O rosto da paisagem – uma estrada dois olhares
Partindo da ideia do universalismo do conceito de “amizade” e “viagem”, dois artistas, um escritor e um fotógrafo, um português e um angolano, propõem-se passar sete noites e um dia atravessando algumas províncias angolanas: Luanda, Kwanza Sul, Huambo, Huíla, Namibe e Benguela, em busca de materiais visuais, humanos e de escrita.
Texto Ondjaki Fotografia Jordi Burch/kameraphoto
O Rosto da paisagem I
fomos à Conda dormir num lugar muito peculiar mas que rendeu fotos e estórias, e também (tão importantes) as humanas e mágicas conversas com gente que se encontra no caminho, o amigo Paulo Pinho que partilhou o seu funji connosco, numa noite escura, para que no dia seguinte fossemos visitar a piscina de água quente da Conda – e o seu simpático guarda…
o céu adormecera e era domingo
na lua
a paisagem não regateia coisa alguma
o que essencialmente a caracteriza
é a palavra sossego
que língua falam os pássaros
de madrugada
que não a do amor?
escuto a madrugada
lento manancial de céus
os pássaros
são mais sabedores
soprar com afecto
o chão que se pisa
traz ecos de sabedoria
O Rosto da paisagem II
celebro, enfim
o intenso vazio
havia fumo em redor
do que havia para ser dito
não pela minha boca
mas pelo bramido
quieto de qualquer homem
o bramido quieto de qualquer homem
gente com sorrisos pendurados em vez de tristezura, fazendo da distância percurso e da saudade motivação, com vontade de lá chegar para ir dar notícias ou dizer da vida…
agora viria a suceder-me o mesmo encanto interno, o mesmo deslumbramento, pelo simples facto de estar livremente rumando a Sul, ao Sul do meu país, por estradas tão novas e tão negras, tão bem pintadas e tão sob estreia, que um homem via-se na obrigação de se perguntar se seria afinal normal sentir tão profunda emoção pelo simples facto de olhar para uma estrada…
estrada simbólica de passagem e ida, e regresso, poesia da vida em permissividade constante, de dia, ao sol, ao fim da tarde, com os olhos marejados de brilhos encarnados, ou mesmo de noite, como nos aconteceu tantas vezes, em chuva e encantamento de som a agredir a chapa da viatura que nos embalava mais para a frente, o Sul era a nossa promessa desejada…
lento
o fogo se apazigua
A exposição foi produzida e esteve patente no Instituto Camões – Centro Cultural Português em Luanda, de Julho a Agosto de 2010