O divertimento do ‘Unce’
‘Unce’ é um termo swahili que significa divertimento. Trata-se de um ritmo musical urbano de influência árabe e contemporâneo da Marrabenta. Produto da mestiçagem cultural africana e muçulmana, a sua origem está associada a indivíduos muçulmanos provenientes das Ilhas Comores, cantado e tocado em ocasiões festivas como aniversários e casamentos de pessoas que professam o Islamismo. Em Moçambique, o Unce tornou-se conhecido no bairro da Mafalala onde existia uma comunidade comoreana bastante dinâmica. Esta comunidade, através da Associação Recreativa de Beneficiência Comoreana e da Associação Mahometana Comoreana, realizava bailes bastante concorridos nas suas instalações entre os anos 1940/60. O ‘Unce’ comprova a diversidade cultural de Moçambique e a dinâmica cultural da Mafalala, bairro onde grandes personagens do panorama político, social, cultural e desportivo moçambicano se criaram.
Os comoreanos, como eram popularmente conhecidos na Mafalala, emigraram para Moçambique à procura de melhores condições de vida. Trabalhavam como empregados de mesa, na indústria açucareira e no comércio e exerciam o sacerdócio, uma vez que eram indivíduos com uma formação religiosa bastante sólida. O ritmo não se tornou tão popular quanto a Marrabenta, pelo facto de estar restrito a ambientes familiares e religiosos. A expressão maior do ‘Unce’ é Juma Mukhatsika, músico e poeta que criou várias músicas que se tornaram populares no meio suburbano de Maputo. Podemos destacar a música que dedica a Matateu que diz que ‘a bola fugia a Matateu de medo’. Esta música foi popularizada por Gonzana (Hassiade Múmino), ex-membro do Conjunto João Domingos, e outros músicos como Wazimbo que também interpretou alguns dos seus números. Para além de Juma Mukhatsika, neste género musical destaca-se ainda Juma Mulinde, outro grande intéprete que tocou vários músicas deste ritmo.
Bandas como Au Lad Fedha, Au Lad Comoria e Jazz Racine eram as mais conhecidas na interpretação destes números pela população local. Estas bandas estão por detrás da estilização do ‘Unce’. Com elas, as músicas que até então eram cantadas e dançadas ao som de palmas, passam a ser tocados com instrumentos europeus. A morte destes dois músicos fez o “unce” mergulhar no esquecimento dado que este voltou a ficar circunscrito a espaços familiares, e conhecido apenas por pessoas contemporâneas deste género musical. Presentemente há uma tentativa de reavivá-lo por Júlio Silva produtor musical que, em coordenação com a jovem cantora Júdice, tem estado a reinterpretar velhas músicas com nova roupagem. A verdade, porém, é que hoje pouco se fala do Unce e da música estilizada de influência árabe. Esta não é conhecida pela maioria da população.
Após a independência, apenas o agrupamento Eyuphuro de Nampula e o Tufo Feminino da Mafalala se tornaram uma referência em termos de música de influência árabe. O agrupamento Eyuphuro efectou uma digressão internacional nos inícios de 2000 e desapareceu após conflitos com o seu produtor. Mas o seu charme e originalidade continuam a ser lembrados pelos fãs.