48 horas, algures nos últimos quinze anos …
10 da manhã
Onde tudo definhava já, o amarelo seco tornou-se num verde triunfante. As chuvas fustigam os milheirais em Nguer Malal, enquanto um chauffeur zeloso evita as crateras da estrada mal cuidada. Fico impaciente nos bancos de trás.
Louga, terre des modou modou.
11 da manhã
Aviso: não me digas o que pensar! Ainda menos com o sufoco do ar húmido e quente.
No Cavaleiro e a Sombra de Boris Diop, Khadija, a mulher corajosa, desaparecida há oito anos, manda missiva a Lat Sukabé. Lat tem pinta de otário excessivamente romântico e deixa tudo porque a morta afinal não está morta.
Kebemer, a terra de Wade.
Ngaye, a terra de todas as sandálias.
Meio dia
As chuvas tropicais ensopam tudo, até os bancos suam. Livro pousado. Olho para a pulseira, o anel, plaqué en or, gordos e opulentos, que parecem inchar nas mãos da mulher senegalesa. Exibir desmesuras é um desporto.
Tivaouane, terra de conversão.
1 da tarde
Khadidja e Lat Sukabé viviam entre o cheiro da merda e o cheiro da erva, no ambiente já de si infecto do Hotel do velho Demba Niang. Khadidja redobrou o tempo utilizado na toilette para sacar dignidade à pobreza. Porque andam juntas dignidade e pobreza?
Diamnadio, terra de novos ricos?
2 da tarde
Chez Astou almoça-se. Os olhos viram-se para os recém-chegados. Aos que passam dá-se de comer. É a Teranga.
3 da tarde
Ganale ou ‘ser um gan’ (um forasteiro). Comer, beber, descansar, dormir na melhor cama da casa, instalar-se numa poltrona.
4 da tarde
Biir Ndakarou, o ventre de Dakar. Kidding! O centro de …
5, seis, 7 da tarde
Mercados do desejo.
Na Quatre Vents, uma livreira muito baixinha, com respostas muito seguras, e um francês possidoniamente hiper-corrigido, vende embirrações. Não muito longe, alguém bate o pé impacientemente, obrigando-me a pensar nas virtudes da solidão. Eu queria apenas os livros de Ken (alguém) mas parece que já não posso comprar um livro em paz!
Mohamed V, General Pompidou, Émile Badiane, attention, c’est la bouscoulade! O atropelamento dos corpos deixa mazelas e cansaço. Uma paragem para respirar e os bana-bana (ambulantes) oportunistas atiram-se logo ao toubab. Um dedo que aponta alguma coisa é um dedo a mais. Em Sandaga e Petersen então é mesmo melhor esconder os dedos nos bolsos.
8 da Noite
Chowarma versão Dakar com líbios vindos de França já sem Kadaffi.
O engarrafamento começa. Entre Pikine e Fass Mbao o tempo abranda. Um chauffeur pouco sentimental e sem salamaleques sabe como pôr os seus adversários no lugar.
Comer milho assado é coisa da época.
9 da Noite
Finalmente um pouco de água no corpo e uns minutos para respirar. Esta é uma casa de mulheres, sob o telhado de dois apartamentos jumelados, duas esposas, grávidas de dois bébés, mas apenas um marido, ausente.
10 da Noite
O canal TSL exibe um filme onde a contagem do tempo de vida é um cronómetro no braço das pessoas. O Tempo troca-se, dá-se, rouba-se. O Justin Timberlake não é um actor mas um produto para vender filmes. Queremos forçosamente ser donos do tempo do qual somos escravos !? As duas amigas dão não sei que passeio.
11 da Noite
Dormir num terraço em noite quente e húmida, com vento fresco, tem um certo romantismo. Os olhos pesam. O mosquiteiro é uma fortaleza. Foda-se, relâmpagos!
2 da manhã
O sono é breve mas parece um sonho. Um vento frio anuncia a chegada da tempestade. Dakar tem sofrido com as chuvas deste ano. Fuga de colchão e almofada.
3, quatro, cinco, seis, 7 da manhã
Luta com o calor e com os zunzuns que levam vantagem de 30-0. O paraíso desceu aos infernos.
8 da manhã
Não entendo a necessidade de esbanjamento.
9 da manhã
O velho Barbosa, traducteur assermenté, conhecido pelo seu mau humor, sente falta de palrar em português.
O taxista não é nem um guerreiro nem um justiceiro, é um vedadeiro parvalhão! Eu tinha insistido que não queria apanhar aquele táxi depois de ouvir apenas duas frases entredentes. Há tipos que não conseguem esconder a estupidez.
10 da manhã
Vistos de passagem? De onde para onde? De que vida para que vida? Não chega ainda de metamorfose? Expressar ou não expressar dúvidas íntimas, eis a nossa diferença!
Amitié zona AB é a Dakar tranquila.
11 da manhã, meio dia, 1 da tarde
Petersen: o que se vende verdadeiramente neste bazar? Uma vendedora de sumos faz 10k num dia muito bom debaixo de um sol insuportável. E os ambulantes desoeuvrés? Jovens, homens, meia dúzia de mercadorias na mão, uns pares de calças ou uns perfumes … como quem começou hoje a sua primeira empresa de porta em porta. Self-made-men à jorna. Amanhã já cá não estão …
Os chineses na retaguarda de todas as ruas estão sempre guardados por um senegalês com ar triste e pachorrento.
Na frente, onde se joga o jogo, os megafones repetem com grande espalhafato “body 1300 body 1300 body 1300”.
Tudo tem um preço, até para pedir trocos se paga comissão.
Arrasto bagagens e fujo do sol, com a sensação de estar num sítio que se reinventa a cada dez minutos. O fim do dinheiro é o fim do tour.
2 e três da tarde
O nós parece mais um …
4 da tarde
Um bêbado insiste que eu não tenho força para carregar o meu saco e metê-lo na bagageira do sept places, porque na verdade o estou a impedir de extorquir-me uma moeda. Pompiers c’est le bordel!
5 da tarde
“De l’autre cotê du regard” de Ken Bugul ganha a dianteira sobre o cavaleiro de Boris. As cartas de Bakar Ndaw trazem notícias do exílio: pessoas que morrem, pessoas de quem se espera a morte e pessoas que se queria rever. A sobrinha está morta. A sobrinha invejada, que roubara a atenção da mãe de Ken (alguém), vivia acompanhada pelo seu faru ráb (amante djiin). Um colchão imundo serve de almofada improvisada no vidro traseiro de um Peugeot 504.
6 da tarde
Silêncios.
8 da Noite
Que fazer? Já sabia que não haveria carros para a aldeia, apesar da insistência e teimosia dos nativos. Mas aqui é o Senegal, nunca se sabe.
9 e dez da Noite
Estrada, silêncio, cansaço, pensamento indefinido.
11 da Noite
O desporto preferido de alguns é mostrar compras. O desporto de outros é bullshit.
Meia Noite
…
9 da manhã
Rituais. Contra-sensos. Desacordos.
… um percebe que o outro manipula que o outro finge que o outro não digere
10 onze meio dia
… expansão de cultivo da banana ou o desgaste do ócio. CLANK muros vêm abaixo. CLANK ferros dobram sobre golpes intensionalmente violentos. CLANK o chão quebra. CLANK um coração ferido, porque a incerteza é o pior inimigo.
1 da tarde
Thiebou Djén é o prato nacional do Senegal. Aqui há thieb quase todos os dias
2 da tarde
siesta
3, quatro, cinco, seis, sete, da tarde e 8 da Noite
O que é a fotografia? pergunta de fotógrafo amador com aspirações.
9 da Noite
Comer pouco e rápido é o truque para escapar a contactos indesejados
10 da Noite
Portugal deprimido. Política portuguesa e tristeza.
11, da Noite
Não há fôlego que aguente.
Meia Noite
…
8 da manhã
Rituais.
9 da manhã
Burocracias e dinheiro. Corrupção dentro e fora dos gabinetes, entre pais e filhos, entre todos.
Am Báat (lit. ter voz; quer dizer, ter algo a dizer, ter uma palavra que conta) é a luta do kilifa (o master of puppets). Mother, Yaye, F you.
10 da manhã
Uma cidãdã indignada quer mandar foder a classe política! Eu quero mandar foder muita gente! Mandar foder sempre foi um bálsamo.