Este livro foca‐se num universo muito específico deste contexto: os comandos africanos da Guiné que integraram as três companhias criadas por António de Spínola em 1971, homens a quem o então governador da Guiné prometeu a futura liderança do território quando a guerrilha do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) dali saísse derrotada — presciência que, como hoje se sabe, nunca aconteceu.
Mukanda
08.11.2024 | por Sofia da Palma Rodrigues
No ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril de 1974, revolução impulsionada por militares que combateram em África, a guerra continua votada a um certo esquecimento. Muito embora todos nós tenhamos familiares ou histórias de pessoas próximas que estiveram envolvidas na guerra colonial, esta continua a representar um campo memorial de traumas e silêncios. O sacrifício de homens e mulheres que direta ou indiretamente estiveram envolvidos neste fatídico conflito deve continuar a ser (re)lembrado.
Vou lá visitar
10.08.2024 | por Inês Vieira Gomes
Durante os anos da guerra, milhares de jovens recrutados para Angola, Guiné-Bissau e Moçambique tiraram fotografias daquilo que os rodeava: os camaradas, os quartéis, as paisagens, o quotidiano, as populações civis, o aparato militar. Estas imagens escaparam à censura do regime, e foram guardadas ou enviadas pelo correio como provas de vida à distância.
Alguns destes homens construíram laboratórios improvisados, outros acederam a laboratórios oficiais. Vários frequentaram lojas de fotografia que floresceram com a procura gerada pela guerra, muitos compraram e trocaram imagens. Assim construíram os arquivos fotográficos de que agora mostramos partes.
Vou lá visitar
05.01.2022 | por Inês Ponte e Maria José Lobo Antunes
Os álbuns que, apesar de nem sempre terem uma curadoria pensada, acabam também por refletir a natureza do colonialismo que coloca um forte investimento no nível afetivo. Naqueles álbuns, o racismo acaba por ser exposto com afeto, carinho, amor até. E parece ser tratado como um membro da família que não se quer esquecer, tal como uma “mulher da Guiné” na moldura.
A ler
02.11.2021 | por Carla Fernandes
Até aos dias de hoje, o significado da guerra tem sido concertado através de diferentes instâncias de memorialização e esquecimento, que ora a constituem como “insurgência fundadora”, como doloroso epílogo do império ou como episódio último de uma mais vasta história de violência colonial. Este livro dedica-se precisamente a retomar as viagens de sentido através das quais os eventos e as datas marcantes da guerra chegaram à atualidade. O título que escolhemos tem assim duas leituras. Por um lado, "As Voltas do Passado" evoca o modo como a guerra circulou entre diferentes tempos e lugares através de memórias mobilizadas por combatentes, populações. Por outro lado, este é também um livro sobre o regresso da guerra aos sucessivos presentes, em combinações irregulares entre a evocação de um passado constitutivo e os usos seletivos da memória.
A ler
22.09.2021 | por Bruno Sena Martins e Miguel Cardina
O ponto de vista sobre a guerra não é portanto aqui o mais habitual – por ser o de mulheres do campo em Portugal, não protagonistas do palco da guerra. É o ponto de vista do impacto do acontecimento nas vidas (banais) daquelas que permaneceram em contextos rurais ou semi-urbanos em Portugal, e de como as suas vivências e sociabilidades (também) se constituíram pela guerra e pela influência, por vezes quase espectral, daqueles que para ela foram mobilizados: noivos, maridos, ou quase desconhecidos.
Vou lá visitar
31.08.2021 | por Ana Gandum
É um lugar-comum dizer-se que a produção de memória arrasta consigo, inevitável e concomitantemente, a produção de esquecimento. Há muitas formas de esquecimento, a mais insidiosa das quais é, sem dúvida, a rasura da memória, a reescrita do passado como parte de uma estratégia deliberada de intervenção no presente.
Jogos Sem Fronteiras
28.02.2021 | por António Sousa Ribeiro
Os pormenores são repugnantes, mas não consigo deixar de sentir um júbilo secreto por ter deparado com mais uma história exemplar do colonialismo, no sentido mais lato da palavra «colonialismo». O colonialismo é fazermos a alguém aquilo que entendemos como «bem», mas que essa pessoa sente como «mal», para que essa pessoa nos possa servir melhor. Reformulo: o colonialismo é instrumentalizarmos o outro, fazendo-lhe bem somente na medida em que esse benefício nos possa beneficiar a nós. Resta dizer que o carácter exemplar de uma história escapa quase sempre ao seu narrador.
Mukanda
16.01.2021 | por Paulo Faria
A actual geração de jovens é muito crítica ao posicionamento da geração de jovens dos anos 80, que fez e viveu uma guerra. Quer comentar?
A geração dos anos 80 sabe muito bem as amarguras de uma guerra, de um conflito, não teve uma juventude ou infância condigna, porque nasceu e viveu num país em conflito; teve os seus sonhos vendidos e destruídos. Muitos dos jovens dos anos 80 tiveram de abandonar o país para viver numa terra que nunca os acolheu, olhou para eles como estrangeiros que vieram estragá-la. Portanto, não estão dispostos, hoje, a perder esta estabilidade conseguida desde 1992.
Cara a cara
29.12.2020 | por Tânia de Carvalho
O colonialismo não é uma máquina pensante. Nem um corpo dotado de aptidões racionais. É a violência no seu estado natural e só sucumbirá quando for confrontada com uma violência maior.
As palavras são de Frantz Fanon, constam do seu livro “Os Condenados da Terra”. Em Concerning Violence, ganham sonoridade pela voz da cantora, compositora e ativista Lauryn Hill. O realizador Göran Olsson conduz-nos por nove cenas de autodefesa anti-imperialista. Muitas delas são-nos familiares. Viajamos pelos palcos da Guerra Colonial em Angola ou Moçambique. Encontramos, inclusive, soldados portugueses, na Guiné, reunidos à volta do corpo dilacerado de um conterrâneo. A acompanhá-los, a canção de Luís Cília O canto do desertor: Vai dizer à minha mãe que eu não vou p’rá guerra
A ler
20.12.2020 | por Mariana Carneiro
O que procuro nestes encontros com veteranos do Ultramar é algo que não sou capaz de traduzir numa fórmula simples e telegráfica. Há entre estes veteranos um sentido de comunidade fortíssimo, uma comunhão quase familiar, quase tribal, que em certos momentos me parece incompatível com um sentido de comunidade mais vasto. É uma comunhão que tende a excluir-me, a mim e a todos os que não partilharam a mesma experiência. O que busco nestas conversas são os momentos, semelhantes a epifanias, em que os veteranos exprimem a pertença a uma comunidade humana mais vasta, mais abrangente, necessariamente organizada em torno de valores morais.
A ler
13.12.2020 | por Paulo Faria
Não existia muito diálogo entre nós, não discutíamos os nossos problemas comuns perante a tropa e a previsível mobilização para uma guerra que ambos detestávamos. Só assim se compreende que ele nunca me tenha falado sobre o assunto, ou tenha sequer esboçado uma tentativa de encontrar uma solução (uma eventual deserção?) para evitar a guerra, apesar de ele saber bem quais eram as minhas ideias sobre a guerra e sobre o regime fascista.
Jogos Sem Fronteiras
30.11.2020 | por Fernando Mariano Cardeira
Amadú Bailo Djaló é, até à data, o único antigo combatente africano das Forças Armadas Portuguesas (FAP) que publicou um livro sobre a sua experiência na Guerra Colonial portuguesa. Amadú tinha 70 anos quando o seu livro Guineense, Comando Português (1964-1974) foi publicado pela Associação de Comandos, em 2010. Este livro foi escrito a partir de um dos seus diários. Tinha, pelo menos, mais dois que desejava poder publicar um dia.
A ler
16.11.2020 | por Fátima da Cruz Rodrigues
O Portugal de hoje não é o mesmo Portugal que se apresentou como uma potência imperial nem o mesmo que atravessou boa parte do século XX enquanto metrópole colonizadora. Mas no país habita, ainda hoje, o que se poderia definir como um caldo de imperiofilia, definidor de uma parte significativa dos discursos sobre a sua identidade e a sua história. O peso de uma história colonial negada desponta no racismo manifesto na atuação das polícias, nas políticas de habitação e segregação, nas leis de nacionalidade, o discurso de crescentes setores políticos, bem como numa auto-representação do país, do seu povo e do seu passado marcada pelo lastro duradouro do lusotropicalismo.
Jogos Sem Fronteiras
30.10.2020 | por Miguel Cardina
Existem diferentes potenciais camadas testemunhais e mnemónicas implicadas no álbum passíveis de serem exploradas em futuras pesquisas históricas. Uma primeira camada prende-se com a legibilidade atribuída a cada fotografia isolada; uma segunda prende-se com a relação entre essa legibilidade, as legendas das imagens atribuídas por Albano e o seu testemunho da participação na guerra; uma terceira camada consiste ou consistiria numa análise comparativa dos elementos das outras camadas com outros documentos e fontes da guerra ou, simplesmente, com outros álbuns de fotografia.
Afroscreen
16.09.2020 | por Ana Gandum
O cheiro a selva, a pólvora, a carne estropiada, a napalm (como o autor testemunha, apesar do desmentido oficial), a cerveja, a humidade tropical, o whisky. O próprio livro cheira a whisky, sobretudo ao whisky velho da marinha portuguesa, não fosse este nosso alferes ter uma trupe de fuzileiros junto do seu quartel improvisado junto ao rio Cumbijã. Com eles havia de fazer ski aquático no meio da fauna de crocodilos ali existentes, ou pescar com granadas para afastar esses crocodilos e garantir a próxima refeição fresca.
A ler
11.09.2020 | por Ricardo Seiça Salgado
«Turra», «terrorista», «preto», tudo queria dizer «assassino». Não se lembrava o Martins aquilo que ele próprio era. Ou talvez não o soubesse.
Entretanto chega outro soldado, de gabardine militar, que se encostou à porta de gare. O seu aspecto era mais franzino do que qualquer das pessoas e o seu rosto evidenciava a sua origem: classe baixa, campestre, dos campos de entre a Ria e as planícies marítimas da Gafanha.
A ler
08.06.2020 | por Rui Lourenço
Escrevi o meu romance sobre a guerra para desapossar o meu pai do exclusivo da narrativa bélica, para o destronar, para escrever o livro que ele próprio não foi capaz de escrever. Para reescrever as histórias de guerra dele, para as extirpar da mentira posterior. Para o enobrecer. Fi-lo à custa dos outros veteranos, que viram as suas narrativas reformuladas, subordinadas à infelicidade do meu pai, por mim usurpada. Escrevi o meu romance para, com o engodo da guerra colonial, contar aos veteranos uma outra guerra, a minha. Quem vai à procura da guerra tem já uma guerra dentro de si.
Mukanda
24.04.2020 | por Paulo Faria
As fotografias dispersas no álbum sugerem uma organização peculiar: as imagens da infância e da juventude aparecem em páginas paralelas às da guerra colonial, não obedecendo a uma linearidade espacial ou temporal, criando uma narrativa simultânea e particular das diferentes geografias e afetos. Dentro da mesma página as imagens estão organizadas segundo dois critérios: por temáticas oriundas de atividades e por locais, pessoas e vivências.
Corpo
04.04.2020 | por Lana Almeida
Na ida para Zemba, aos saltos dentro do camião de transporte de tropas que mal cabia na picada, a cabeça de Manoel Barbosa começou a projetar os seus “desenhos de guerra”. São constituídos por linhas geométricas que evocam movimentos pulsantes, aberturas e fechamentos, como obturadores de objetivas fotográficas ou, segundo o texto dos curadores, “máquinas de visão”. A ordenação das linhas varia entre geometrias verticais e masculinas, ou a suave sobreposição de uma vulva-paisagem, feixes de luz atravessados por fractais ou diamantes, em evocações possíveis de uma “terra de sangue”, fonte de emoções dilacerantes e difusas.
Vou lá visitar
28.03.2020 | por Carla Baptista