Deslocalizar a Europa: revisitando Cabral, Césaire e Du Bois
VIAGENS E TEORIAS EM TEMPOS DE RECOLONIZAÇÃO
crise (latim crisis, -is, do grego krísis, -eós, ato de separar, decisão, julgamento, evento, momento decisivo), s. f. 1. [Medicina] Mudança súbita ou agravamento que sobrevém no curso de uma doença aguda (ex.: crise cardíaca, crise de epilepsia). 2. Manifestação súbita de um estado emocional ou nervoso (ex.: crise de choro, crise nervosa). = ACESSO, ATAQUE. 3. Conjuntura ou momento perigoso, difícil ou decisivo. 4. Falta de alguma coisa considerada importante (ex.: crise de emprego, crise de valores). 5. Embaraço na marcha regular dos negócios. 6. Desacordo ou perturbação que obriga instituição ou organismo a recompor-se ou a demitir-se.
As efemérides podem ser mais ou menos oportunas, mais ou menos oportunistas. Contudo, também podem constituir um pretexto para se comemorar menos genealogias ou filiações do que para se pensar novas formas de afiliação (Edward W. Said), mediante o confronto crítico com autores, pensadores, ativistas. O nascimento de Aimé Césaire em 1913, o falecimento, em idade avançada, de W. E. B. Du Bois em 1963, bem como a morte prematura de Amílcar Cabral em 1973 constituirão o pretexto para se revisitar os seus textos e causas políticas a partir de uma perspetiva contemporânea, ou seja, relendo criticamente autores anticoloniais em tempos de crise.
As vidas e escritos de Cabral, Césaire e Du Bois foram marcados por itinerâncias e intercâmbios constantes, ao longo e para além do Atlântico Negro (Paul Gilroy). Esta condição não correspondeu, contudo, a um mero posicionamento entre mundos ou culturas, antes requereu um confronto crítico com teorias e a sua tradução para diferentes contextos geográficos e históricos. Implicou ainda a necessidade de construção de uma identidade panafricana ou negra como condição de ancoragem nacional ou local, o que incluiu o confronto com tradições existentes ou a reinventar – para além do “sangue e do solo”. São estas dimensões transnacionais que há que reequacionar na nossa contemporaneidade. Até que ponto serão os começos anticoloniais – essa tabula rasa que caracterizaria o ato de descolonização (Fanon) – ainda capazes de dar conta dos desafios com que o mundo hoje se depara? Como deverão esses começos absolutos ser lidos face à exigência de novas epistemologias, à crítica de um conceito unilateral de modernidade? Serão essas exigências radicais ainda relevantes num mundo caracterizado, segundo as teorias pós-coloniais, por ambivalências híbridas e processos de crioulização? Ou poderão – se lidas de forma renovada – ainda oferecer alternativas à recolonização imposta pelos fluxos do capital e financeiro, ao novo controlo sobre todas as coisas vivas, às novas formas de explorar e disciplinar o trabalho, a nível transnacional, tendências que as teorias sobre mobilidade, nomadismo e globalização raramente abordam? Até que ponto serão Cabral, Césaire e Du Bois relevantes para se pensar a crise que testemunhamos à escala global e se imaginar uma política efetivamente nova?
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Organizadores: Manuela Ribeiro Sanches, Françoise Vergès, José António Fernandes Dias