O embarque do meu irmão para a guerra em Moçambique no ano de 1969
A 12 de Abril de 1969 assisti, no Cais da Rocha do Conde de Óbidos, ao embarque do meu irmão mais novo, Hermelindo Mariano Cardeira, para a Guerra Colonial em Moçambique. As minhas relações com ele eram algo distantes, raramente nos víamos durante as curtas passagens de fins-de-semana em Fanhais, a nossa terra. Não existia muito diálogo entre nós, não discutíamos os nossos problemas comuns perante a tropa e a previsível mobilização para uma guerra que ambos detestávamos. Só assim se compreende que ele nunca me tenha falado sobre o assunto, ou tenha sequer esboçado uma tentativa de encontrar uma solução (uma eventual deserção?) para evitar a guerra, apesar de ele saber bem quais eram as minhas ideias sobre a guerra e sobre o regime fascista.
A partida do meu irmão para a Guerra Colonial em Moçambique é um acontecimento de maior importância, e que marca toda a nossa família. O embarque para a guerra nas colónias era sempre um evento emocionalmente intenso na vida das famílias portuguesas, que se deslocavam em massa para, tristemente, se despedirem dos que partiam para África. Ainda hoje guardo comigo uma pequena folha de papel que a minha mãe escreveu, a pedido do meu pai, no dia do embarque: “No dia 12 de Abril de 1969 embarcou, com destino a Moçambique, Hermelindo Mariano Cardeira arrescando (sic) a sua própria vida em defesa de um capitalismo e da burguesia, e de um fascismo”. Só depois do 25 de Abril tomei conhecimento deste papel, que a minha mãe sempre guardou algures numa gaveta lá de casa.
Assistir ao embarque de tantos jovens obrigados a combater em África contra povos desconhecidos era um espectáculo confrangedor e triste. Milhares de pessoas, familiares e amigos vindos de todo o país, juntavam-se ali no Cais da Rocha do Conde Óbidos, vestidas de negro ou de cores escuras, acenando com lenços aos que partiam, chorando e gritando. Era um ambiente sombrio, não era uma festa, ninguém estava feliz por ver partir os filhos para África, num navio chamado Império, neste caso.
O embarque do meu irmão para a Guerra Colonial dá-se quando eu já tinha decido não prosseguir a carreira militar, iniciada em Outubro de 1961. Depois de uma longa espera pela resposta ao requerimento a pedir o abate ao efectivo da Academia Militar, eu iria ser obrigado a apresentar-me no quartel de Mafra como oficial-miliciano para cumprir o Serviço Militar Obrigatório. Pouco mais de dois meses depois o meu pai é brutalmente atropelado numa estrada próxima da nossa aldeia. O trauma familiar foi enorme, como é fácil de imaginar. Longe de casa, o meu irmão nem sequer poderá assistir ao funeral. Ao embarcar neste dia 12 de Abril de 1969, ele não sabia que era a última vez que via o pai. Eu próprio só voltaria a reencontrar o meu irmão quatro anos depois, em 1973 quando ele, já regressado de África, nos faz uma visita na Suécia, onde estávamos exilados, pouco depois do nascimento da nossa filha Joana.