Quando a dor se transforma em cor | Exposição “Sinergia de Emoções”
Cheguei ao Espelho de Água trinta minutos após a inauguração da exposição Sinergia de Emoções. No caminho não fazia ideia do que me esperava. Aquela zona de Belém, tão ligada ao Estado Novo o Padrão dos Descobrimentos, o Tejo, a Rosa dos Ventos no chão traz-me, nesta época, muitas inquietações e, finalmente, ia a uma exposição de duas mulheres moçambicanas, sob a curadoria de Daniel Lucas.
O trabalho de Taíla Carrilho e Nalia Agostinho foi-me apresentado ali. Como se o tivesse conhecido sempre. Comecei por uma viagem pelo mundo da Taíla que me indicou um ponto de partida, um caminho, organizado meticulosamente pela artista e que se percorre pelas quinze obras desenhadas a tinta-da-china, carvão e aguarela. Técnicas mistas usadas para esta exposição que tem muito vincada a sua expressão gráfica.
Licenciada em Design Gráfico, na África do Sul, a designer combina a precisão do desenho com o caos e o amor da mensagem que senti. Nem sempre o que é caótico destrói e nem sempre o amor é perfeito. É com emoção e dor que Taíla retrata mulheres africanas ancestrais e contemporâneas. Porque no final do dia somos todas mulheres que somos levadas por vários turbilhões emocionais que nos fazem pensar no nosso papel e reinventar esse posicionamento.
Numa altura em que quase que nos obrigam, como mulheres negras, a manifestar e a reclamar a nossa “Identidade”, como se tudo o que escrevemos, falamos, desenhamos, pintamos e fazemos tem de ser africano esbarro-me com a explosão de cores da expressão de Nalia Agostinho onde me revejo, apenas, como mulher. Também revejo um universo feminino de décadas com várias outras parceiras de caminhada nas lágrimas, gargalhadas, partilhas, conversas, dúvidas e certezas.
Ou apenas tentarmos abraçar um imbondeiro e simplesmente sentir-me nua e livre como as obras “Colibri” e “Corpos Insubmissos”. Quem nunca?
Esta sinergia de emoções convida-nos a olharmos de dentro e para fora como a “Sinergia dos Sonhos”, uma tela pintada a acrílico, tinta de óleo e pastel de óleo, meios utilizados por Nalia. A artista, depois de acabar o curso de Ciência Política em Itália em 2018, decidiu que ia pintar profissionalmente, revelando-se uma mestra em emoções. Mais do que a técnica é a visão sobre a vida e as diferentes cosmologias com que nos confronta. É redundante estar sempre a repetir o sexo feminino e ao mesmo tempo um desafio para mim ensaiar este texto sobre uma exposição que me tocou profundamente e onde é notória a escala das obras das duas artistas. Enquanto Taíla me estimulou a uma introspeção interna e silenciosa, Nalia abriu a sua obra, não só em dimensão mas em intensidade.
Sororidade, dor, ambiguidade, amor, parceria, identidade, mas, acima de tudo, admiração pela capacidade destas duas artistas moçambicanas. Ultrapassaram a fronteira do seu país e continente e, na acelerada metamorfose em que vivemos, com esta arte permitem-nos respirar.
Artigo produzido como trabalho final do curso Comunicação Cultural para os PALOP, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, coordenado por Marta Lança (BUALA).