Manifestações de estudantes em Lisboa e Coimbra em Novembro de 1968
Depois de ter apresentado o requerimento a pedir o “abate ao efectivo” da Academia Militar no final do ano lectivo de 1967-68, esta instituição já não me permitiu matricular-me no Técnico no ano lectivo seguinte Não podendo continuar os estudos, restou-me apenas esperar longos meses pela resposta do Ministério de Exército. Fiquei então com tempo livre para me dedicar a algumas reportagens fotográficas que há muito ansiava poder realizar, e que havia começado em Paris, quando fotografei as primeiras manifestações de estudantes do Maio de 68. Fotografava-se então a preto e branco, e cada disparo da máquina fotográfica era contabilizado.
O tempo livre levou-me a retomar o interesse pela fotografia, que sempre tivera mas que só agora, depois de ter comprado uma máquina fotográfica a sério, uma simples Canon QL contudo, podia permitir-me tirar algumas fotografias com qualidade.
Fiz várias saídas, sozinho, apenas com o intuito de fotografar o que achasse interessante, foi sempre um trabalho solitário. Até experimentei enviar fotografias para dois concursos, um no Instituto Italiano e outro na Faculdade de Medicina em Lisboa. Obtive o segundo prémio em cada um deles. Apesar de isso ter sido animador, nunca mais voltei a enviar fotos para concursos, talvez por comodismo. Comecei por utilizar os serviços da Secção Fotográfica da AEIST, Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, onde existia uma câmara escura que aprendi a utilizar para revelar as minhas próprias fotografias. Foram algumas destas cópias o único rasto que ficou, por exemplo, de um rolo de fotografias feitas no Plenário de Estudantes realizado na Cantina da Cidade Universitária de Lisboa, confiscado pela PIDE aquando da invasão e ocupação das instalações da AEIST, a 8 de dezembro de 1968.
No dia 20 de Novembro de 1968 foi convocada uma manifestação para a Reitoria da Cidade Universitária que contestava o evento oficial de Abertura do Ano Lectivo, com a presença do Ministro. Após a concentração em frente da Reitoria, os manifestantes acabariam por se dirigir à entrada da Cantina Universitária onde já estava concentrada a Polícia de Choque. O Plenário realizou-se depois no interior da Cantina, sem que tenha havido confrontos com a Polícia, apesar dos apupos a que esta teve de sujeitar-se, como é bem visível nestas fotografias. No entardecer fica desde logo marcada uma reunião em Coimbra para o dia 25 de Novembro onde participarão estudantes do Porto, de Lisboa e de Coimbra. Com um grupo de colegas do IST desloquei-me nesse dia a Coimbra, à boleia. São aqui aprovados 8 pontos de reivindicação comuns aos três centros universitários.
Os incidentes passavam a ser, entretanto, frequentes em diversas Faculdades, destacando-se a ocupação da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico pela Polícia na madrugada de 8 de dezembro de 1968, com encerramento de todas as suas actividades. A partir de 1968, com o exemplo das lutas estudantis na Europa e nos Estados Unidos, associado ao recrudescer da rejeição, cada vez mais forte, da Guerra Colonial, as manifestações estudantis tornam-se frequentes, tendo como lema a Democratização do Ensino. A contestação estudantil continua e vem a atingir o ponto mais alto a 17 de abril de 1969, em Coimbra, com a manifestação que ocorre durante a inauguração do edifício das Matemáticas, na presença do Presidente da República, Américo Tomás, e do ministro da Cultura, Hermano Saraiva. Segue-se uma vaga de repressão aos estudantes, com prisões e expulsões da Universidade, e com muitos estudantes impedidos de prosseguirem estudos ao serem enviados para a tropa, em Mafra, como punição.
Os meus contactos e colaboração muito frequentes com elementos da Direcção da AEIST levaram a uma manifestação de interesse pelos meus trabalhos fotográficos num tempo em que fotografar trazia consigo algum risco. Normalmente tinha de fazê-lo de modo discreto, e sempre acompanhado por um ou dois colegas da Associação de Estudantes do IST, o Fernando Sacramento em particular, pois os estudantes, com razão, não gostavam muito de ser fotografados, e desconfiavam naturalmente de quem não conheciam, mais ainda tratando-se de um militar! Não é de estranhar que existam hoje tão poucos documentos fotográficos de uma época tão rica em acontecimentos dignos de registo na luta estudantil contra o fascismo.