IV Encontro de Cultura Visual
O Grupo de Trabalho de Cultura Visual da SOPCOM convida à submissão de trabalhos a apresentar no IV Encontro de Cultura Visual, que terá lugar a 23 e 24 de junho de 2023, no Teatro Mala Voadora, na cidade do Porto. Este Encontro pretende contribuir para o debate sobre as polémicas e polissémicas relações entre Cultura Visual e Reparações e servir como alimento teórico à Oficina de Reparações que se realizará entre 25 de junho e 06 de julho, estando previstas apresentações públicas do objeto artístico aí criado, nos dias 07 e 08 de julho. O IV Encontro de Cultura Visual articula-se com várias iniciativas – além da Oficina de Reparações, a aula aberta de Silvia Rivera Cusicanqui (18 de abril, Lisboa), o Artivisms Gathering do projeto MigraMediaActs (Universidade do Minho), entre outras futuras – todas com o objetivo de alargar e aprofundar o debate sobre reparações, em Portugal.
“O mundo como a gente conhece, esse mundo que se tornou globo, fez-se através de um atravessamento de outras existências. Essa é a dor e isso costuma ser, ao mesmo tempo reiterado, e seguidamente invisibilizado e negado. Reparar esse mundo significaria destruir esse mundo, o que coloca um paradoxo ao exercício da reparação, pois este se pensa à partida enquanto gesto de cuidado, de construção e não de destruição.”
Fernanda Eugénio a Marta Lança, in Buala (10 de janeiro de 2020)
O projeto de reparação do mundo estilhaçado em que vivemos é um programa de contravisualidade, no sentido em que procura compreender a mentira instituída pela visualidade e propor-lhe alternativas (Mirzoeff 2011, 2023). Esta demanda comporta a consciência da sua própria impossibilidade conceptual e ética, uma vez que implicaria acabar com este mundo para que uma nova possibilidade de vida pudesse emergir (Ferreira da Silva 2018). No entanto, a consciência do direito à reparação é coeva ao colonialismo e à escravatura e tem sido uma demanda das vítimas desses processos históricos (Araujo 2017; Azoulay 2019; Savoy 2022). Face à impossibilidade de reparar a brutalidade da violência colonial (Mbembe 2021) – a ocupação, a espoliação, o etnocídio, o desenraizamento, os raptos, as violações, o epistemicídio, o saque em grande escala, e o extrativismo – é preciso, ainda assim, fazer a sua “necrologia” (Hicks 2020), insistir no gesto de reparação, através de uma “ética da incomensurabilidade” (Tuck & Yang 2012), parte essencial de um processo de cura e cuidado permanentes.
Hoje, por todo o mundo, governos de antigas potências coloniais e instituições - como a universidade e o museu – estão a ser pressionadas para estabelecer políticas de reparação. Nestas se incluem acautelar os direitos dos descendentes de espoliados e escravizados, pedidos de desculpa pelas atrocidades do colonialismo e pela prática da escravatura em larga escala, a implementação de políticas afirmativas (por exemplo, quotas étnico-raciais no acesso à universidade e aos lugares de decisão nas estruturas), a revisão das narrativas históricas e, consequentemente, dos curricula (através da inclusão de narrativas, sujeitos históricos e artistas até agora excluídos), a devolução de objetos saqueados, a descolonização do espaço público (por exemplo, através do desmantelamento de estátuas racistas e a memorialização às vítimas da Escravatura), o perdão de dívidas odiosas e o pagamento de indemnizações.
A discussão sobre os processos de reparação não é de hoje, mas tem vindo a ganhar preponderância à escala mundial e em Portugal aparecem pontualmente vozes que querem participar nessa conversa global, sobretudo na academia, mas também fora dela, como na Assembleia da República, no meio artístico e no ativismo. Neste contexto, o Grupo de Trabalho de Cultura Visual da SOPCOM convida à apresentação de propostas de comunicação (que podem ser disruptivas relativamente ao formato tradicional de comunicação em encontros científicos) que contribuam para o debate crítico e contra-hegemónico, sobre:
- Reparar restituindo: sobre as restituições dos objetos roubados, adquiridos em circunstâncias pouco claras ou no âmbito de uma relação de poder colonial (Figueiredo 2022). Sobre repatriação de restos humanos. Sobre como descolonizar os museus e “curadorias do desconforto” (Vlachou 2022).
- Reparar o espaço público: sobre as políticas de memória no espaço público, sejam as estátuas, os nomes das ruas, decoração de espaços de poder, etc. Sobre o “trabalho da memória como reparação” (Sturken 2022).
- Reparar a narrativa histórica: sobre os programas escolares, os compêndios e as suas imagens, as fontes (visuais) da narrativa histórica e a representatividade (Sousa, Khan e Pereira 2022).
- Reparar o planeta: sobre ecologia e política, o extrativismo e como combatê- lo. Sobre formas de “justiça reparativa” que contemplem também as paisagens, os rios, as montanhas, as árvores.
- Políticas de reparação: sobre o efeito de pedidos de desculpa, indeminizações, políticas afirmativas, quotas e representatividade. O que foi e não foi feito e o que se pode fazer.
- Reparar através da arte: sobre o papel da produção artística e das práticas culturais nestes processos (Demos 2020; Eugénio 2019). Como estes estão a ser trabalhados e com que resultados.
- Outros temas que possam contribuir para a reflexão sobre Reparações.
Os resumos entre 300 e 500 palavras devem ser submetidos para: grupotrabalhoculturavisual@gmail.com
Datas Importantes:
Submissão de propostas até 05 de maio de 2023
Informação sobre aceitação/recusa das propostas – 20 de maio de 2023 Inscrição até 10 de junho 2023
20 Euros estudantes e membros da SOPCOM
30 Euros professores, investigadores doutorados, etc.
Comissão Científica:
José Capela (Mala Voadora) Ricardo Campos (CICSNOVA) Rosa Cabecinhas (UMinho) Sheila Khan (UMinho)
Teresa Flores (ICNOVA)
Comissão Organizadora
Ana Cristina Pereira Inês Beleza Barreiros Gessica Borges (MigraMediaActs) Isabel Macedo (MigraMediaActs) Sofia Freitas (Mala Voadora)
Bibliografia
Araujo, Ana Lucia. 2017. Reparations for Slavery and the Slave Trade. Nova Iorque: Bloomsbury.
Azoulay, Ariella Aisha. 2019. Potential History: Unlearning Imperialism. Verso: Londres. Demos, T. J. 2020. Beyond the Worlds’ End: Arts of Living at the Crossing. Durham: Duke
University Press.
Eugénio, Fernanda. 2019. Caixa-Livro AND. Rio de Janeiro: Editora Fada Inflada.
Ferreira da Silva, Denise. 2018. A Dívida Impagável. Buala (4 de Outubro) https://www.buala.org/pt/mukanda/a-divida-impagavel-lendo-cenas-de-valor...
Figueiredo, João. 2022. “Falling into History: A Case for the Restitution of Mbali Tombstones and the Revival of the Realms of Memory of the Enslaved”. In Postcolonial Studies.
DOI: 10.1080/13688790.2022.2152163.
Brutish Museums. The Benin Bronzes, Colonial Violence and Cultural
Lança, Marta. 2020. “Das políticas de convivência, do irreparável, da sinceridade, do método AND Lab: Entrevista com Fernanda Eugénio”. In Buala (10 de janeiro) https://www.buala.org/pt/cara-a-cara/das-politicas-de-convivencia-do-irr...
Mbembe, Achile. 2021 [2020]. Brutalismo. Tradução Marta Lança. Lisboa: Antígona. Mirzoeff, Nicholas. 2011, The Right to Look: A Counterhistory of Visuality. Durham: Duke
University Press.
––. 2023. White Sight. Visual Politics and Practices of Whiteness. Cambridge: MIT Press.
Savoy, Bénédicte. 2022. Africa’s Struggle for Its Art: History of a Postcolonial Defeat. Princeton: Princeton University Press.
Tuck, Eve e K. Wayne Yang. 2012. “Decolonization is not a metaphor”, in Decolonization: Indigeneity, Education & Society, 1(1): 1-40.
Vlachou, Maria. 2022. O que Temos a Ver com Isso?. O papel político das organizações culturais. Lisboa: Buala/Tigre de Papel.
Hicks, Dan. 2020. The
Restitution. Londres: Pluto Press.
Sturken, Marita. 2022. Terrorism in American Memory: Memorials, Museums, and Architecture
in the Post-9/11 Era. Nova Iorque: New York University Press, 2022.
Sousa, Vítor, Sheila Khan, e Pedro Schacht Pereira. “Reparações históricas: desestabilizando construções do passado colonial”. In Comunicação e Sociedade 41 (Junho de 2022): 11-22.