João Cabral de Melo Neto - África

 África & Poesia


A voz equivocada da África

está nos griots como em Senghor:

ambas se vestem de molambos,

de madapolão ou tussor,

 

para exclarmar-se de uma África,

de uma arqueologia sem restos,

que a história branca e cabras negras

apuraram num puro deserto.

 

Quem viveu dela e a destruiu

foi expulso, mas está na sala;

para que se vá de uma vez,

tem de ser de não, toda fala.

 

Não, do sim que seus poetas falam,

e que era bom para o ex-patrão:

ainda escrever vale cantar,

cantar vale celebração.

 


Os cajueiros da Guiné-Bissau

 

São plantados em pelotões

desfilam pela autoridade

que os fez plantar; são em parada,

sem o nordestino à vontade.

 

Os cajueiros são anarquistas,

nenhuma lei rege seus galhos

(o de Pirangi, em Natal,

é horizontal, cresceu deitado).

 

 

Como hoje esses cajueiros

que do seu Nordeste irredento

Salazar recrutou para a África ?

Já podem dar seu mau exemplo?

 

 João Cabral de Melo Neto, Agrestes, 1985

06.09.2010 | por martalanca