As histórias de jovens mortas nas manifestações por liberdade e contra o uso do véu no Irão
A morte de Mahsa Amini, de 22 anos, sob custódia policial levou à eclosão de uma onda de protestos no Irão. A jovem foi detida pela chamada “polícia da moralidade” por causa da forma como usava o véu islâmico – segundo relatos, teria deixado alguns fios de cabelo visíveis sob o hijab.
Segundo testemunhas, Mahsa foi agredida numa viatura. A polícia nega, e diz que ela morreu por causa de um problema cardíaco pré-existente.
O uso do véu tornou-se obrigatório no país após a Revolução Islâmica, em 1979, que transformou a vida dos iranianos – principalmente as mulheres, que viram os seus diretos serem bastantes restringidos.
Nika Shakarami, de 16 anos, morava na capital do Irão, Teerão, com a tia artista, Atash. Shakarami saiu de casa às 17h do dia 20 de setembro para participar num dos maiores protestos vistos no país em anos.
Pensando em proteger-se do gás lacrimogêneo, levou uma toalha e uma garrafa de água. Num story compartilhado pela jovem no Instagram, amigos viram-na a queimar o seu hijab (véu islâmico) e cantar em tom de protesto contra a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, que tinha sido detida pela polícia da moralidade do Irão.
A última ligação de Nika foi para uma amiga, enquanto tentava desesperadamente escapar dos polícias que a perseguiam. Depois disso, ela desapareceu durante dias.
A família procurou-a freneticamente e acabou por ser informada pela polícia a respeito de um corpo que correspondia à descrição de Nika. Disseram-lhes que Nika tinha caído de uma certa altura e mostraram fotografias que pareciam encenadas, de acordo com a família. Por fim, quando foram levados até o corpo, eles só puderam ver seu rosto. Apesar de ter sido espancada e dos hematomas, a sua mãe reconheceu-a.
O seu corpo não foi entregue à família — ela foi enterrada pelas autoridades na ausência dos seus familiares, um dia depois do que teria sido o seu aniversário de 17 anos.
Fontes não oficiais da Guarda Revolucionária do Irão disseram à tia de Nika que ela ficou sob custódia por uma semana enquanto tentavam obter uma confissão, e que foi enviada para a conhecida prisão de Evin, em Teerão. A tia dela agora também está presa.
Os protestos no Irão estão na sua terceira semana e são notáveis pelo número de jovens e mulheres à frente, muitas vezes gritando em uma só voz: “zan, zendegi, azadi”, (“mulher, vida, liberdade”).
O regime iraniano está a tentar controlar a escalada da situação, bloqueando a internet para restringir o acesso às redes sociais, e as forças de segurança disparam munição letal contra os manifestantes. A Amnistia Internacional condenou o número cada vez maior de mortos, classificando como “uma indicação alarmante de quão implacável o ataque das autoridades à vida humana tem sido sob a escuridão do bloqueio da internet”.
Como muitos jovens ao redor do mundo, Hadis Najafi tinha uma presença vibrante nas redes sociais. Ela adorava cantar e dançar música iraniana e ocidental, incluindo Qveen Herby e Shakira.
A 21 de setembro, Hadis, de 22 anos, estava a caminho de uma manifestação em Karaj, não muito longe de Teerão, quando compartilhou um vídeo com amigos. Ela parecia otimista.
“Espero que em alguns anos, quando olhar para trás, fique feliz por tudo ter mudado para melhor”, disse. Ela foi morta uma hora depois.
Num vídeo compartilhado no Instagram, a mãe de Hadis afirma: “A minha filha foi morta por causa do hijab, por causa de Mahsa Amini… Ela foi protestar e foi morta, atingida por balas, no coração, no estômago, no pescoço. Quando olhámos para ela, o seu rosto e corpo estavam feridos.”
As autoridades não permitiram que a família de Hadis fizesse um funeral público. A família foi instruída para dizer que Hadis morreu em um acidente de carro ou de causas naturais, caso alguém perguntasse.
Alguns dias depois, uma filha estava diante do túmulo da mãe com a cabeça rapada, segurando o próprio cabelo nas mãos e olhando para a câmera com um olhar estoico. Era a filha de Minou Majidi, uma iraniana curda de 55 anos que foi morta enquanto participava nos protestos em 20 de setembro.
Minou estava indignada com o assassinato de Mahsa Amini. Ela sentiu que tinha que fazer parte das manifestações. E disse: “Se pessoas como eu não forem, quem irá? Eu vivi a minha vida, que pelo menos não matem nossos jovens”.
Nos últimos anos, houve muitos protestos no Irão, mas o que diferencia os eventos atuais é o número de jovens, especialmente meninas, que estão no centro das manifestações.
Num país que impõe leis rígidas para as mulheres sobre o uso de hijab em público, as imagens que definem o Irão hoje são de estudantes gritando “liberdade”, tirando os lenços da cabeça e mostrando o seu cabelo.
Artigo originalmente publicado a BBC News Brasil a 05/10/2022