circulava por Dakar, Senegal. Em 2006, na Índia, Chenai, eles cantaram e dançaram para mim nos grandes boulevards de solidão interior, em momentâneos sonhos. A partir desse ano, fui atirado como o “batêau ivre” de Rimbaud, para dentro da grande corrente fria de Benguela onde me vi subitamente escorté des hippocampes noirs. Ao desembarcar, recolhi, decifrei e restaurei a grande maioria dos seus manuscritos sobrantes nas praias do Cabo Ledo, província do Bengo, na baía de Luanda, na Ilha de Nossa Senhora do Cabo e noutras cidades costeiras de Angola. A minha estadia em Paris, a partir de 2008, permitiu recuperar outros resquícios do mar da memória. São esses versos ou falas de hipocampos, linguagem do sal e das águas, linguagem da intimidade revelada à luz branca de cada página, que esses minúsculos peixes-cavalo aqui dão à estampa”.