«AUBE D’UN CREPUSCULE», um filme de Ahmed Assane Zeda
No ano em que festeja o primeiro cinquentenário, o FESPACO 2019 (Festival Panafricano de Cinema e de televisão de Ouagadougou), na sua 26ª edição, escolheu o tema “MEMÓRIA E FUTURO DOS CINEMAS AFRICANOS”. Cinemas africanos, leu bem, no plural, uma vez que a multiplicidade de temas, de sensibilidades e de olhares configuram ramificações díspares de uma mesma árvore. Dir-se-ia que estamos «À sombra do embondeiro», como no documentário de Mohamed Challouf sobre a vida de Tahar Cheriaa, crítico cinematográfico e especialista de cinemas árabes e africanos que toda a sua vida procurou descobrir talentos e encorajá-los.
Pela minha parte este ano centrei-me na observação das propostas dos jovens realizadores burquinabês oriundos das escolas africanas de cinema (3 em 16, no total).
«Aube d’un Crepuscule», o filme de Ahmed Assane Zeda (a sua segunda curta metragem), fala-nos de predições, de poligamia e de renascimento. Dito assim quase parece um emaranhado de temas autónomos mas a verdade é que se unem eficazmente na narrativa para nos mostrar uma história original, africana e rural no sentir e no contexto, na atmosfera geral, mas também universal e transponível para ambientes diferentes em outras latitudes.
As profecias e o enquadramento social e antropológico típico dos lares e dos matrimónios poligâmicos é algo que pode parecer muito familiar para quem cresceu dentro desta realidade. Já o renascimento simbólico através de um filho, a perpetuação da espécie e o desejo quase obsessivo de paternidade são sentimentos e emoções capazes de serem entendidos universalmente sem necessidade de estabelecer qualquer espécie de equivalência. Em todo o caso, sem que haja propriamente um paralelismo, ocorre-nos que este filme tem algo de tragédia grega edipiana.
Ser estéril pode ser sinónimo de drama para muitas pessoas mas em África essa condição assume contornos mais profundos, com laivos de tragédia; por outro lado, a responsabilidade da esterilidade, a causa, é muitas vezes imputada à mulher, de forma irrefletida e extemporânea…exceto quando se trata de uma família poligâmica onde nenhuma das mulheres consegue conceber.
Não é fácil sobrevoar uma curta-metragem sem desvendar alguns aspetos que devem permanecer na sombra do entendimento individual. Pode ser que tenha levantado a ponta de um véu inadvertidamente…mas talvez o mais importante seja, muito para além destes 13 minutos de ficção cinematográfica, a reflexão pessoal, as trocas de ideias e os debates que se podem seguir.
A reter as frases seguintes que são um pouco como ideias-chave:
“Tens que ceder o lugar a outro”/ “uma criança é o renascimento”/ “lembre-se que a criança sempre foi o pai do adulto”.
Não são mensagens soltas cantadas ao vento mas fragmentos de diálogos que vos proponho desconstruir para chegar à alvorada e ao crepúsculo que veremos neste filme.
No limite, talvez um homem deva prescindir da sua própria existência para dar lugar a uma nova vida, e é essa uma das linhas mestras da história de Ahmed Zeda. Há uma mensagem que cada espectador desvendará segundo os seus próprios referentes. O cineasta é sobretudo o projetor que ilumina a cena, como um sol potente que afasta as nuvens mais carregadas.
Ficha técnica:
Formato : Curta-metragem
Género : Drama
Cenógrafo e realizador : Ahmed Assane ZEDA
Ano : 2018
Duração : 13Mn
Cor/N&B : Cor
Suporte : Digital
Produção : Institut Supérieur de l’Image et du Son /Studio Ecole (ISIS-SE)
Assistente de Realização : SAMPO Bénéwendé Estelle
Imagem : DJEBOLO Nekouanodji Eve Noëllie
Assistente de Imagem : KOLA Claudia
Argumento : Auguste L. A. PARE
Engenheiro de Som : Yaziid Sié Sanzié KONATE
Perche : Christian KAMBOU
Cenários : Moctar BARRY
Maquilhagem : Mariame SIDIBE
Montagem : Mahouli MAYANG
Mistura: Yaziid Sié Sanzié KONATE
Eletricista: Hamidou TOE
Ficha técnica: informações gentilmente disponibilizadas pelo realizador.