A propósito da morte de RUY DUARTE DE CARVALHO
Li algures, há muitos anos, a seguinte frase: “Todos os grandes homens já morreram”. Creio que foi a propósito da morte do jurista francês Jean Bodin, tido por muitos como o “Pai da Ciência Política”, pela sua teorização sobre a soberania. Também de muito cedo fui sabendo que não são poucos os grandes homens que morrem no exílio.
O grande poeta, contista e ficcionista português, Mário de Sá-Carneiro, morreu em Paris, no bairro de Montmartre, no primeiro quarto do século XX, vítima de suicídio prematuro. A alma de Mário Pinto de Andrade, político e intelectual angolano, emigrou para o etéreo a partir de Londres, sem ter antes podido regressar ao seu (nosso) país. O franco–argelino Albert Camus deixou a sua alma a vaguear sobre Paris, onde morreu de acidente. Longe, portanto, da Argélia onde nascera e que amava.
O Ruy Duarte de Carvalho, poeta, antropólogo, cineasta, artista plástico, angolano por adopção, nascido em Portugal, morreu na Namíbia, em Swakopmund, numa espécie de exílio voluntário. Foi encontrado sem vida, em sua casa, no dia 12 de Agosto de 2010. Soube da sua morte, por mensagem do Gégé Belo, e logo pensei: “É mesmo verdade, os grandes homens já morreram, e muitos deles morrem no exílio…”
Sentia-se que o Ruy Duarte de Carvalho vivia um exílio interior, e queria terminar os seus dias em paz, sem torturas psicológicas. Estava em fuga da agressividade e da turbulência da vida de Luanda, onde até se torturam os anjos… Ao ir para a Namíbia, em Swakopmund, o Ruy Duarte reconquistava, assim, o espaço de liberdade que lhe daria condições para reflectir e produzir intelectualmente. Fugia do bulício, como o fez José Saramago, em Lanzarote, nas Canárias.
Quando Mário de Andrade morreu, o Cardeal Dom Alexandre do Nascimento disse que o Mário lhe havia confessado que gostaria de terminar os seus dias enclausurado num Convento. Desse modo, retomaria a paz de que precisava. Iria ter tempo para reflectir, serenamente, sobre tudo quando fizera na vida… O Mário, vítima de um exilo político, precisava, afinal, de um novo exílio – desta vez, de um exílio interior. Com ele, ganharia para si os últimos anos da sua vida, já que os anteriores 60 anos tinham sido praticamente utilizados apenas a pensar nos outros…
O Ruy Duarte de Carvalho, meu amigo, exilou-se em Swakopmund, para continuar a ser feliz, como ele precisava. Pretendeu partilhar os últimos dias da sua vida consigo próprio. Como, afinal, merecem os grandes homens. Teve, sim, razão, quem disse: “Todos os grandes homens já morreram”.
(22/11/2010)
do livro O que não ficou por dizer, de homenagem ao autor