Um poeta, um filósofo, um Buda e um Viking
DIA 13: 23.03.2024!
Meu querido e adorado Miguel,
Hoje, entre amigos teus, nos reunimos – como acredito já deves saber – para prestar-te homenagem, para lembrarmos de ti, para partilharmos o que nos liga a ti e o que significas para nós. E, a propósito disso, eu queria muito escrever um texto bonito sobre ti… um texto que não fosse só o reflexo da dor e da tristeza que me tem acompanhado desde que chegou a notícia do teu passamento físico. Queria ser capaz de ter as palavras certas para descrever-te com a grandiosidade que mereces, mas parece que ainda não consigo, ainda é demasiado duro, mais facilmente saem lágrimas do que palavras bonitas.
Mas, acho também que todas as palavras do mundo teriam certa dificuldade de conseguir fazer-me expressar a pessoa extraordinária que és!
Com que palavras eu falaria da tua coragem? Da coragem com que enfrentaste a vida, com que te levantaste todos os dias para seguir, enfrentar os desafios que se te impunham e dos quais falávamos sempre tentando encontrar alternativas? Com que palavras descreveria a tua força, a tua imensa força, para lutar sempre mais, mesmo quando os dias melhores demoravam cada vez mais a chegar?
Já te disse e reitero: não conheço pessoa que tenha tido mais coragem para lutar por estar vivo do que tu e isso ficar-me-á marcado para sempre!
Também não sei com que palavras descreveria o ser humano incrivelmente sensível, que via tudo com a maior delicadeza de todas, ao mesmo tempo em que conseguia fazer as reflexões mais profundas, potentes e rebuscadas possíveis. Sempre me impressionou o modo como conviviam dentro de ti um poeta, um filósofo, um Buda e um verdadeiro Viking, tornando-te num ser singular, com posturas únicas diante da vida. Posturas que revelavam a tua integridade, a tua iluminação espiritual, a tua capacidade de transcender a rótulos e preconceitos que muitas vezes nos separam dos outros seres humanos, a tua capacidade de congregar e unir as pessoas por todos os lugares onde passavas.
Com que palavras descreveria o professor fascinante que sempre foste? Um professor dedicado, absolutamente comprometido com a excelência e com o desenvolvimento da consciência e reflexão crítica dos seus estudantes. Como descrever o teu empenho em dares sempre o melhor de ti a quem estava à tua volta e, sobretudo, fazer com que o melhor de cada estudante com quem cruzaste viesse acima? Deixaste um legado que se perpetuará: puseste centenas de jovens a ler, a escrever e a amar a Literatura. Não há absolutamente nada que apague isto! Ficas, certamente, na vida de cada estudante que teve a honra e o privilégio de te ter tido no seu caminho.
Não encontro também palavras para descrever o amigo que és… não sei como pôr em palavras o tanto de amor, acolhimento, bondade e ternura que te vi dar a mim e a inúmeras pessoas. Não sei como pôr em palavras o jeito delicado como me sorrias quando compreendíamos as coisas ao mesmo tempo, sem precisar de muitas explicações. Queria igualmente conseguir descrever os momentos em que dividimos o silêncio, sem pressa e nem pressão para falar, só deixando-nos estar, absorvendo a importância e o valor da simples partilha da presença. Partilhámos alguns dos mais bonitos silêncios da minha vida.
Sempre te disse e continuarei a dizê-lo: acredito também no amor, na beleza da vida, nas conexões raras que às vezes temos o privilégio de ter e na amizade com verdadeira abnegação porque te conheço, porque os nossos caminhos se cruzaram, porque a tua luz fica em mim, porque sempre foste parte do meu Sol, porque somos parte um do outro desde sempre e para sempre.
Quando me ofereceste o Através da Chuva, escreveste na dedicatória:
“… Que este nosso – já longo! – caminho nunca se perca, nunca se separe – de mãos dadas até ao infinito…” E é isto mesmo: seguimos juntos, com as mãos eternamente entrelaçadas!
Vejo-te no horizonte, Miguel!