Panafricanismo e solidariedade com Angola

No rescaldo do Dia de África, a ATD prossegue a evocação de acontecimentos de 1961 com a “Conferência dos líderes nacionalistas de países africanos não independentes” (Winneba, Ghana, 28 de Junho a 05 de Julho), homenageando assim um grande líder africano: Kwame Nkrumah (1909-1972).

Mobido Keita, Kwame Nkrumah e Sékou Touré num encontro em Accra para a criação da Organização dos Estados Africanos (29 de Abril de 1961)Mobido Keita, Kwame Nkrumah e Sékou Touré num encontro em Accra para a criação da Organização dos Estados Africanos (29 de Abril de 1961)

Em 1951, na então Costa do Ouro, Nkrumah levou o Convention People’s Party (CPP) a uma vitória inquestionável, no processo eleitoral organizado pelo poder colonial britânico para instalar um governo de transição. Em 1957 o Ghana (novo e simbólico nome) foi a primeira colónia da África subsariana a obter a independência. Em 1958, a agenda panafricanista do primeiro-ministro Nkrumah evidenciou-se, com a Conferência dos Estados africanos independentes em Abril e a Conferência dos Povos Africanos em Dezembro. Angola foi representada por Holden Roberto, enviado de Léopoldville pela União das Populações do Norte de Angola que em Accra se apresentou já como União da Populações de Angola (UPA).

Anúncio de conferência de Edward Kennedy, 14 de Maio de 1961Anúncio de conferência de Edward Kennedy, 14 de Maio de 1961De Luanda, recorrendo aos navios mercantes, grupos clandestinos enviavam informações e procuravam ajuda do novo país independente: um dos ‘correios’ era o marinheiro ganense Karl Dogbe, julgado à revelia no chamado ‘Processo dos 50’. Também os líderes do MPLA no exílio buscaram o apoio de Nkrumah, ainda antes de se estabelecerem na Guiné-Conakry.

Em Accra, o Bureau of African Affairs (BAA) e o African Affairs Centre (AAC) eram pontos de encontro dos independentistas africanos. George Padmore (aliás, Malcom Nurse), natural de Trinidad, que na Grã-Bretanha organizara com Nkrumah e outros o 5º Congresso Panafricano (Manchester, 1945), fixou-se no Ghana após a independência, liderando o BAA. Com a sua morte, em 1959, a chefia do BAA passou para outro antilhano, A. K. Barden. O Panafricanismo tornara-se anti-imperialista, atacava as tendências neo-colonialistas das ex-metrópoles, desconfiava dos EUA e via no bloco socialista, liderado pela União Soviética e a China, um aliado. Entre os países africanos independentes, os mais radicais formaram o ‘Grupo de Casablanca’, os mais conservadores o ‘Grupo de Monróvia’. Dos primeiros, a Guiné-Conakry e o Ghana eram, a sul do Sara, os principais apoios da luta anti-colonial.

 ‘Uni-vos para pôr fim à injustiça em Angola. Osagyefo’ (Título dado a Nkrumah, significando ‘Libertador’ ou ‘Salvador’) ‘Uni-vos para pôr fim à injustiça em Angola. Osagyefo’ (Título dado a Nkrumah, significando ‘Libertador’ ou ‘Salvador’)

Os inspirados discursos de Nkrumah tinham grande impacto: na Assembleia Geral da ONU, a 23 de Setembro de 1960, denunciou a política internacional no Congo e acusou os membros da NATO de colaborarem com o colonialismo português. A 30 de Maio de 1961, perante o Parlamento do Ghana, falou da “tragédia em Angola”, num discurso amplamente difundido: ‘Não se levanta aqui a questão de comunismo ou capitalismo. A questão reduz-se à fórmula mais simples de quais os países que têm suficiente interesse na humanidade para intervir e parar a carnificina em Angola’. Apelou à unidade dos nacionalistas angolanos e à unidade da África contra Portugal, com boicotes e pressão diplomática, concluindo com um implícito apoio à luta armada: ‘E se tudo isso falhar, então teremos de encontrar algum outro meio’.

 

De 28 de Junho a 05 de Julho uma Conferência dos líderes nacionalistas de países africanos não independentes reuniu-se em Winneba, próximo de Accra, no Instituto de Economia e Ciência Política (ou Instituto de Educação Ideológica). Criado em Fevereiro de 1961 para promover a revolução africana, o panafricanismo e o socialismo, o programa do Instituto chegou mesmo a propor o ‘Nkrumahismo’ como desenvolvimento do marxismo nas condições específicas da África. O director era o comunista e sindicalista ganense Kodwo Addison, secundado por Barden, do BAA. Temos pouca informação sobre a conferência mas pelo MPLA terão estado Mário de Andrade e Lúcio Lara, idos de Conakry.

Lúcio Lara com Isaac Tchoumba Ngouankeu e Thomas “Costa” (militantes da UPC), no African Affairs Center, em Accra (1960)Lúcio Lara com Isaac Tchoumba Ngouankeu e Thomas “Costa” (militantes da UPC), no African Affairs Center, em Accra (1960)

Em Junho de 1962, na segunda conferência dos ‘Freedom Fighters’, como ficou conhecida, Nkrumah empenhou-se directamente na política angolana: subscreveu com Mário de Andrade (presidente do MPLA) e David Livromentos (do Conselho Nacional da FNLA) um ‘acordo de princípio’ para uma aliança militar dessas organizações. Como noutras tentativas, o acordo de unidade não passou do papel.

MPLA e UPA beneficiaram da solidariedade do Ghana mas a ajuda norte-americana à UPA retirou-lhe a simpatia de Nkrumah, com mais afinidades ideológicas com o MPLA. Em Novembro de 1961 chegaram ao Ghana os primeiros jovens do MPLA para treino político-militar, liderados por José Mendes de Carvalho (Hojy ya Henda). A experiência não resultou e o grupo seguiu depois para Marrocos, mas o apoio político do Ghana à causa angolana continuou.

Entretanto, crescia a projecção internacional da guerra em Angola, com igrejas e grupos políticos organizando debates sobre as colónias portuguesas. Os países socialistas pressionavam em fóruns internacionais, como as organizações de solidariedade afro-asiática. Em 1960, em Conakry, ficou instituída a “Organização de Solidariedade dos Povos da Ásia e da África” (OSPAA), cujo secretariado proclamou em 1961 uma “Semana de Angola”, de 23 a 30 de Junho, que foi celebrada em diversos países, denunciando o colonialismo português.

Última página do Acordo de Princípio entre organizações angolanas, assinado sob a égide de Nkrumah (6-6-1962). David Livromentos, do Partido Democrático Angolano (PDA ), assinou por Rosário Neto. O PDA e a UPA tinham formado a FNLA em Março de 1962 e Livromentos era presidente do seu Conselho Nacional. Faleceu de doença em Outubro desse ano.Última página do Acordo de Princípio entre organizações angolanas, assinado sob a égide de Nkrumah (6-6-1962). David Livromentos, do Partido Democrático Angolano (PDA ), assinou por Rosário Neto. O PDA e a UPA tinham formado a FNLA em Março de 1962 e Livromentos era presidente do seu Conselho Nacional. Faleceu de doença em Outubro desse ano.

 

 

CONTEXTO CRONOLÓGICO
Ihosvanny. Kwame Nkrumah, 2006. Acrílico sobre tela, 89x100cm.Ihosvanny. Kwame Nkrumah, 2006. Acrílico sobre tela, 89x100cm.1957 - 6 de Março: Independência do Ghana, ex-Costa do Ouro. Nkrumah é primeiro-ministro.
1960 - O Ghana torna-se uma República e Nkrumah seu presidente.
1960 - Abril: Conakry - Viriato da Cruz (MPLA) intervém na 2ª Conferência da Organização de Solidariedade dos Povos da Ásia e da África (OSPAA).
1960 - Abril: Accra - Holden Roberto (UPA) intervém na Conferência ‘Acção Positiva para a Paz e Segurança em África’.
1960 - 15 de Dezembro: Resolução 1542 (XV) da ONU considera ‘terri¬tórios não autónomos’ os administrados por Portugal, exigindo informações sobre eles, conforme artigo 73º da Carta da ONU.
1961 - 15 de Março: Moção do Conselho de Segurança da ONU condena Portugal pela situação em Angola. Pela primeira vez, votam juntos os Estados Unidos e a União Soviética.
1961 - 20 de Abril: Resolução 1603 (XV) da ONU incita o Governo português a promover urgentes reformas nas colónias. É formado um Subcomité para investigar os acontecimentos em Angola.
1961- 9 de Junho: Conselho de Segurança da ONU aprova resolução considerando os massacres e repressão da população angolana um risco para a paz e segurança internacionais.
1961 - Junho: MPLA e UPA trocam correspondência com vista à constituição de uma Frente de Libertação de Angola (FLA), que não se concretizará.
1961 - 23 a 30 de Junho - ‘Semana de Angola’ decorre em vários países, por iniciativa da Organização de Solidariedade dos Povos da Ásia e da África (OSPAA). Em Conakry, o Presidente do MPLA, Mário de Andrade, apela ao boicote económico e diplomático de Portugal pelos países africanos.
1961 - 28 de Junho a 5 de Julho: Em Winneba (Ghana), Conferência dos líderes nacionalistas de países africanos não independentes.
1961 - Junho: Congo-Léopoldville - Marcos Kassanga é nomeado Chefe de Estado Maior do Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA), da UPA. Com apoio de Carlos Cassel (enviado pela Union Générale Tunisienne du Travail) e da Fédération Générale du Travail du Kongo, a UPA cria a Liga Geral dos Trabalhadores de Angola (LGTA) liderada por André Kassinda.
1961 - 30 de Junho: O primeiro balanço oficial português da guerra em Angola refere 50 militares mortos, entre 4 de Fevereiro e 30 de Junho.
1961 - 23 Novembro: Chega a Winneba (Ghana) o primeiro grupo de jovens do MPLA para treino político-militar, liderado por José Mendes de Carvalho (Hoji-ya-Henda).
1966 - Golpe de Estado força Nkrumah a exilar-se na Guiné Conakry, onde Sékou Touré lhe atribuiu o título honorário de co-Presidente.
1972 - Morte de Kwame Nkrumah, vítima de doença.

 

10 SUGESTÕES DE LEITURA
ÁFRICA NEGRA: HISTÓRIA E CIVILIZAÇÕES DO SÉCULO XIX AOS NOSSOS DIAS, Elikia M’Bokolo, Lisboa, Colibri, 2007.

LE MOUVEMENT PANAFRICANISTE DU XXE SIECLE. TEXTES DE REFERENCE, ‘Introduction’ de Elikia M’bokolo, Paris, Agence Internationale de la Francophonie, 2004.

‘GEORGE PADMORE, KWAME NKRUMAH, CYRIL L. JAMES ET L’IDEOLOGIE DE LA LUTTE PANAFRICAINE’, Elikia M’bokolo, 2003. http://www.codesria.org/IMG/pdf/mbokolo.pdf.

HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA, São Paulo, Ática/UNESCO , vol. VIII, 2010. www.unesco.org/brasilia/publicacoes ou: www.mec.gov.br/publicacoes.

IDEOLOGIAS DAS INDEPENDÊNCIAS AFRICANAS, Yves Benot, Lisboa/Luanda, Sá da Costa/Ministério da Educação de Angola, 1981, 2 vols.

HISTÓRIA DA ÁFRICA NEGRA, Joseph Ki-Zerbo, Lisboa, Publicações Europa-América, 1972, vol. 2.

KWAME NKRUMAH: THE FATHER OF AFRICAN NATIONALISM, David Birmingham, Athens, Ohio University Press, 1998.

THE ANGOLAN REVOLUTION, VOL¬. I: 1950-1962, John Marcum, Massachusetts, The MIT Press, 1969.
UM AMPLO MOVIMENTO – ITINERÁRIO DO MPLA ATRAVÉS DE DOCUMENTOS DE LÚCIO LARA (Vol. I: até Fev. 1961; Vol. II: 1961-1962), Lúcio Lara, Luanda, 1997-2006.
HISTÓRIA DO MPLA, Centro de Documentação e Investigação Histórica do CC do MPLA, Luanda, CDIH, 2008, vol. 1.

E para ler Kwame Nkrumah em português

A ÁFRICA DEVE UNIR-SE, Lisboa, Ulmeiro, 1977.

A LUTA DE CLASSES EM ÁFRICA, Lisboa, Sá da Costa, 1975.

NEO-COLONIALISMO: ÚLTIMO ESTÁGIO DO IMPERIALISMO, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967.

por Associação Tchiweka de Documentação
A ler | 21 Julho 2011 | angola, Kwame Nkrumah, Lúcio Lara, nacionalismo, panafricanismo