Primeiro os pássaros partiram (first the birds left). Diário e notas

E o mar acima céu abaixo
é o cenário.

As nuvens são aquelas que aprenderam o alfabeto.

“Para chegar até os anjos você precisa passar por mim”,
disse o barulho do zíper se abrindo no couro num corpo horizontal.

Pelas placas nas estradas da Margem Sul de Lisboa não deixo de perceber que entre

os
candidate te
e os
anuncie aqui
se espreme o sonho

o capital em letras capitais e um número de contato.

Na camiseta branca, ARIAL BLACK em preto, centralizada na serigrafia caseira recente a frase:

I HAVE NO MOTHER I HAVE NO FATHER I HAVE NO HOME
I HAVE NO LAND

I HAVE NO NAME,
I AM NO MAN,
I AM THE WIND THAT CURVES THE DESERT,
I AM A BIRD OF PARADISE.
A alma guarda o que a mente tenta esquecer, racionalmente ouvi. Daria um filme.

O pé afunda na pedra portuguesa desnivelada e a luz solar ignora a retina e aqui foi o suficiente para me retirar do mais novo daydreaming: A ferida, a chaga, a procura da cura.

É tão fácil o outro vilanizar,
simples matemática de projetar, realizei após atos atroz há eras atrás.

Hoje já sou ataxiano profissional.

32 anos sendo nordestino no Brasil. 1 ano sendo brasileiro em Portugal.

Faça as contas.
Isto sou eu tentando guardar imagem. 3/4 das vezes,

O Chiado ecoa na multidão, lamúrias em vão, a desgraça corre mais rápido que a sorte.
E de onde ela vem,
com quem ela anda,

quem a pariu?

o som de um desmaio nunca é o mesmo.

“Não cessar de ver todo o paradoxal”, diz Artur Omar. Eu carrego esta frase comigo há tanto tempo após tantos tombos neste corpo cansado de nômade que clama calma. - Pausa para respirar, dizemos em gíria. Gíria não! Dialeto. Os altares em esquinas é a imagem na TV que normaliza o fim do mundo. Em quadro noto que a poeira que corre a rua não são das estrelas, escombros não são caixões, sirenes são os últimos sons, foguetes cruzam o sujo azul, como se mora no céu? — No relance borrado do carro branco me perguntei.

O sentimento que pesa a mão é o mesmo que segura o aparelho que transmite o mais novo genocídio.

Dos vestígios do P de pólvora até os resquícios de plásticos encontrados em pérolas habita os povos que ainda dançam a dança do recusar e resistir para não temer o encontro da asa com o fogo.

“Você reconhecerá a felicidade quando você a ver morrer”, disse Bataille. Salamat! É o que tenho dito ao término das ligações telefônicas com Saif.

Ontem uma pessoa me contou que reparou, na primeira vez que nos conhecemos, eu lhe ofereci um abraço. As Universidades de Portugal cobram 5 vezes mais o valor de mensalidades para imigrantes brasileiros. O desconto em medicamentos não existe, mas pagamos os mesmos impostos. Eu já vendi todas as câmeras que trouxe do Brasil e comprei este moleskine em promoção por 5 euros na FNAC.

Não ser primeira opção,
nem mesmo quando és a única.

(Carcará, a ave do Sertão que nunca passa fome, segundo o poeta do povo João do Vale)(Carcará, a ave do Sertão que nunca passa fome, segundo o poeta do povo João do Vale)

Ou achas que me esqueci dos longos anos na fila da Alfândega? O meu algoz chamava Joana.

Ela coordenava aquele purgatório melhor que Bosch o pintava.

Checa-se bagagem, celular, documentos, repete-se perguntas
e religiosamente
 julga-se.

Quem checa a história é meu estômago.
Mais outro tipo de morte.
“A AIMA JÁ ARRECADOU MAIS DE 30 MILHÕES DE EUROS” é o título da notícia.

O mais novo precarizado órgão do governo local consigo traz o programa assassinos de futuro, o fordismo da sensibilidade, o leilão das vidas, a perseguição nas ruas triplica, o ódio na saliva, a chacina do olhar, casas são invadidas, casas são esquecidas, casas são vendidas, casas passageiras, línguas estrangeiras, isso tudo num piscar.

Pisquei.

Qual será o próximo demônio que eles vão criar?

As engrenagens funcionando à corda. Propositalmente também, obviamente. É cômico, se não fosse trágico. São mais de 400 mil processos pendentes à espera da mão que puxa a gaveta.

Entre mortos e feridos,
em terra ou oceano,
estáticos ou trêmulos,
também conta-se os exílios
dos corpos em regimes políticos confinados à geografias imaginárias

ou em termo mais restrito “prisioneiro de consciência”, segundo a Anistia Internacional.

A máquina com fios, metais e luz
fabricou a indumentária para o futuro,
desnudos desta de mãos dadas caímos mais profundo, rumo à porta que só abre por dentro
pela figura da margem.

“Mas para o cego tudo isso era apenas uma escuridão incompreensível que se mexia, se agitava de maneira estranha, ribombava e tilintava em volta, estendendo-se a ele, tocando sua alma por todos os lados com impressões ainda desconhecidas, e a soma delas doía em seu coração.” eu sublinhei em “O músico cego”, de Vladimir Korolenko.

2023 — 2024

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Vou lá visitar | 25 Julho 2024 | brasileiro em Portugal, imigração, quoatidano, xenofobia