Depois da eleição de Obama, é mais difícil falar sobre raça na América
Quando Barack Obama reagiu à morte de Trayvon Martin, o jovem afro-americano abatido a tiro num condomínio privado da Florida por um vigilante nocturno em Fevereiro deste ano, os jornalistas que cobrem a Casa Branca andavam há cinco dias a tentar obter um comentário do Presidente americano sobre um caso que ganhara a dimensão de uma tragédia nacional.
A intervenção de Obama não podia ter sido mais moderada. Ele falou sobre o caso de uma forma pessoal, dizendo que “se tivesse um filho, ele seria parecido com Trayvon”. Obama não convocou uma conferência de imprensa nem voluntariou a sua opinião. O seu comentário foi uma resposta a uma pergunta (a única pergunta) que os jornalistas puderam fazer na primeira oportunidade que tiveram de se encontrar frente a frente com o Presidente – durante o anúncio da nomeação do novo presidente do Banco Mundial.
Antes de Obama pronunciar-se sobre Trayvon Martin, a condenação do caso transcendeu divisões partidárias e os apelos a uma investigação séria e credível sobre os acontecimentos foram consensuais. Depois de Obama ter falado, tornou-se um tema radioactivo.
Antes de Obama pronunciar-se, o caso proporcionou um momento de introspecção, com a América a questionar se vivia mesmo numa era pós-racial depois da eleição de um presidente negro. Depois de Obama ter falado, a direita (que tem na Fox News o seu megafone) começou a reagir contra a ideia de que o caso tinha sido motivado por preconceitos raciais.
A teoria de que George Zimmerman, o suspeito que aguarda julgamento pelo alegado homicídio de Trayvon Martin, é na verdade uma vítima de manipulação racial, começou a ganhar terreno. A National Review, uma influente revista conservadora, sugeriu que as pessoas que insistiam em falar de racismo só se preocupavam com os homicídios de jovens negros quando os seus perpetradores eram brancos. Newt Gingrich, que na altura era um dos candidatos republicanos na corrida para a Casa Branca, reagiu ao comentário de Obama, dizendo: “Está o Presidente a sugerir que se tivesse sido um branco a ser alvejado, isso não seria um problema porque não seria parecido com ele?”
Como Presidente, Barack Obama tem evitado falar de raça. “Ele não quer que isso seja a questão que define as suas políticas”, diz à revista 2 Thomas Sugrue, professor de história e sociologia na Universidade da Pensilvânia especializado em estudos raciais e no movimento de direitos civis. (O seu livro Not Even Past: Barack Obama and the Burden of Race, publicado em 2010, é uma análise das transformações raciais da América que culminaram com a eleição histórica do primeiro Presidente negro.)
As raras vezes que o Presidente Obama mencionou questões raciais acabaram sempre por gerar controvérsia. “Mesmo os comentários mais inofensivos”, nota Thomas Sugrue.
Tanto ele como Mark Neal, professor de estudos africanos e afro-americanos na Duke University (Carolina do Norte), sugerem que muitos americanos elegeram Barack Obama para acabar de vez com a discussão sobre a desigualdade racial. (Thomas Sugrue é branco; Mark Neal é afro-americano.) “Nos Estados Unidos, as pessoas estão cansadas de falar na questão da raça”, diz Mark Neal. “E parte do que ajudou Barack Obama a atingir a meta em 2008 foi esse cansaço – a expectativa de que ‘não vamos ter de falar mais sobre isto’.”
A esperança trazida pela eleição de Obama, especifica este académico, “não era necessariamente que as relações raciais iriam mudar, mas que não teríamos de falar sobre o assunto”. A sua vitória permitiria transcender o trauma histórico da escravatura e da segregação. Ela representava o triunfo da integração: a cor de pele de Obama não o impedira de alcançar a liderança do país.
Mas poucos meses depois de assumir a presidência, no Verão de 2009, durante uma conferência de imprensa sobre a reforma do sistema de saúde, uma jornalista pede a opinião de Obama sobre o incidente Henry Louis Gates Jr., o professor da Universidade de Harvard e reputado intelectual afro-americano que foi detido por um polícia branco quando tentava entrar na sua própria casa. “O que é que isto revela sobre as relações raciais na América?”, perguntou a jornalista. Obama disse que o polícia “agiu de forma estúpida” e que as autoridades policiais americanas suspeitam “desproporcionalmente” de afro-americanos e latinos. Os comentários motivaram protestos da classe policial, que exigiram um pedido de desculpas do Presidente. As sondagens revelaram que a maioria dos americanos reprovava a reacção de Obama. Dias depois, o Presidente disse que lamentava os comentários que fizera inicialmente, notando que eles contribuíram para um “frenesim mediático” em vez de ajudar a dissipar o caso. Ele convidou o professor e o polícia para um encontro cordial na Casa Branca que ficou conhecido como a “cimeira das cervejas”.
Quase todos os observadores que se interessam por questões raciais acreditam que esse episódio foi uma lição para Obama . Foi o momento em que se apercebeu de que qualquer menção de raça da sua parte teria um efeito explosivo e tem procurado evitá-lo a todo o custo desde então. “Para muitos brancos e até alguns negros que tinham votado em Barack Obama”, diz Mark Neal, esse também foi o momento em que começaram a duvidar das expectativas criadas pela sua eleição.
“Desde a eleição de Obama, a discussão explícita de questões raciais tornou-se mais difícil”, diz Thomas Sugrue. “Não há nada de controverso em notar que existe uma longa história de assédio e/ou tensão entre afro-americanos e a polícia – essa é uma das cenas mais antigas da história americana. Mas se for Obama a dizê-lo, isso imediatamente causa uma tempestade.”
Nesse caso como no de Trayvon Martin, os comentários do Presidente levaram muitos dos seus críticos a acusá-lo de tentar criar barreiras raciais ou de injustamente injectar o tema da raça no debate político. “E todas as pessoas que disseram isso eram brancas”, explica Thomas Sugrue. “Elas não querem ouvir Obama a levantar questões de injustiça racial porque isso parece violar a promessa pós-racial” da sua eleição que continua a servir de caução “a tanta gente”. “Ele é um sinal de que ultrapassámos [o trauma racial] e se ultrapassámos isso, é perturbador ouvi-lo a reintroduzir questões de divisão racial no debate político nacional”, conclui Sugrue. Ponderando sobre este mesmo assunto na revista Esquire, o jornalista Charles Pierce escreveu recentemente que Obama “não pode fazer nem dizer nada que as pessoas brancas que votaram nele possam achar divisivas porque a sua função principal é fazer com que elas se sintam bem consigo mesmas”.
Nenhuma pessoa que pense de forma crítica sobre matérias de raça acredita nisso, mas a noção de que a América vive numa era pós-racial persiste no discurso popular – e ninguém se tem batido mais por essa causa, digamos, do que os críticos de Obama. Durante a eleição de 2008, qualquer comentário negativo sobre o candidato negro corria o risco de levantar suspeitas de racismo velado. Mas o facto de agora existir um Presidente negro na Casa Branca criou um contexto em que deixaram de estar à defesa e passaram ao ataque. Esse é um dos paradoxos da eleição de Obama: sob a ilusão de uma sociedade pós-racial, “o racismo intensificou-se”, escreve o jornalista Ta-Nehisi Coates num recente artigo na revista The Atlantic intitulado “Medo de Um Presidente Negro”.
Na Fox News, Glenn Beck afirmou que Obama sentia “um ódio profundo pelas pessoas brancas e pela cultura branca”, acusando-o de racismo invertido (um argumento que tem ressurgido com frequência entre a direita conservadora). Como um vídeo no YouTube atesta, alguns cartazes dos primeiros protestos do Tea Party referem-se ao Presidente como “um queniano que quer destruir a América”, comparam-no a Hitler, ou dizem coisas como “O Plano de Obama: Escravatura Branca”. “O Jardim Zoológico tem um leão africano e a Casa Branca tem um africano mentiroso!”, diz outro cartaz.
Um em quatro americanos acredita que Obama não nasceu nos Estados Unidos – e por isso a sua presidência não é legítima porque só um nativo pode ser Presidente. Em mais de uma dezena de estados, parlamentares locais apresentaram propostas de lei exigindo que os candidatos eleitorais, nomeadamente Barack Obama, mostrassem provas materiais da sua cidadania antes de o seu nome ser inscrito nos boletins de voto.
Segundo Mark Neal, isto não significa que os políticos republicanos sejam “necessariamente racistas”. Mas mesmo que não tenham sido os seus autores, eles deixaram essas narrativas florescerem. Por uma questão de pragmatismo: elas vieram reforçar o obstrucionismo a Obama. Durante as primárias republicanas, no início deste ano, Michele Bachmann, uma candidata favorita do Tea Party, disse que “as famílias negras viviam melhor durante a escravatura”. Rick Santorum sugeriu que os americanos negros estão habituados a depender da contribuição do Estado. Newt Gingrich descreveu Obama como o “presidente dos cupões alimentares”, uma referência aos subsídios atribuídos a famílias com rendimentos baixos ou pobres para ajudar a suportar os seus custos com a alimentação. Gingrich nunca fez qualquer referência a um grupo particular de americanos, mas, nota Thomas Sugrue, a conotação de palavras como welfare e cupões alimentares (food stamps) com a população negra “está profundamente enraizada na política americana e no discurso popular desde os anos 1950 e 60”. Apesar de as estatísticas mostrarem que a maioria dos americanos que recebe contribuições do Estado e subsídios alimentares é branca.
A questão racial tornou-se “o elefante na sala”, para empregar um coloquialismo americano : é o assunto de que ninguém fala abertamente, mas que é omnipresente e inescapável. Também por isso tornou-se difícil medir ou provar que as pessoas estão a falar de raça quando não estão a falar de raça. Entre a comunidade afro-americana, também há quem resista ao argumento de que a oposição a Obama é motivada sobretudo pelo desconforto racial – porque isso acabará por levar a esquerda americana a concluir que deverá evitar escolher mais candidatos negros no futuro. Além disso, não é primeira vez na história recente dos Estados Unidos que a legitimidade de um Presidente é posta em causa pela oposição. Os republicanos tentaram usar o escândalo Monica Lewinsky para impugnar Bill Clinton. Os democratas nunca perderam a convicção de que George W. Bush “roubou” a vitória a Al Gore em 2000 com a ajuda do irmão, governador da Florida, o estado que ditou o desempate eleitoral.
Tendo em conta este padrão, por que é que a resistência a Obama há-de ser determinada por factores raciais? Porque “ninguém estaria a pôr em causa o certificado de nascimento de John McCain ou de Al Gore”, diz Mark Neal. “Esse género de questões surge quando um Presidente é visto como ‘outro’.”
Seth Stephens-Davidowitz, um doutorado de Harvard, concluiu recentemente um estudo que mostra que o racismo teve um efeito maior do que se supôs inicialmente nas eleições de 2008. Ele calcula que Obama terá perdido entre 2 a 4 pontos percentuais do voto popular por ser negro. Pode não parecer muito, mas “na verdade é um número grande”, explica à 2. “A maioria das eleições americanas é bastante renhida, por isso perder 2 pontos percentuais teria custado a vitória ao candidato que ganhou em 30 % dos casos; perder 4 pontos percentuais teria custado a sua vitória em mais de metade das eleições presidenciais.”
Ninguém admite em estudos de opinião que é racista, por isso os cientistas sociais têm de procurar uma fórmula ou uma metodologia que permita estabelecer uma ligação entre atitudes raciais e comportamentos eleitorais. Seth Stephens-Davidowitz optou por olhar para a frequência com que certas palavras de teor racial – como “nigger” – são usadas em buscas no Google. “Quando estão no Google as pessoas tendem a ser muito mais abertas e muito mais honestas em relação àquilo que pensam, mesmo que isso seja politicamente incorrecto ou inaceitável do ponto de vista social”, diz o autor do estudo. “Toda a gente admite tudo ao Google!”, ri-se.
Depois de determinar quais as áreas do país com maior quantidade de buscas com uma carga racista, Stephens-Davidowitz percebeu que coincidiam com lugares onde há quatro anos Obama obteve um resultado abaixo das expectativas tendo em conta os hábitos de votação do eleitorado. Se as conclusões do estudo tivessem emergido em 2008, “muita gente teria recusado acreditar porque aquilo que estavam a sentir era tão bom”, nota. Em particular, que a raça de Obama iria ajudá-lo nas eleições, mais do que prejudicá-lo. O Washington Post sugeriu que a moral da história tanto pode ser negativa como positiva, dependendo do ponto de vista. Versão copo- meio-vazio: ainda existem racistas na América. Versão copo- meio-cheio: eles não foram suficientes para impedir a eleição do primeiro Presidente negro.
Seth Stephens-Davidowitz diz que o surpreenderia “se não houvesse um efeito relativamente semelhante” nas eleições de Novembro.
“Não sei se estava à espera que um Presidente negro na Casa Branca fosse mudar as relações raciais. A minha expectativa tinha a ver especificamente com o facto de ser Obama.” Reniqua Allen, uma jornalista freelance de 31 anos, publicou um artigo no Washington Post no auge da discussão sobre o caso Trayvon Martin, expressando a sua frustração pelo facto de Obama não falar mais sobre raça durante a sua presidência. “Há uma diferença enorme entre o Presidente Obama e o candidato Obama. Enquanto candidato, ele falava mais sobre raça”, diz à 2.
“Muitas pessoas esperavam que, enquanto Presidente, Obama seria um activo defensor dos interesses da comunidade negra”, nota David Garrow, um historiador do movimento dos direitos civis americanos premiado com o Pulitzer. “E isso nunca aconteceu.”
Numa entrevista publicada em Agosto, a revista Black Enterprise perguntou a Barack Obama como é que respondia às críticas de que a sua administração não fez o suficiente para apoiar empresários negros. “Não sou o Presidente da América negra. Sou o Presidente dos Estados Unidos da América. Quero que todos os americanos tenham oportunidade”, disse.
Daniel Gillion, um professor de ciência política da Universidade da Pensilvânia, examinou todas as declarações públicas dos presidentes americanos da era moderna e concluiu que nos dois primeiros anos do seu mandato Obama falou menos sobre raça do que qualquer outro Presidente democrata desde 1961.
Reniqua Allen está ciente de que “as circunstâncias” do Presidente Obama são “diferentes” das do candidato Obama. Ele teve de lidar com assuntos mais urgentes – uma economia insatisfatória e nada menos que duas guerras, entre outras coisas. Mas foi o próprio Obama que fez da raça uma questão tão central da sua história pessoal e da sua campanha de há quatro anos. Foi ele que disse que a questão racial não devia ser ignorada no discurso que fez depois da divulgação de um vídeo que mostrou o pastor da sua igreja, Jeremiah Wright, a amaldiçoar a América durante um sermão religioso. Tudo o que Reniqua queria de Obama , neste momento, era algum reconhecimento de que a igualdade racial é uma fantasia desmentida pela realidade das estatísticas. Desde que Obama se tornou Presidente, o desemprego entre a população negra aumentou para 15% (a média nacional é 8,1%) e 36% de afro-americanos vivem na pobreza, um número recorde.
“Os afro-americanos continuam a estar sobre-representados entre a população desempregada e empobrecida. Ainda existe imensa segregação racial no mercado imobiliário e no sistema educativo”, diz Thomas Sugrue. “Não quer dizer que não tenha havido progresso. Os afro-americanos estão presentes na elite americana em números que seriam impensáveis há meio século. Mas isso não significa que esses benefícios tenham repercutido no resto da população.”
“Eu gostaria que Obama não fosse visto como a excepção”, diz Reniqua Allen. “Obama foi o prego no caixão, a prova definitiva de que a identidade racial não é uma limitação, de que os americanos negros podem fazer tudo o que os americanos brancos fazem.” Mas essa é “uma narrativa incompleta”, nota. Ela privilegia as histórias individuais de sucesso, que são abundantes – Oprah Winfrey, Jay-Z, Barack Obama – mas “esconde o facto de que a comunidade afro-americana não fez tantos progressos”. O triunfo de Obama dissimula “alguns dos problemas estruturais – as coisas que ainda aqui estão, que não vão desaparecer, que não acabaram durante a sua presidência”.
Reniqua diz que depois da eleição de Obama, é mais difícil para pessoas como ela falarem de raça. O seu artigo no Washington Post começa com a descrição de uma saída à noite com o seu grupo de amigos, em que fez um comentário sobre a presença desproporcional de loiras no bar onde se encontravam, comparado com o número de raparigas parecidas com ela. Uma das suas amigas brancas reagiu, dizendo: “Ninguém quer saber de raça, a não ser tu.”
“Agora que um homem negro ocupa a Presidência é muito mais difícil para nós [afro-americanos] pensar que não há nada que não possamos fazer”, justifica Reniqua. “É muito mais difícil dizer que o sonho americano só é possível quando se é branco quando um negro é um dos líderes mais poderosos do mundo. É mais difícil para nós provarmos que a raça ainda continua a ser uma limitação.”
As pessoas assumiram que Obama é a prova de que qualquer criança, independentemente da sua cor ou história familiar, pode fazer o que quiser. Elas riscaram isso da lista de tarefas quando “a realidade é que com a eleição de um Presidente negro há mais trabalho para fazer” porque “há forças na sociedade que, infelizmente, ainda impedem que isso aconteça”, diz-nos Michele Norris, uma reputada jornalista da rádio pública americana, NPR. É preciso garantir que a promessa anunciada pela eleição de Obama não é “apenas uma coisa maravilhosa e histórica que aconteceu a uma pessoa só”.
Quer dizer que nada mudou na consciência racial da América desde que elegeu um Presidente negro? Nada mudou na experiência pessoal de afro-americanos, na sua interacção com o mundo?
“A minha vida não mudou radicalmente só porque Obama é Presidente”, diz Reniqua Allen. “Mas ao mesmo tempo devo dizer que quando ligo as notícias e vejo o Presidente, vejo a sua mulher, vejo uma família negra, isso faz alguma diferença. Pode não reflectir-se no meu dia-a-dia, mas em primeiro lugar dá-me esperança e em segundo lugar faz-me sentir orgulho. Isso não é uma reacção política, é uma reacção emocional, que tem a ver com identidade. Ver alguém como Michelle Obama na capa da Vogue implica uma mudança psicológica, parece-me, mais do que uma mudança económica ou política.”
Michele Norris defende que depois da eleição de Obama as pessoas começaram a pensar em questões de raça “de uma forma diferente” e “mais profunda”, só que isso nem sempre é evidente. Em parte isso resulta de coisas tão subtis como o facto de vermos um “homem de cor” com frequência na primeira página dos jornais que lemos diariamente. A Casa Branca nunca foi um lugar tão diverso. “Posso dizer-lhe que vivo em Washington há muito tempo e nunca tinha visto tantos rostos de cor nas actividades e eventos da Casa Branca. Provavelmente, mais crianças de cor visitaram a Casa Branca nos primeiros seis meses da administração de Obama do que durante sei lá quantos anos. As pessoas que tentam medir a diversidade tende a centrar-se nos homens e mulheres que ocupam cargos executivos. Mas há outros níveis de exposição que podem passar despercebidos.”
Para Michele Norris, a experiência racial é mais complexa na América de Obama, não necessariamente melhor nem pior.
Quando lhe perguntamos se Obama devia falar mais sobre raça, ela diz que não consegue pensar “em nenhum outro Presidente que tenha falado mais sobre” o assunto. “O que eu acho interessante é que muitas vezes isso não acontece quando ele está no pódio, com uma fileira de bandeiras americanas, a falar de raça num ambiente muito formal. Às vezes ele diz coisas muito profundas de uma maneira completamente inesperada” – um comentário num evento de campanha longe de Washington, por exemplo.
Norris diz que a eleição de Obama criou a expectativa de que ia haver “uma grande conversa nacional” sobre raça iniciada pelo próprio Presidente. “Como ele tinha abordado a questão racial “com mais frontalidade do que qualquer outro candidato presidencial anterior”, presumiu-se que ele iria convocar toda a gente “numa terça-feira às quatro da tarde” e anunciar: “E agora vamos falar de raça.” Foi uma ingenuidade pensar que as coisas aconteceriam dessa forma, diz Michele Norris. Porque a maior parte das discussões sobre raça têm lugar em contextos privados. “E as que se desenrolam em público são normalmente distorcidas pelas luzes superficiais do estúdio de televisão. Ou pelos filtros que adoptamos quando temos consciência de que estamos a falar num fórum público. As conversas sobre raça mais interessantes, mais provocadoras e mais produtivas são aquelas que nunca ouviremos a menos que sejamos um dos participantes. Elas acontecem em balneários e caves de igrejas, em dormitórios universitários, na bancada de um campo de bola num sábado à tarde, na esteticista e no barbeiro, ou no parque de estacionamento do escritório”, explica Norris. “A raça não é apenas este colosso que entra nos livros de história quando presidentes negros são eleitos ou quando as escolas são dessegregadas. Normalmente, até é algo bastante pessoal, baseada numa experiência que se teve ou numa pequena epifania.”
Há dois anos, Michele Norris, que é afro-americana, iniciou um projecto chamado “The Race Card”. Ela pediu aos seus ouvintes que condensassem os seus pensamentos sobre raça em seis palavras ou menos e os enviassem para o seu projecto. Os resultados estão compilados no site theracecardproject.com. A quantidade de aforismos recebidos – cerca de 10 mil – mostra estão ansiosas por falar de raça, mas “nem sempre têm um fórum ou um lugar onde possam fazê-lo”, nota Michele Norris. “Estou sempre a dizer às pessoas que visitam o site que imaginem algumas daquelas coisas a serem ditas em voz alta a um microfone da CNN, no café onde almoçam ou ao seu lado no metro. A reacção mais natural seria: ‘Uau, não acredito no que acabei de ouvir.’” E, no entanto, nesses pequenos desabafos, as pessoas “dizem coisas muito profundas, com uma grande franqueza, às vezes com humor, outras vezes com pesar, e identificam-se quase sempre pelo seu nome”.
Um pormenor que Michele Norris não deixa de sublinhar: nas milhares de mensagens enviadas, Barack Obama é raramente mencionado. “Isso confirma a minha teoria de que a raça é uma coisa pessoal. Não tem a ver com ele.”