Forjado na sociedade colonial-escravocrata como meio de comunicação entre os diferentes grupos étnicos negros escravizados trazidos cativos da costa africana vizinha para as ilhas e os seus senhores brancos chegados com as navegações marítimas europeias, o tráfico negreiro e o comércio triangular transatlântico, o crioulo cabo-verdiano emergiu, assim, como a expressão (linguística) mais eloquente e visível da cultura crioula surgida da interacção, do confronto e do diálogo civilizacionais entre dominados e dominadores, entre explorados e exploradores, no chão agreste das ilhas cabo-verdianas, encontradas desertas de populações autóctones e virgens dos pontos vista antropológico e sociológico.
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28.08.2025 | por José Luís Hopffer Almada
Outra faceta de António Jacinto — uma espécie de “conselheiro sentimental”, passe a expressão — é-nos dada pela sobrinha Maria Cecília, ao contar o caso da sua irmã Nica, apaixonadíssima por um colega de escola, «que não lhe deu bola nenhuma.» Desesperada, procura junto do tio amado, não só consolo, mas também a sugestão de um modo capaz de aliviar a dor do seu “mal de amor”. Conselho do sábio Jacinto: «— Nica, nunca se namora com ninguém da mesma escola, nem da mesma rua. Nunca se esqueçam disso.»
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26.08.2025 | por Zetho Cunha Gonçalves
Que se reerga a grande ilha do Porto Grande e Monte Cara pelo alento das suas valorosas gentes, com a solidariedade fraterna e firme dos cabo-verdianos de todas as ilhas e diásporas, contra projetos supremacistas malsãos engendrados por mãos estrangeiras, ainda acolitadas por serventuárias nacionais. Hoje mais do que nunca faz sentido o verso de «súplica« de Djoya «sonsent nxina-me oiá lus di sol». Que o sol do novo dia te seja de novo radioso, Sonsent.
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26.08.2025 | por José Luiz Tavares
Mais do que um livro, esta antologia, construída à sombra de cinco décadas das Independências, é mais do que uma comemoração: é um gesto de escuta e de reinscrição. Entre as narrativas aqui reunidas, ecoa não apenas a memória das lutas e dos processos de libertação dos Cinco países africanos em pauta, mas sobretudo a densidade humana das suas heranças, contradições e promessas por cumprir: estas narrativas não narram apenas o que aconteceu, mas o que restou, o que persiste e o que se deseja. Assim, a literatura funciona, aqui pelo menos, como escuta do que falta. Porque estas são vozes que cancelam o silêncio histórico, que revisitam o trauma colonial e a utopia da libertação com a linguagem sensível da poiesis – trazendo algo do não-ser ao ser, dando origem a algo que antes não existia, presentificando ausências e desvelando invisibilidades.
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19.08.2025 | por Inocência Mata
Com a introdução, no Manual, mesmo que a título experimental, de uma ‘norma’ de escrita nova, não se tem em conta todo o trabalho anteriormente desenvolvido na produção de normas ortográficas para a LCV, quer a nível científico, quer a nível oficial. Não sendo consensual, nem previamente testada noutros contextos, essa ‘norma’ tende a gerar resistência na comunidade linguística e na comunidade educativa, podendo assim pôr em causa o sucesso do ensino formal em língua materna.
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18.08.2025 | por vários
A ciência linguística, em múltiplas vertentes – pela análise exaustiva de dados empíricos quanto às suas propriedades fonológicas e morfossintáticas, em articulação com a sociolinguística e a linguística histórica – conhece numerosos casos bem documentados de outros contextos que sistematicamente demonstram isto: nenhum sistema ortográfico é neutro. A escrita das línguas vem sempre associada a ideologias e disputas, refletindo relações de poder e visões muito distintas sobre o sentido coletivo. Ou seja, esta não é uma realidade exclusiva de Cabo Verde, é algo que acontece em processos semelhantes por todo o mundo.
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17.08.2025 | por Fernanda Pratas
A adesão à Independência, longe de significar a emancipação dos povos amazônidas, consolidou a subordinação da região ao centro-sul do Império. O Pará, antes colônia de Portugal, passou a ocupar uma posição periférica dentro do novo Brasil. As estruturas de dominação e exclusão social permaneceram. O poder continua, até hoje, concentrado nas mãos de uma elite política e econômica associada aos interesses do sudeste e das potências estrangeiras e o povo amazônida ainda é marginalizado nos processos decisórios do país.
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17.08.2025 | por Gabriella Florenzano
Há, no entanto, um denominador comum: a necessidade de partir. Trata-se de uma região que viveu longos períodos de miséria, em que a vida era demasiado dura para ser sustentada, levando muitos a emigrar, sobretudo para França, de onde regressaram com condições melhores. Como se percebe nos testemunhos, a emigração não era uma simples aventura, mas uma inevitabilidade.
Vou lá visitar
14.08.2025 | por Manuel Halpern
Sendo um game show, pareceu-me importante ter esse lado da cultura pop, porque estes programas, para além de serem uma coisa muito ligada à cultura geral, também estão ligados ao mundo pop, a nomes ou a conceitos comuns para o público generalista. Mas interessava-me igualmente explorar um lado mais intelectual, neste caso de uma das concorrentes, a Rosa, interpretada pela Vera Cruz, em que pudesse existir uma pequena provocação sobre a discussão dos clássicos entre as concorrentes, que são as três pessoas negras.
Cara a cara
13.08.2025 | por Sara Goulart Medeiros
Não é nevoeiro, é o controlo doméstico de ver quem entra e quem sai, com quem anda e como está vestido, a que horas e com quem estava. Esse ressentimento, típico de quem está só a ver, cai, com a nortada, como uma névoa oleosa e entranha-se na estrutura cultural portuguesa. O funcionamento institucional português rege-se por leis de portaria: desde as instituições mais modernas, ao estilo de porteiro de bar ou discoteca, às mais tradicionais.
A ler
04.08.2025 | por Joana Lamas
O desejo é o que nos leva a produzir novas formas, a construir um mundo, a organizarmo-nos de maneiras singulares e inovadoras. Entre o que se espelha e o que se oculta, é a hipótese que sobra de nos libertarmos do pântano jurídico onde nos afogamos. Quando o outro aparece, surge sempre como alguém a ser lido, a descobrir, a tatear, como a figuração do desconhecido sobre a qual projecto as minhas fantasias. O desejo que deflagra num movimento inesperado, numa desigualdade oscilante, numa ondulação caprichosa, nunca será uma uniformização homogénea e igualitária. A igualdade confunde-se com impunidade na sociedade neoliberal, a impunidade é hierárquica. Na perversão capitalista, igualdade significa apenas privilégio.
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04.08.2025 | por Ricardo Norte
É evidente que os regimes totalitários se baseiam na censura, estetizam os heróis e as narrativas metafísicas. O «Partido dos Mortos» realizou performances no forte de Santo António da Barra e na rua que ainda hoje se chama Doutor Oliveira Salazar. Curiosamente, 51 anos após a Revolução das Cravos, em Portugal, mais de 17 topónimos têm o nome de Salazar e mais de 700 têm nomes de figuras do regime do Estado Novo. O que fazer com essa memória política? É necessário demolir monumentos e renomear nomes geográficos? A questão é complexa, mas a situação atual exige claramente reflexão e comentários.
Mukanda
04.08.2025 | por Partido dos Mortos
Se o surgimento do movimento dos Soulèvements de la terre foi a melhor notícia dos últimos anos no que diz respeito às lutas ecológicas e ambientais, a publicação do livro que aqui abordamos parece-nos um contributo essencial, com os recursos teóricos, táticos e estratégicos que nos apresenta, para as lutas ecológicas, agrícolas e sociais, transmitindo o gosto e a necessidade absoluta da ação direta coletiva.
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02.08.2025 | por várias
Mais de cem pessoas reuniram-se em Lagos no dia 26 de julho, para recordar e homenagear os antepassados encontrados em Lagos, num programa que incluiu uma cerimónia de atribuição de nomes, uma procissão musical e uma homenagem aos antepassados. Com a Sociedade de Arqueólogos Africanistas, Tributo aos Ancestrais, Vicky Olze, Anson Street African Burial Ground, Grupo Firmeza Batucadeiras de Almancil e a National Geographic. A Câmara Municipal de Lagos, apesar de ter sido convidada, esteve ausente neste dia histórico.
Vou lá visitar
01.08.2025 | por vários
O trabalho doméstico na Guiné colonial faz parte de processos mais vastos das políticas da diferença. Por um lado, afigura-se um instrumento por excelência de diferenciação social e exploração laboral, ao ser um trabalho sistematicamente feito por “indígenas” – africanos excluídos da cidadania portuguesa – que estavam entre os trabalhadores mais mal pagos. Por outro lado, era visto como uma forma de "civilização" e integração das populações colonizadas na sociedade colonial. No entanto, os baixíssimos níveis de aquisição da cidadania revelam como a retórica "civilizadora" não tinha uma tradução prática, mantendo as populações africanas arredadas de uma real integração legal.
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31.07.2025 | por Pedro Cerdeira
A permanência de Leite Nunes em Tempué resultou no nascimento de Maria Eugénia Leite Nunes. O nome da mãe da menina? Ana Kaimba. Idade? Não sabemos. A sua ocupação era “doméstica”, como indica Maria Eugénia numa entrevista (Cruz, 2010). Não sabemos igualmente, por enquanto, a sua comunidade de pertença. Os povos predominantes da região eram os Quiocos e os Ganguelas. Assente está que o nascimento da menina foi antecedido pelo primordial dos atos, o ato carnal entre um homem e uma mulher. Ele, chefe de posto e ela, uma mulher local. O futuro da menina, filha de pai português branco e de mãe angolana negra, por mais privilegiadas que fossem as circunstâncias do seu nascimento, a sua vida até à independência de Angola estaria sujeita à «condição colonial».
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27.07.2025 | por Aida Gomes
Tendo a Palestina como denominador comum de quase todos os concertos, Sines celebrou, mais uma vez, a diversidade musical com um programa de luxo, curado por Carlos Seixas, que assinala uma vigorante 25.ª edição. Destacam-se dez grandes momentos de um festival que nos ensina a ver e a ouvir o mundo.
Palcos
27.07.2025 | por Manuel Halpern
Há quem queira tapar o sol com a peneira, mas foi o que aconteceu com a escravatura, com o colonialismo. Agora continuamos carentes de paz, harmonia, democracia, liberdade. Isso é visível. O angolano tem diamantes, petróleo, urânio... e mesmo assim foge da sua terra. Essas riquezas deviam pagar a nossa existência confortável. Mas pagam a vida de outros. Eu gostaria que fôssemos realmente independentes, livres, emancipados.. Nós éramos tão fraternos uns com os outros.
Cara a cara
27.07.2025 | por Manuel Halpern
Longa conversa com Ana Paula Tavares, Arimilde Soares e Sofia Afonso Lopes que, com Noemi Alfieri e Rosa Maria Fina, organizaram o livro "Escritas Afrodescendentes: Estudos, entrevistas e testemunhos".
Cara a cara
26.07.2025 | por Ana Paula Tavares
Dizem que os trabalhadores não participam das reuniões e dos movimentos. Mas eles estão trabalhando 12, 13, 14, 15, 16 horas por dia. Qual o horário que eles têm para participar de uma reunião? Para ler um manifesto, uma ata, desenvolver consciência política? A materialidade não permite. Então, propor reuniões não é a solução. O que tem que se propor é luta. Quando a situação aperta, só há espaço para luta. O problema é que a esquerda teme que essa luta aconteça longe do seu pensamento. E quer primeiro impor a sua visão e só depois fazer a luta. Mas assim não funciona.
Cara a cara
22.07.2025 | por Manuel Halpern