“Da brutalidade do colonialismo e do apartheid brotou a minha convicção de que lutar pelos direitos humanos é um dever, e precisamente por isso considero que há uma obrigação ética de recusar a lei do silêncio e de assumir um dever de memória.
A memória do colonialismo e dos anos de ditadura em Portugal está a ser construída pelos historiadores e pelos relatos daqueles que viveram na África colonial, mas também pela voz, cada vez mais audível, dos afrodescendentes que, pela ação cívica, desconstroem a narrativa do lusotropicalismo. Todos os testemunhos ajudarão a erguer o memorial das vítimas que o Portugal democrático procurou, tão rapidamente quanto possível, esquecer, numa conjugação, aparentemente paradoxal, de todas as forças políticas que a construíram a nossa democracia no pós-25 de Abril de 1974.
O trabalho de memória é como o trabalho de Sísifo, um constante regresso ao início, um absurdo indispensável à vida em sociedade, para tornar o regresso à barbárie mais difícil.”
Álvaro Vasconcelos
Apresentação do livro com Margarida Calafate Ribeiro, Álvaro Vasconcelos, Vitor Barros e moderação de Marta Lança. Poemas ditos por Aoni Salvaterra,
na UCCLA, dia 10 de Janeiro às 18h.
Sinopse:
Estas Memórias em Tempo de Amnésia são publicadas em dois volumes. O livro trata sobretudo do que era proibido lembrar, do que era subversivo memorizar. Os crimes deviam ser esquecidos para todo o sempre. Podia-se ser preso e torturado por ter visto o crime que nenhum registo podia guardar e ficava, apesar de todo o esforço dos fazedores de silêncio, na memória dos homens. Nos contadores de histórias, nos que pela tradição oral preservam as lembranças dos seus antepassados. Mas as dificuldades do presente funcionam como uma droga que apaga a memória e propaga como um vírus a amnésia coletiva, tornando a sociedade mais frágil perante ameaçadas já conhecidas pela humanidade.
Uma Campa em África, o primeiro volume, aborda os caminhos que me levaram, ainda menino, para África. Aí vivi entre 1953 e 1967, primeiro em Moçambique, depois na África do Sul. Pretende ser um testemunho da viagem às trevas que era viver em África no tempo em que o racismo era política de Estado, quer fosse na mentira luso tropical ou no horror do apartheid. É um testemunho em nome do dever de memória, contra a política do esquecimento e o revisionismo histórico sobre o crime contra a humanidade que foi o colonialismo.
Da Beira da minha infância, da cidade branca, resta uma campa; aí jaz a minha avó Amélia Claro, que eu tanto amara no Douro.