Descolonizar os currículos na SOAS, Filosofias do Mundo
Nós, professores da licenciatura da SOAS em Filosofias do Mundo, saudamos o recente interesse da imprensa nos debates relativamente à “descolonização do currículo”. Esses debates desafiam tanto alunos quanto professores a pensar criticamente sobre os contextos e propósitos da produção do conhecimento e da sua disseminação institucional. No entanto, dada a imprecisão de alguns relatos mediáticos, é importante que se esclareça que não está em causa qualquer remoção de “filósofos brancos” do currículo na SOAS; Platão e Kant continuarão a ser tidos em conta. A eles, contudo, juntar-se-ão agora pensadores das ricas e antigas tradições filosóficas não-ocidentais da Ásia e da África, assumindo os seus legítimos lugares.
Começamos com uma pergunta directa: tendo em conta o dictum de Kant, “ousa saber”, por que motivo têm sido essas tradições filosóficas constantemente excluídas dos currículos de filosofia tradicionais no Reino Unido e em outros países da Europa, e nos Estados Unidos? É uma lacuna em muitos programas de filosofia que os alunos não aprendam sobre filósofos árabes como al-Fārābī, Avicenna e Averróis, que para lá das suas contribuições incontornáveis para os seus contextos intelectuais imediatos, também tiveram um impacto significativo na filosofia natural ocidental, Metafísica, lógica e ética. Ainda mais raramente podem os estudantes aprender sobre pensadores como o budista Nāgārjuna (século II d.C.), cuja análise tem pontos de contacto com os debates contemporâneos nos realismos especulativos e críticos sobre a natureza da causalidade e relatividade, ou os lógicos indianos Diṅnaga (5–6 Século XXI), Uddyotakāra (século VI d.C.) e Gaṅgeśa (século XII dC) que, juntamente com muitos outros, desenvolveram um sistema de lógica indiana ao mesmo nível não apenas de Aristóteles ou dos estóicos, mas de Frege e Russell.
Da mesma forma, o profundo pensamento filosófico desenvolvido ao longo de milhares de anos na China pode passar sem uma única menção em muitos currículos de filosofia no ocidente. Os estudantes de filosofia devem ser encorajados a travar contacto com o trabalho desafiador de pensadores como Kwami Anthony Appiah, Franz Fanon, Achille Mbembe, Valentin-Yves Mudimbe, Enrique Dussell e Walter Mignolo do mesmo modo que o fazem com Parfit e Strawson. Ou não devemos nós todos assumir a tarefa de nos envolvermos, para citar Nietzsche, com “o que pode ser pensado contra o nosso pensamento”?
A questão não se esgota em expor estudantes a tradições filosóficas não-ocidentais. Qualquer pensador crítico quererá questionar como foi possível que os grandes filósofos europeus do Iluminismo escrevessem tão profundamente sobre o potencial emancipatório do conhecimento, proclamassem o lema da Revolução Francesa, Liberté, égalité, fraternité, ao mesmo tempo que a Europa colonizava grande parte do globo e participava no comércio esclavagista. A descolonização da Filosofia, contudo, não é simplesmente uma questão de crítica. Não devemos ficar presos lá. Tal como a entendemos, a descolonização diz fundamentalmente respeito à prática do diálogo; é um trabalhar rumo ao que Hans-Georg Gadamer chamou “a fusão de horizontes”, através da qual a compreensão através das fronteiras se torna possível.
A licenciatura em Filosofias do Mundo na SOAS é um programa único que foi desenvolvido para promover o diálogo filosófico entre “Oriente” e “Ocidente”. Os nossos alunos são expostos a sistemas intelectuais europeus e não europeus, envolvendo-se com Kant e Confúcio, Tomás de Aquino e Appiah e construindo diálogos entre diversas tradições de sabedoria. O foco intelectual do curso concentra-se em assegurar que os nossos estudantes examinem a filosofia e as perguntas filosóficas de uma maneira crítica e inclusiva. Os nossos alunos têm uma oportunidade rara para se familiarizarem com sistemas de epistemologia, lógica, metafísica e ética de uma gama mais ampla de sociedades e contextos históricos do que os estudantes de programas tradicionais em filosofia. Não só temos um escopo de conhecimentos incomparável nas tradições filosóficas da Ásia, África e Oriente Médio, como a SOAS oferece um forte programa de ensino neste aspecto, por professores tão familiarizados com o cânone ocidental como com os seus campos regionais de especialidade. De fato, o núcleo do programa dedica-se a identificar pontos de contacto entre diferentes tradições filosóficas — europeias, anglófonas e não europeias — organizadas em torno de questões, conceitos e abordagens filosóficas fundamentais em lógica, metafísica, hermenêutica, semântica e ética.
Em resumo, nós que desenvolvemos a licenciatura em Filosofias do Mundo na SOAS rejeitamos a ideia defendida recentemente por alguns, segundo a qual o desenvolvimento de currículos que sejam globais na sua perspectiva, dialógicos na sua natureza, e total e rigorosamente envolvidos com o questionamento da política de conhecimento, é algo de populista ou o resultado de uma moda passageira. Pelo contrário, consideramos uma questão da máxima integridade intelectual insistir em ler conjuntamente filosofias a “Oriente” e “Ocidente”, e um imperativo moral facilitar o livre e vigoroso diálogo entre quem quiser participar.