Bahia dinheiro curto mas sonho comprido. E Angola?
Salvador da Bahia, no seu coração Pelourinho e imediações, remete-nos a essa coisa estranha de sabermos tratar a miséria por tu e a seguir, a carregarmos na “ mochila dos afectos”, no colo de pessoas que nos dão, o tempo todo, a sensação de estarmos nas Ingombotas, no bairro do São Paulo, no Sambila. Iguais. Sorriem igual, na mesma pobreza , do mesmo jeito, deslocando-se numa preguiça por entre os becos e ladeiras íngremes em rituais fáceis, uma mesinha e duas cadeiras … um café, uma fatia de bolo caseiro com cheiro a bom, porque não há rigor para a celebração do fim de tarde… Quando o sol baza, depois de reinar “sem
maneiras”, fidelíssimo! Num estado de quase torpor! Também ele conhecemos, como o vento que vem do mar se anunciando atlântico blue! Húmido. Quente! Esse mar bom que nos une. E nos separa…
Por entre portais e janelas escancaradas para a vida, em mimosas e velhas casinhas como nos bairros da Praia do Bispo, rosa chá e ocre, as da Cidade Alta, como a cidade velha do Namibe e vem Benguela ao pensamento, Dondo, Porto Amboim, sei lá… placas com nomes iguais com igrejas idênticas, os mesmos Padroeiros as personagens familiares, onde se espreguiça uma arte devagar, marginal, sem documentos e papéis com carimbos pelo meio… uma arte que insiste em sobreviver em Galerias mínimas, casa sim casa sim, e que, sem serem “xpto”, longe disso… permitem o uso de paredes generosas para os artistas, em ruelas barulhentas com tabuletas que nos convidam a isto e aquilo.
Gente comum. Sem manias. Normal. Sem truques nem estória pessoal. Os pintores são “donos”. Os poetas são amigos, os músicos alquimistas, os Santos bwé e os pecadores Ahahaha, têm também aqui o seu lugar. Chitas floridas nas janelas, não deixam a pobreza no escuro… e as cadeiras à porta levam-me de volta à Cidade Alta, à casa de meus avós, no Palácio, no Beco do Balão… no tempo os vizinhos eram família e os amigos mais do que isso. Uns até hoje. Experimentei o Cenarius. E vieram em catadupa memórias possíveis sim! Exercício do verbo conversar. Comunicar. Dividir. Debater.
Ohhhhh onde foi nossa alma, nossa vontade e festa, nossa criatividade para driblar tempos difíceis? A miséria é igual, é irmã. Mas a tristeza não mora aqui. Por entre batuques e fé avulso, cantorias cânticos hinos à Paz, conseguimos adivinhar como foi duro para os nossos ancestrais e de como, por isso mesmo, inventaram de se inventar para resistir e tentarem ser felizes longe, por aqui. E veio a capoeira. E se instalou! Celebrou! Esquindivou! Aqui podia ser aí e aí podia ser aqui. Mas não é. Mas podia. Se podia! Com lugar para a cultura , a música vadia pelos caminhos empedrados e um “propósito” presente o tempo todo. Como os poemas em saldo na mesma língua lusitana, com os mesmos lamentos. Na rua! Grátis! Os mesmos amores e desamores. A mesma mania da fantasia. A malícia. O namoro descarado. A beleza estampada sem medo, em turbantes coloridos. Brincos colares e balangandãs… Os mesmos braços gordos das mamãs do acarajé laranja fogo, comida dos Orixás, que não lhes sabemos, mas lhes pertencemos quando lhes perguntamos komé? Os mesmos “manos”. As mesmas makas. A fruta igual. O mesmo dengo e perícia em conquistar o alheio… com um colar de Missanga e um “desejo” colorido amarrado no pulso da crença e da espiritualidade. Da fé! Dinheiro curto mas sonho comprido. Possível.
Onde foi que nos perdemos de nós?
Deitamos fora o tempo, não mais nos sabemos direito. Uns para um lado. E outros sem ele. Não insistimos no que nos pertence… e por aqui nos “vence” com estórias que são as nossas. Fazemos nada por ser parecido, quando se é igual. A vida passa ao lado. Nada nos amola. A festa não rola.
O que foi que nós fizemos? O que foi que permitimos que nos fizessem? Onde está o sonho? A “coisa” possível? Não é mal perguntar. Mal é calar. E parar. Desistir.
Angola sim. Por amor.