Recolha Mural Sonoro: instrumentos e sua classificação
No meu trabalho de recolha para o Arquivo Mural Sonoro tenho efectuado um levantamento e registado alguns construtores de instrumentos tradicionais com ligações às migrações e diásporas a operar em Portugal.
Nessas recolhas musicais e de entrevistas vão estando instrumentos pertencentes a estas categorias: idiofones – instrumento em que o som gerado resulta do corpo do instrumento sem estar submetido a uma tensão (em exemplo: o balafon do Kimi Djabaté, o ‘tigelafone’ da Maria João Magno , os ‘dununs’ tocados e construídos por Kula, os tambores construídos através de materiais reciclados de Filipe Henda, ou a timbila de que fala numa das entrevistas para o Mural Sonoro a historiadora Julieta Massimbe, membranofones – em que o som é gerado através de uma membrana esticada (como o caso dos adufes ou pandeiretas, que constrói o Oleiro João Sousa), cordofones – instrumento em que o som se produz através de uma corda tensa (como o caso do cavaquinho de Cabo Verde, de que fala o construtor Luís Baptista, ou o português com afinações várias de que falam no Arquivo João Pratas ou Julio Pereira e outros instrumentos de cordas com ligações a outras partes do mundo, mas que existem, se tocam e constroem em Portugal como a kora explicada por Braima Galissá ou Kula, sem esquecer as guitarras portuguesas e de Coimbra do ‘mestre Parreira’ ou outros instrumentos de cordas explicados por José Lúcio ou Louzã Henriques), aerofones – em que o som do instrumento é gerado pela vibração de uma massa de ar criada no instrumento (como alguns dos instrumentos de sopro construídos pelo Oleiro João Sousa ou as várias flautas construídas por Nuno Pereira ou Rão Kyao de que também se falam nas entrevistas). Os aerofones, com a chegada e repercussão dos instrumentos electrónicos deram origem a uma nova classificação ou categoria: os electrofones – instrumentos em que o som é gerado a partir da intensidade de um campo electromagnético.
Das categorias de instrumentos aqui descritas a dos idiofones é a que apresenta um número mais significativo de instrumentos conhecidos da grande maioria das pessoas e classificam-se de acordo com a forma como ‘vibram’ ou como são ‘gerados em vibração’ e podem ser: idiofones de percussão (sinos, tubos, placas, bambu, metal, vidro e têm nomes como xilofones, metalofones. Exemplo: o hanpan tocado por Kabeção Rodrigues na 57ª recolha de entrevista, idiofones percutidos: em que a sonoridade é transmitida quanda a mão, baqueta ou outro objecto análogo toca/bate na superfície do instrumento: Exemplo: os dununs edjembés tocados por Kula ou o sabar tocado por Nataniel Melo, ambos em recolhas para o Arquivo), idiofones percussivos quando o som é proveniente do objecto com que se bate, idiofones de concussão quando o som da vibração resulta do choque entre dois objectos semelhantes. Exemplo: o peitoque tocado por Sebastião Antunes numa das recolhas ou as castanholas usadas por Né Ladeiras, idiofones de agitação quando o recipiente contém sementes ou grânulos que na agitação produzem som. Exemplo: caxixi usado por Ruca Rebordão ou Quiné Teles e Nataniel Melo, maracas ou sistro), idiofones de raspagem quando funcionam através de um corpo que vibra sobre uma superfície irregular que é ‘raspada’. Exemplo: reco-reco, idiofones beliscados quando o som se produz através da flexão de uma lâmina. Exemplo: o berimbau também tocado por Ruca Rebordão e falado na recolha, idiofones friccionados quando o som é gerado por fricção do corpo em vibração. Exemplo: violino de pregos.
A categoria dos membranofones é dividida em: tambores, tambores de fricção (como o caso da sarronca) e mirlitão (como as flautas de enuco ou Kazoos).
Já os cordofones são por norma assim classificados mas sub-classificam-se de acordo com o posicionamento das cordas relativamente ao corpo do instrumento, podem ser: liras – quando as cordas estão esticadas entre a caixa de ressonância e a armação, cordofones tipo alaúde – quando as cordas paralelas são esticadas ao longo do braço e se prendem no lado extremo oposto do braço, como o caso das guitarras, cordofones friccionados com arco – como é o caso das violas de gamba ou outras da família do violino cordofones tipo cítara – quando as cordas se encontram esticadas ao longo do comprimento do instrumento e paralelamente a este como o caso da trombeta marina, cordofones de teclado da família das cítaras como o clavicórdio, cravo ou piano.
Os aerofones assumem seis grupos distintos: aerofones de palheta (acordeão, órgão de boca ou harmónica de boca, saxofone, clarinete, oboé, fagote), aerofones de bocal (trompete, trompa, trombone, etc), aerofones de aresta (são da família das flautas como flauta transversal, flauta de pã ou de apito – bísel), órgão (sendo um instrumento mais complexo e híbrido é quase um instrumento à parte, tanto por conter tubos com embocadura de bisel como por ser munido de um ou mais teclados), voz
por se tratar de um instrumento humano que não é construído, é um caso embora se insira nesta classificação, complexo já que desempenha igualmente funções extra-musicais, como a comunicação oral, aerofones livres nos quais o som se produz através do ar em contacto com um corpo de um instrumento, em que o que faz o corpo vibrar é o ar e não o corpo em si mesmo (exemplo: pião musical).
As características tecnológicas, sociais, europeias e extra-europeias, etnográficas e organeiras dos instrumentos situam-nos pelo valor em si mesmo e não no espaço. A retórica que realça o imaginário de ”pertença geográfica” de um instrumento faz cada vez menos sentido até pelas alterações e desterritorializações de que eles têm sido alvo ao longo dos séculos.
referência: HENRIQUE Luís, Fundação Calouste Gulbenkian, Instrumentos Musicais