De "Juventude em Marcha"
“Nha cretcheu, meu amor
O nosso encontro torna a nossa vida mais bonita, pelo menos
há mais de trinta anos.
Pela minha parte, torno-me novo e volto cheio de força.
Eu gostava de te oferecer cem mil cigarros,
um automóvel,uma casinha de lava que tu tanto querias,
um ramalhete de flores de quatro tostões.
Mas antes de todas as coisasBebe uma garrafa de vinho do bom,
Pensa em mim.
Aqui o trabalho nunca pára.
Agora somos mais de cem.
No outro ontem, no meu aniversário
Foi altura de um longo pensamento para ti.
A carta que te levaram chegou bem.
Não tive resposta tua.
Fico à espera.
Todos os dias, todos os minutos,
Todos os dias aprendo umas palavras novas e bonitas, só para
nós dois.
Mesmo assim à nossa medida, como um pijama de seda fina que
tu não queres.
Só posso te chegar uma carta por mês.
Ainda sempre nada da tua mão.
Fica para a próxima.
Às vezes tenho medo de construir esta parede
Eu, com picareta e cimento
E tu, com o teu silêncio
Uma vala tão funda que te empurra para um longo esquecimento.
Até dói cá dentro ver estas coisas más que não queria ver
O teu cabelo tão lindo cai-me das mãos como as ervas secas.
Às vezes perco a força e juro que vou esquecer de mim. ”
Juventude em Marcha, Pedro Costa, 2006
Pedro Costa:
Essa carta imagina como é que vem a um pedreiro uma declaração de amor. Este pedreiro que construiu um museu onde está um quadro de Rubens, mas que não entra lá. Ventura construiu o Museu Calouste Gulbenkian de Lisboa. Ele sabe melhor do que ninguém onde estão localizados os bancos, e tem mais direito de olhar o quadro do Rubens do que muitos que passam por ali. Rubens tem uma frase bonita: “Não pinto para o marchand da Côte d’Azur, pinto para o operário que está construindo aquela casa ali em frente, mesmo sabendo que ele provavelmente não vai querer o meu quadro”. Faço meus filmes para o Ventura, sabendo que ele – ou outros também – provavelmente não vão querer esses filmes. A carta é um pouco isso, são as coisas que ele quer e são as coisas que eu quero, combinadas. E também coisas que eu não quero, mas que tenho que aceitar, e coisas que ele não quer, mas que tem que aceitar. É importante isso: há coisas no filme que o próprio Ventura não gosta.
O resto da entrevista com o realizador aqui.