AZAGAIA tornou-se símbolo da revolta
O “rapper” Azagaia já era antes ostracizado pelas autoridades e fôra convocado, uma vez, para um interrogatório por “atentar contra a segurança do Estado”. Agora é o símbolo vivo de uma revolta em que a juventude está na primeira linha.
Ainda há poucos dias, mesmo em vésperas da revolta, uma das peças cantadas por Azagaia num concerto em Maputo punha em causa o crime económico que grassa em Moçambique. Aí referia o caso do empresário Momade Bachir Suleman, que foi recentemente detido nos Estados Unidos sob acusação de narcotráfico.
Azagaia, de seu nome Edson da Luz, é um músico de 26 anos, filho de pai cabo-verdiano e mãe moçambicana, e tem tudo para se tornar um ídolo da juventude. Ele não se limita a denunciar a corrupção das esferas do poder económico e político, mas também as medidas que directamente atingem as condições de vida da população.
Em declarações citadas pela agência Lusa, o cantor afirma que “o custo de vida subiu muito em Moçambique, tem consequências diretas sobretudo paras as pessoas que vivem com o salário mínimo ou não têm salário. Basicamente são essas pessoas que se estão a manifestar, e que se sentem excluídas, marginalizadas até certo ponto”.
Essas pessoas, explica Azagaia, revoltam-se porque “não têm nada a perder”. O cantor toma a defesa dos manifestantes acusados de “marginais”, afirmando que “são marginais, sim, mas no sentido de acabarem por ficar de fora, e são vítimas. São pessoas que não têm nada a perder e a partir do momento em que vandalizam lojas, centros comerciais, percebe-se que são pessoas que não têm nada a perder”.
Um dos slogans das manifestações de ontem, “O Povo ao Poder”, já antes inquietava as autoridades quando apenas fazia parte de uma das canções de Azagaia. Por essas e por outras, o artista fora uma vez convocado a explicar-se perante a Procuradoria Geral da República, suspeito de “atentar contra a segurança do Estado”.
A convocatória acabou até por reforçar a posição do cantor. Tornou-se claro que, apesar de “continuar a existir censura”, é possível criar um espaço de crítica e protesto, pelo “facto de terem um Azagaia que diz o que diz e continua vivo … E isso são as questões principais, continuo vivo, a fazer as músicas que faço, a aparecer publicamente, e isso faz as pessoas acreditarem que é possível criticar a sociedade, o governo, e sem receber represálias directas”.
Perante a identificação quase automática entre o cantor e a revolta, Azagaia adopta, nas mesmas declarações citadas pela Lusa, um perfil prudente: “É difícil avaliar até que ponto poderei ter influenciado as pessoas, mas uma coisa é certa: tanto eu como Azagaia, e se calhar o fenómeno social Azagaia, e também a imprensa nacional, tudo isto combinado, faz com as pessoas se sintam mais libertas para dizer o que pensam, o que acham”.
Isso não significa, contudo, que Azagaia não tenha consciência dos seus méritos, porque, ao atacar “mais abertamente os problemas, eu faço a minha parte, com a minha música, e isso estimula as pessoas a expressarem-se com maior liberdade”.
Azagaia sabe que o seu sucesso lhe permite irradiar e transmitir uma mensagem, mas não deixa de assinalar o abismo que existe, apesar de toda a empatia, entre um músico de sucesso e esses que o senso comum rotula de “marginais” e que vivem no “caniço”, o ghetto da pobreza suburbana em Moçambique: “estou em Maputo, e isto está a acontecer na periferia. É nos bairros suburbanos que as pessoas sentem de verdade esta subida do custo de vida. A classe média que agora se está
a desenhar, e a classe alta não sentem muito”.
Da revolta, será preciso tirar ensinamentos. Uma das possiblidades encaradas pelo cantor é a mudança de atitude das autoridades: “Espero que o governo seja menos arrogante, que haja mais comunicação entre o governo e o povo. E, acima de tudo, se estamos numa crise, que haja contenção de custos. (…) Espero que o governo ponha mão na consciência e comece a comportar-se como um governo que está a passar por uma crise.”
Se isso não suceder, continuará a estar na ordem do dia a palavra de ordem das manifestações de ontem e das canções de antes: “o povo ao poder”.
António Louçã, da RTP