Hip Hop da Diáspora: Malcriado, Chullage e Bandidos
Recentemente, o sociólogo cabo-verdiano Redy Wilson Lima escreveu um excelente ensaio sobre o mundo do rap crioulo. Todavia, no meu entender, ficaram por dizer duas notas importantes. Em primeiro lugar, a relevância da crítica social suscitada pelos jovens do mundo rap, num arquipélago de intelectuais surdos e mudos perante uma série de injustiças sociais operadas pelo sistema político vigente. Em segundo lugar, a emergência do hip hop crioulo da diáspora. É sobre este último tema que pretendo elencar algumas ideias.
Tal como acontece no arquipélago, uma nova geração de músicos de intervenção emerge nos bairros da vasta diáspora cabo‑verdiana: La Mc Malcriado em Paris; Chullage em Lisboa; Jay na Noruega. Estes são os principais nomes que, neste momento, se encontram no meu playlist. Trata-se de bandas que tornam visíveis uma dupla margem, traduzindo a contestação tanto no arquipélago como na diáspora. Na diáspora, estes jovens cumprem extraordinariamente a função de mediação cultural.
La Mc Malcriado, Paris
Uma banda criada por quatro rappers descendentes de diferentes ilhas do arquipélago que se encontram no território da diáspora: Stomy Bugsy, Jacky Brown, Jpax e Izé. Trata-se de jovens com uma carreira consolidada na música, sendo que alguns possuem também experiências no cinema ou na televisão. Daí a forte capacidade de intervenção, bem como o seu grande impacto na cidade das luzes. Com o álbum de estreia, Nos Pobreza Ke Nos Rikéza, conquistaram o Kora Music Awards 2010. Num dueto com a Mayra Andrade, no tema «Mas Amor», foram premiados como Melhor Grupo Diáspora Europa/Caribe. Agora, acabou de sair o seu segundo álbum, Fidju di Kriolu, numa exaltação da cultura cabo-verdiana, em trânsito entre o arquipélago e a diáspora, e vice-versa. A sofisticação por vezes identificada no argumento do grupo enraíza-se na memória colectiva cabo‑verdiana e na tradição de contestação juvenil nos bairros de Paris. Entre a apologia da não‑violência e a violência libertadora, esta banda liga a arte musical com a pintura mural, num gesto de resgate e celebração da diversidade e da interculturalidade.
Chullage, Lisboa
É, na verdade, um filho da diáspora que, diariamente, peleja contra a violência lançada aos bairros, a marginalização dos grupos sociais que ali habitam e a persistência da classificação estigmatizada de «preto» ou «português de segunda». Músico, activista e administrador de uma associação no Seixal, a Kapaz. Tem dois álbuns editados: Represálias e Repensar. Além de ter conquistado a audiência da Sic Radical, é curioso constatar a extraordinária recepção da crítica chullagiana no mundo rap da periferia lisboeta. Dizem que há ciganos e jovens brancos de bairros pobres que também identificam a sua música como rap crioulo, muito por influência do Chullage. Em Lisboa, portanto, a não essencialização dos jovens músicos deverá suscitar alguma curiosidade.
Jay & Bandidos, Noruega
Jay faz uma mistura reggae-hip-hop. O álbum acabado de sair ilustra a vivência na diáspora e o diálogo intercultural in a world of strangers. Aliás, na prática, a banda revela a diversidade e a interculturalidade que caracterizam este colectivo reggae internacional, composto por músicos de Cabo Verde, Noruega, Portugal, Irlanda, Inglaterra e Irão. No caso de «Djam Bai Lady», um dos temas do álbum, retrata o imperativo da viagem, o provedor masculino, a amada fixada no arquipélago e o desejo do regresso. É curioso que, mesmo na diáspora e diante das recentes mudanças nas relações de género, subsiste uma carga sexista, num retrato de uma Ela passiva e de um Ele labutando cansado na terra-longe em busca de um futuro de conforto. Será, no entanto, tão‑somente um pequeno reflexo da condição do sujeito compositor, neste caso, um rapaz?
Chullage
(http://www.youtube.com/watch?v=YJsHzcbGpGc&feature=related)
La Mc Malcriado
(http://www.youtube.com/watch?v=jyhSOuDsVQE&feature=related)
Jay na Noruega