Rosa Parks e Frantz Fanon no Rap Moçambicano

“Pantera” é a mais recente colaboração do rapper moçambicano Duas Caras com Azagaia e Ras Haitrm. Faz parte do álbum Afromatic do músico e chamou a minha atenção pelo facto de versar entre a ancestralidade e atualidade, e pelas referências aos grandes pensadores que sustentam o antirracismo.

Apesar de ser o último a rimar durante os quase quatro minutos da música, Duas Caras, também conhecido como Cara Boss e um dos fundadores da produtora GPRO, que tinha uma linha mais leve e colada ao rap battle, com colaborações com Valete e Sam the Kid revela neste single o seu lado panafricanista e que as pontes entre rap e hip-hop não estão apenas ligadas por rimas e batidas.

O single conta a História do continente africano e das suas constantes revoluções, não fosse esse o denominador comum em quase todos os países de norte a sul. Não querendo ser spoiler, tenho mesmo de referir que em Pantera encontramos o cinema através de Kuxa Kanema, as primeiras sessões de propaganda pela sétima arte, a consciência da aculturação e da assimilação e um regresso às raízes africanas que coincide com a luta pela identidade dos afrodescendentes do outro lado do mundo, já que, apesar das pontes aéreas, estes músicos são presença constante no digital.

O filósofo e psiquiatra martiniquês Frantz Fanon - que há pouco tempo ficou conhecido pelas massas portuguesas por uma frase citada pelo ativista Mamadou Ba que, retirada do contexto, levou a que pedissem a sua extradição de Portugal — é aqui mencionado por Duas Caras numa homenagem à resistência ao imperialismo. Também é referida a ativista americana Rosa Parks, um ícone do orgulho negro por se ter recusado a ceder lugar a um homem branco, numa altura em que os Estados Unidos da América ditavam a segregação racial e despontava a luta pelos direitos civis.

De Trotsky a Paulina Chiziane, Pantera é uma homenagem aos revolucionários que, em várias décadas e gerações, foram determinantes para chegar aos dias de hoje. É aqui que Azagaia entra na linha da frente e sem refrão. Conhecido por ser a voz dos moçambicanos no seu país e no mundo o rapper e ativista mantém a sua solidez na abordagem neocolonial. Usurpando o termo “rima honesta”  Azagaia personifica o povo no poder e confronta a atualidade de Moçambique com a africana.

Este encontro de Panteras moçambicanas é equilibrado pelo ritmo e ideais Rastafari do internacional Ras Haitrm que chama à atenção para uma realidade global.

Acende a chama da liberdade k hoje começa a revolução

Fogo na sanzala são os pretos em rebelião

Espalha/ a boa nova pelos campos de algodão

Kuxa kanema  pra essa nova geração

De baby boomers, vítimas da aculturação

Ualalapi, nova edição/ pega a visão

Mo puto a gente só assimila a sensimila dos jardins

Da nossa  consciência o killmbo onde somos frees

Tipo  frantz fanon em beats, quando eu deslizo

caracóis crespos não há creme que alise os  tropicalíssimos

Forjados com usuwa amarela no matabicho

Filhos de orisha/ yap meu  de santo não é joão

Avisa na metrópole que esses novos pretos

Não/ são pretos quaisquer são pretos que citam trotsky

Netos da paulina  de Sheik anta diop e Garvy

Rosy Parks  deste assento ninguém move me

Vai um pelo bobby e acendo dois pelo Malcom

To com a harriet tubman no mesmo vagão,  e lá estão , fred hamptons

brado africano/ black phanters/

Este anthem  panafricano my

redemption  song/

por Magda Burity da Silva
Palcos | 30 Março 2022 | antirracismo, rap, rap moçambicano