ZOMBI CHILD de Bertrand Bonello em exibição no Espaço Nimas

com Louise Labeque, Wislanda Louimat, Katiana Milfort

 

França, 2019, 1h43 min

«Aquele imaginário haitiano evoca a escravatura, que é para mim o tema central do filme, mas eu não quis ficar pela evocação, pois há também entre França e o Haiti uma relação histórica de colonizadores e de colonizados»

Bertrand Bonello, em entrevista ao Expresso

Sinopse

Haiti, 1962. Um homem regressa dos mortos para trabalhar no mundo impiedoso das plantações de cana de açúcar. Cinquenta e cinco anos depois, uma jovem rapariga de ascendência haitiana confidencia aos seus colegas um segredo de família, inconsciente das graves consequências deste acto. Uma história de terror contemporânea, baseada na realidade muito concreta do colonialismo francês no Haiti, a sua narrativa despoleta uma reflexão sobre racismo, imperialismo e memória cultural.

«Um filme fascinante, um teen movie com uma espiritualidade invulgar, uma rêverie fantástica que se grava forte na memória. E mais se diz: de toda a produção francesa do ano passado, não houve outro igual» Francisco Ferreira, Expresso

«O verdadeiro zombie não anda a comer pessoas pelas esquinas: no Haiti, é um ser enfeitiçado que vive num limbo entre a vida e a morte. Ponto de partida para a nova longa do francês Bertrand Bonello, A Criança Zombie, um falso filme de género que fala na verdade dos tempos que correm.» Jorge Mourinha, Público

Bertrand Bonello

Bertrand Bonello (Nice, 1968) vive entre Paris e Montréal. O seu primeiro filme, Quelque Chose d’Organic (1998), foi apresentado no Festival de Cinema de Berlim, e o segundo, Le Pornographe (2001) protagonizado por Jean-Pierre Léaud, foi seleccionado para a Semana da

Crítica no Festival de Cannes e recebeu um prémio FIPRESCI. Bonello revelou o seu singular universo em Tiresia (2003), presente na competição oficial do Festival de Cannes. Em 2005, regressa a Cannes com uma curta-metragem, Cindy: The Doll is Mine. De La Guerre (2008), filme cuja banda-sonora é também da sua autoria, foi selecionado para a Quinzena dos Realizadores e para o Festival de Locarno. Bonello esteve no LEFFEST em 2011 com L’Apollonide

- Souvenirs de la Maison Close, em 2012 com Ingrid Caven, Musique et Voix, em 2014 com Saint Laurent, que abriu o festival, e em 2016 com Nocturama, que integrou a competição oficial do festival.

06.01.2020 | por martalanca | haiti, ZOMBI CHILD

somos todos negros

“Todos os cidadãos, de agora em diante, serão conhecidos pela denominação genérica de negros”.
Artigo 14, Constituição Haitiana de 1805.

Em meio aos festejos previstos para o Bicentenário das revoluções de independência americanas de 1810, é significativa a omissão da revolução haitiana de 1804, a primeira, a mais radical e mais inesperada de todas elas. Nela foram os ex-escravos de origem africana – isto é, a classe dominada por excelência, e não as novas elites “burguesas” de composição européia branca – que tomaram o poder para fundar uma república chamada, com razão, negra. Negra e ao mesmo tempo com nome indígena, já que Hayti é o velho nome taíno da ilha. Haiti, até então chamado Saint Domingue, era de longe a colônia francesa mais rica do Caribe. Uma sociedade agrária e escravagista produtora de açúcar e café, com meio milhão de escravos, que proporcionava mais da terça parte das riquezas francesas vindas das colônias. A Constituição do Haiti foi promulgada a partir dos esboços redigidos em 1801 pelo liberto Toussaint Louverture, morto nas prisões napoleônicas, quem havia encabeçado a revolta antiescravista desde 1791. Diferentemente do que acontecerá com outras independências americanas, há neste silenciado caso, que custou 200.000 vidas, uma radical descontinuidade (jurídica, sem dúvida, mas também e sobre tudo, étnico-cultural) com relação à situação colonial. O ideal de igualdade da Revolução Francesa é levado mais além dela mesma, que terminou pretendendo impedir a abolição da escravidão no Haiti. Os escravos haitianos compreenderam logo que na noção de “universalidade”, proclamada pelos Direitos Universais do Homem e do Cidadão, não cabia sua “particularidade”. A radicalização filosófica inédita da generalização arbitrária “agora somos todos negros”, incluindo explicitamente as mulheres brancas, os polacos e os alemães (sic), deixa claro que para os revolucionários haitianos negro é uma denominação política e não biológica, que destrói a falácia racista e aspira a um novo universal a partir da generalização do particular (mais) excluído.

(baseado no texto de Eduardo Grüner, “A partir de hoje somos todos negros”, inédito, 2009.)

Convocamos a retomar a palavra de ordem haitiana e instalá-la nas ruas e nos debates públicos, não apenas para chamar atenção sobre a história silenciada desta revolução negra de 1804 frente às homenagens do Bicentenário criollo, senão também pela carga de ruptura que ainda porta intacta a idéia de que todos e todas podemos nos definir como negros, em meio à crescente intolerância em que vivemos. Cartazes, auto-adesivos, panfletos, grafite, advertências em publicações e qualquer outro meio podem levar a estender essa campanha anônima e coletiva por toda América Latina e o resto do mundo.

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14.02.2011 | por martalanca | haiti