Exposição Enciclopédia Negra pela primeira vez em Portugal
Ampliar a visibilidade de personalidades negras até hoje pouco conhecidas
A exposição Enciclopédia Negra, que pela primeira vez é mostrada fora do Brasil, é composta por mais de 100 retratos de personalidades negras como políticos, artistas, sambistas, advogados e engenheiros, entre outros, que foram sistematicamente invisibilizados pela história oficial. Esses retratos são, na sua maioria, ficções porque, na história da pintura, estas personagens não existem: o retrato era apenas usado pelas classes privilegiadas. A inauguração realiza-se a 20 de junho, pelas 19h00, na Sala de Exposições da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa. O dia termina com uma roda de falar com MC Carol, Farofa e DJ Dorly, no Pátio das Artes.
“A exposição Enciclopédia Negra faz parte de um amplo projeto, que se iniciou em 2016, e que pretende ampliar a visibilidade de personalidades negras até hoje pouco conhecidas,” explica Nuno Crespo, diretor da Escola das Artes. Contou com o apoio da editora Companhia das Letras, do Instituto Ibirapitanga, da Pinacoteca de São Paulo, do Soma e dos 36 artistas que aderiram ao convite e lhe deram realidade. A mostra traz mais de 100 obras que se pautaram nos verbetes escritos para o livro homónimo de autoria de Flavio Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz, que apresenta 417 verbetes e mais de 550 biografias.
“Um constrangedor silêncio invade os arquivos da escravidão, os livros didáticos e acervos de obras visuais,” refere Lilia Moritz Schwarcz, uma das curadoras da exposição, acrescentando “neles, as referências acerca da imensa população escravizada negra que teve como destino o Brasil – praticamente a metade dos 12 milhões e meio de africanos e africanas que aportaram no país, desde inícios do século XVI até mais da metade do século XIX, são ainda muito escassas.” Também é pouco mencionado o protagonismo de negros, negras e negres que conheceram o período do pós-abolição; aquele que se seguiu à Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, a qual, longe de ter sido um ato isolado, correspondeu a um processo coletivo de luta pela liberdade, protagonizado por negros, libertos e seus descendentes.
Os curadores da exposição entendem que “Narrar é uma forma de fazer reviver os mortos e cada tela traz uma linda história: foram pessoas que se agarraram ao direito à liberdade; profissionais liberais que romperam com as barreiras do racismo; mães que lutaram pela alforria de suas famílias; professoras e professores que ensinaram seus alunos a respeito de suas origens; indivíduos que se revoltaram e organizaram insurreições; ativistas que escreveram manifestos, fundaram associações e jornais; líderes religiosos que reinventaram outras Áfricas no Brasil.”
A Enciclopédia Negra pretende, também, contribuir para o término do genocídio dessa população. Pois tornar estas histórias mais conhecidas e dar rostos a estas personalidades colabora para a reflexão por trás das estatísticas, que nos acostumamos a ler todos os dias nos jornais, “naturalizando” histórias brutalmente interrompidas; seja fisicamente, seja na memória.
Esta é a última de quatro exposições do ciclo “Não foi Cabral: revendo silêncios e omissões”, um programa em co-curadoria entre Lilia Schwarcz e Nuno Crespo, que contemplou uma agenda de concertos, conferências, exposições e performances. O ciclo é organizado pela Escola das Artes, em parceria com a Universidade de São Paulo (Brasil) e a Universidade de Princeton (EUA). A exposição estará patente ao público até 4 de outubro.