O cansaço do esclarecimento: notas sobre a razão, a crise e a possibilidade

O cansaço do esclarecimento: notas sobre a razão, a crise e a possibilidade A verdadeira catástrofe do nosso tempo é a colonização do espírito. A indústria cultural, agora digital, não apenas molda os gostos — fabrica o próprio sujeito que deseja. A linguagem empobrece, a imaginação administra-se, e a crítica converte-se em algoritmo. O que Bloom chamava de “morte da alma” é hoje uma condição planetária: o sujeito globalizado é um híbrido de consumidor, militante e espectador, preso à ilusão de autonomia que o mercado lhe vende.

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05.10.2025 | por Eugénio Matusse

Cinema Troiano: arquivos espectrais da Palestina

Cinema Troiano: arquivos espectrais da Palestina Mais de setenta e sete anos depois do início da Nakba, o que pode a poesia face ao genocídio na Palestina e à ruptura do elo entre o ver e o agir? E o que faz o “cinema de poesia” aos arquivos da história? Através de uma travessia entre o cinema de Jean-Luc Godard e Kamal Aljafari e a obra de Basma al-Sharif, Maryam Tafakory e Lincoln Péricles, esta programação debruça-se sobre a profanação de arquivos, na sua materialidade e espectralidade, como instrumento de uma re-articulação da estética e da ética e de exercício de justiça no cinema de e sobre a Palestina.

Afroscreen

05.10.2025 | por Raquel Schefer

"Merecemos colher os frutos do nosso trabalho." Rui Estrela

"Merecemos colher os frutos do nosso trabalho." Rui Estrela Um monumento dedicado a todas as pessoas que recusaram a escravatura e resistiram de várias formas: fugindo e recusando ser propriedade de alguém, resistindo pela manutenção da sua matriz cultural, mantendo-se vivos e apostando num futuro que só dava pistas de desgraça. Um monumento aos que nunca deixaram de acreditar que vão ser livres e que se revoltam quando a sua liberdade é ameaçada. Inspirar mudança, rebeldia perante a injustiça, defender a dignidade humana, de todos os humanos e seres vivos. Mais do que ter voz, é preciso ter organização, recursos, sentido de comunidade e poder.

Cidade

02.10.2025 | por Rui Estrela

nós-rio Uma exposição com o Rio Grande da Pipa pelo coletivo c.a.m.p.o

nós-rio Uma exposição com o Rio Grande da Pipa pelo coletivo c.a.m.p.o nós-rio é o resultado dessa co-existência e dessa co-autoria, que se foi revelando nos mais diversos formatos. O impacto acabou por se reproduzir em praticamente todos os trabalhos. Multiplicar essas paisagens foi, também, um modo de nos tornarmos veículo do rio: mapeamos para conhecer e proteger, quer seja em pinturas, fotografias, filmes ou bordados.

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02.10.2025 | por coletivo c.a.m.p.o s

Venham mais cinco! revela o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa

Venham mais cinco! revela o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa  Os 4 núcleos temáticos desvelam a geografia social de um território que a maioria dos fotógrafos desconhecia, embora alguns fossem já experientes e carregassem a bagagem de várias guerras e revoluções um pouco por todo o mundo. Descobriram em Portugal a alegria popular nas ruas de Lisboa, as reivindicações operárias na cintura industrial da capital, o Alentejo das revoltas contra os latifúndios e o Interior Norte empobrecido onde as crianças iam descalças para a escola, quando esta existia a quilómetros de distância, e em casa quase ninguém sabia ler.

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02.10.2025 | por Carla Baptista

Conversa entre a espada e o pescoço: Ghassan Kanafani

Conversa entre a espada e o pescoço: Ghassan Kanafani Quanto à escrita de Kanafani, ela não existe num vazio, mas como parte de uma prática política revolucionária no sentido mais amplo. Seja a partir da produção literária, onde relata, a partir de baixo e da sua própria experiência como refugiado, a Nakba palestiniana, recusando a sua naturalização ou eventualidade, ao introduzir o povo palestiniano como sujeito histórico que vive a Catástrofe como rutura que transformou radicalmente o seu quotidiano e a sua experiência espácio-temporal, mas também como processo em curso a ser contrariado por um permanente movimento de recusa e de retorno. Seja a partir de uma produção teórica que se alimenta e que alimenta a prática política revolucionária, quer a partir do que hoje chamaríamos de Estudos Culturais e Literários, quer a partir de complexas análises sociológicas, sempre informado pelo materialismo histórico como método.

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01.10.2025 | por Bruno Costa

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 16)

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 16) O que é fascismo hoje? Se fosse só autoritarismo, então o regime do Nicolau Imaturo, do Jinpingpong, do Merdogan, do Filha-da-Putin, do Jennifer Lopez Angolano, ou do Chefe-Único, entrariam na lista. A veneração do líder pela massa que antes também uma marca, hoje é difícil destrinçar nesta sociedade de autocultuamento. O Chefe-Único, todavia, faz questão de ter a sua foto em todas as instituições e espaços públicos. E o Vaticano? O tio Paulo Bano disse-me: “O fascismo fala da pátria, o nazismo da raça, o Vaticano da fé, mas é tudo para ajoelhar e obedecer. O Vaticano não manda matar, só fecha os olhos e reza pelos mortos, e depois absolve os vivos, em nome do perdão.”

Mukanda

29.09.2025 | por Marinho de Pina

Virá que eu vi, Amazónia no Cinema - Introdução

Virá que eu vi, Amazónia no Cinema - Introdução Este livro reforça a visibilidade de filmes que combatem estereótipos, tentam descolonizar o olhar e afirmam um cinema ético, comprometido e transformador. São exemplos do Cinema Amazónico que apelam à solidariedade e à ação. A luta indígena e de outros povos da floresta não pode ser levada a cabo somente pelos que vivem nesses territórios; exige a mudança de mentalidades e um esforço global de apoio à sua resistência, assim como ações concretas para conter o avanço da destruição. No nosso contexto de urgência climática, é fundamental conhecer a situação vulnerável do bioma amazónico – e, acima de tudo, compreender a conjuntura na origem dessa situação. Por isso, a Amazónia tem de estar presente nas salas de cinema por todo o mundo. Acredito que o cinema pode desempenhar um papel crucial na mudança de consciências e na definição de novas políticas. É a minha contribuição para ampliar esse conhecimento.

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28.09.2025 | por Anabela Roque

Só existe comunidade quando os problemas básicos forem resolvidos. Ariana Furtado

Só existe comunidade quando os problemas básicos forem resolvidos. Ariana Furtado O Castelo tem características diferentes da Graça. É um bairro com uma população envelhecida. A rua da minha escola cada vez tem menos pessoas a morar e mais alojamento local. Estamos a deixar de ter vizinhos. É reconhecido à Escola o papel fundamental de manter vida de bairro no Castelo com a circulação das crianças e dos pais. A Graça é um bairro cheio de vida e de gente, mas com uma profunda desorganização a instalar-se. O comércio local começa a desaparecer. As pessoas vêm perdendo as suas casas e são afastadas do bairro onde nasceram e cresceram. Isso cria revolta. E as revoltas são terrenos férteis para a extrema direita.

Cidade

25.09.2025 | por Marta Lança e Ariana Furtado

A memória portuguesa é indissociável da presença negra. Paula Cardoso

A memória portuguesa é indissociável da presença negra. Paula Cardoso Mais e mais pessoas negras estão a projectar a voz no espaço público, em Lisboa e sobre a cidade. Observo-o nas diferentes manifestações que nos têm mobilizado; na diversidade de colectivos e produções negras; na programação de inúmeros espaços culturais; e até em iniciativas institucionais, por mais tímidas e inconsequentes que possam ser. A mudança que tem vindo a acontecer é reflexo de décadas de lutas negras que, nas gerações mais novas, já beneficiárias de mais e melhor acesso à Educação, se traduz muitas vezes numa maior consciência política, e num compromisso para a mudança. Assinalo o importante contributo não apenas do movimento associativo, mas também da academia – sobretudo a partir de pesquisas de investigadoras e investigadores negros –, consistentes na valorização e promoção das agendas negras. Com os nossos pensamentos e práticas, somamos e multiplicamos vozes.

Cidade

25.09.2025 | por Marta Lança e Paula Cardoso

Guiné-Bissau: um caso singular das luta de libertação

Guiné-Bissau: um caso singular das luta de libertação Da mesma forma que no Ayiti, foi a união dos diferentes povos africanos, então desmembrados dos seus territórios, que permitiu a maior revolução de todos os tempos. Ambas as revoluções, ayitiana e guineense, entram, sem dúvida, para a história das grandes revoluções pan-africanas. Mas, parafraseando Cabral e Deolinda Rodrigues, não devemos celebrar vitórias como se fossem eternas. É preciso sempre lembrar que a vida de uma nação é luta, luta todos os dias para manter a sua liberdade e soberania.

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24.09.2025 | por Apolo de Carvalho

Retorno à boa nova: caiu o pardieiro pandialetal, mas o perigo continua à espreita através do (projeto) hORIZONte

Retorno à boa nova: caiu o pardieiro pandialetal, mas o perigo continua à espreita através do (projeto) hORIZONte para a pugna, contra o requentado duma tal ciência abstrusa. (Bem mais limpa é a poesia que trago presa à bossa, e borbulha de vida & verdade nas suas várias declinações. Bruxuleando, pede-me apenas a paciência de aguardar que se equilibre sobre a pré destinada mesa, contra as porcinas patas dessas tão façanhudas alimárias).

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24.09.2025 | por José Luiz Tavares

A desigualdade está inscrita na paisagem. Victor Barros

A desigualdade está inscrita na paisagem. Victor Barros Quanto à presença negra no espaço público e ao modo como tem vindo a ganhar voz, Barros reconhece avanços, mas sublinha que isso acontece não porque haja políticas inclusivas, mas porque há luta. São os movimentos e as pessoas negras que têm forçado a abertura de espaço, exigindo representatividade e participação ativa. A cidade ainda não incorpora naturalmente essa presença, nem responde às suas demandas com a seriedade de uma cidadania verdadeiramente partilhada.

Cidade

23.09.2025 | por Marta Lança e Víctor de Barros

Penha de França, Bairro das Novas Nações, Olivais: toponímias coloniais em Lisboa

Penha de França, Bairro das Novas Nações, Olivais: toponímias coloniais em Lisboa Em Lisboa podemos identificar cerca de 250 arruamentos que, de uma forma ou doutra, possuem ressonâncias coloniais. Os nomes aí fixados, além de reflectirem as mudanças da cidade, constituem uma herança linguística, cultural e política da expansão europeia e, em particular, do colonialismo português. Esta articulação entre a toponímia lisboeta e a legitimação do Estado, cujo intuito era materializar e enraizar nas populações uma certa memória histórica (celebrando-a), está por muitos modos ligada à evolução dos acontecimentos políticos do país.

Cidade

23.09.2025 | por João Pedro George

Problematizar a configuração da cidade que reproduz as práticas coloniais. Beatriz Gomes Dias

Problematizar a configuração da cidade que reproduz as práticas coloniais. Beatriz Gomes Dias Durante um longo período, estas pessoas viviam em bairros de autoconstrução, em tudo semelhante à organização da cidade colonial: por um lado a cidade do asfalto, urbanizada, por outro, a cidade dos musseques (periferia). Havia casos extremos como o da Guiné-Bissau, em que tocava um sino à porta de Bissau, na chapa de Bissau, para que os que eram considerados indígenas abandonassem a cidade construída. E se olharmos para Lisboa vemos o movimento pendular para a cidade, para o centro da cidade no início da manhã, do povo que vem construir e limpar a cidade, o mesmo povo que construiu a riqueza da cidade e que, durante a pandemia, não pode parar. A luta antirracista pretende problematizar esta configuração da cidade que reproduz as práticas coloniais.

Cidade

23.09.2025 | por Marta Lança

A comunidade não se entrega à segregação. Nélida Brito

A comunidade não se entrega à segregação. Nélida Brito A população negra é muitas vezes empurrada para a periferia, onde vivem em bairros afastados do centro, onde estão os principais polos de emprego e serviços. Este afastamento dos negros para a periferia resulta numa separação física entre grupos socioeconómicos, sendo que as classes médias e altas residem mais próximo do centro. Esta divisão física acaba por acentuar as diferenças económicas entre estes dois grupos, tornando ainda mais difícil para quem habita na periferia sair em busca de habitação em zonas melhores, devido às suas limitações financeiras.

Cidade

22.09.2025 | por Marta Lança

Viemos roubar os vossos maridos, um espetáculo de teatro documental

Viemos roubar os vossos maridos, um espetáculo de teatro documental    “Viemos roubar os vossos maridos” é um espetáculo de abordagem direta, que denuncia, que informa, que diverte e que dá visibilidade as narrativas de imigrantes brasileiras em Portugal. Neste momento, no qual os ataques aos imigrantes ganham força, em Portugal e na Europa, culminando na recente Lei anti-imigração, este espetáculo deveria correr o país, promovendo debates e a desconstrução dos preconceitos longa e massivamente disseminados sobre a mulher brasileira, mas tem sido realizado como uma “guerrilha”, nas palavras de Pinheiro, com recursos e apoios limitados.

Palcos

22.09.2025 | por Miriane Peregrino

Celebração dos “nómadas digitais” e invisibilidade dos imigrantes. Lívia Apa

Celebração dos “nómadas digitais” e invisibilidade dos imigrantes. Lívia Apa Lívia denuncia o contraste brutal entre a celebração dos chamados “nómadas digitais” e a invisibilidade dos imigrantes que sustentam a cidade com seu trabalho precário. Lisboa, segundo ela, vive uma contradição gritante: valoriza o poder de compra enquanto ignora os direitos. É um apartheid velado que separa mundos que coexistem na mesma geografia, mas em realidades paralelas. Considera escandalosa a forma como os bairros de autoconstrução, colados ao conforto lisboeta, são ignorados por grande parte da população, um apagamento que revela o abismo entre classes e raças.

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22.09.2025 | por Marta Lança

Turn, turn, turn, de Maria Condado

Turn, turn, turn, de Maria Condado Maria Condado desloca para o espaço expositivo o espaço privado, mostrando uma ideia de atelier como espaço de vida e de experimentação, onde o pensamento e a prática se entrelaçam. Assim, o processo do fazer, pressupondo as suas circunstâncias e problemáticas, é entendido como parte integrante da obra, mostrando como, para a artista, público e privado se fundem, tal como o artista não se desliga da vida concreta. Este gesto reafirma o compromisso de Maria Condado com a realidade social e política, e com uma prática situada e que reclama o tempo presente e é capaz de intervir criticamente sobre este. Ao evocar um período histórico de conflitualidade social e engajamento político e ao remeter-se ao universo do atelier, apela à urgência da ação, instigando a responsabilidade da arte como instrumento ativo de interpretação, intervenção e transformação do seu tempo.

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22.09.2025 | por Patrícia Barreira

Tensões e convivências entre imigrantes, expatriados e lisboetas

Tensões e convivências entre imigrantes, expatriados e lisboetas Falou-se das dificuldades que hoje em dia se sentem em viver plenamente a cidade, por causa da especulação imobiliária, da gentrificação, da turistificação, dos problemas de mobilidade e transportes e das profundas desigualdades. Tudo isto agravado quando se habita na periferia, ou se enfrentam questões que remetem para a xenofobia estrutural ou institucional, como os muitos obstáculos burocráticos exemplificam, algo que é vivido quotidianamente, essencialmente, mas não só, por muitos indo-asiáticos, brasileiros e comunidades racializadas.

Cidade

22.09.2025 | por Marta Lança e Vítor Belanciano