Fausto de cabelo azeviche viola debaixo do braço

Decorriam os anos 60 num frenesim cujo cartaz era make love not war. Um bando de boa gente com calças à boca de sino e cabelo à Beatle com botas de cano curto e bico fino… imperava em Luanda dando-lhe uma pincelada de contemporaneidade… a par e passo com um Mundo onde Janis Joplin e Jimi Hendrix reinavam, estádios cheios de punho erguido e uma nova forma de estar acontecia no planeta. Fausto de cabelo azeviche viola debaixo do braço, generosidade sempre pronta ao tratar o alheio macio por natureza, tranquilo com um sorriso que resolvia parte das macas, era figura que se destacava, por incrível que pareça, pela sua discrição e sempre com a música a tiracolo.

Foi aqui em Angola que nasceriam as suas primeiras bandas pop, Os Rebeldes e os Zorbas. O conjunto os Jovens na altura eram um dos bons pontos de encontro para quem se alimentava de boa música… ao lado dele Zé Andrade, Zé Carioca que já cá não estão como ele, mas por exemplo Abílio Mendes e uma turma lusitana de esquerda sem ser festiva eram um punhado de Amigos que ele possuía além-mar.

Campas Nunes (teclas), Rui Chaves (baixo), Vicky (vocalista e ritmo), Tony Matos (baterista) e Fausto (viola solo e vozes) - foto de 1965.Campas Nunes (teclas), Rui Chaves (baixo), Vicky (vocalista e ritmo), Tony Matos (baterista) e Fausto (viola solo e vozes) - foto de 1965.

Um grupaço de gente do Huambo, grande parte de ajudantes universitários… eram sua roda de Amigos … eu era menina e lembro-me das primeiras vezes que à boca fechada se falava na PIDE e nessa coisa de fazer da Música uma ferramenta pela libertação de um lugar que é hoje Angola. São inúmeros os nomes associados a esta época mas Fausto, e porque é dele que falo, sempre o vi envolvido seriamente com um abraço terno, afetuoso mas cáustico e crítico quanto ao sistema a tentar ajudar a resolver o que não “ía bem”.

Na Cidadela emoldurou a Independência com outros amigos todos ausentes como ele agora. Foi bonita a festa pá! Presente atento e batalhador pelas causas nobres como a Liberdade. Decorriam os anos 60. De Paz e amor. Obrigada Fausto. Pelo teu jeito e tenacidade sempre tão discreta em “ajudar a malta”. Com teu violão e esse jeito particular de fazeres “a luta”. Valeu companheiro duma época em que esperança nem se falava porque a certeza comandava. Obrigada Fausto.  
Seguem beijos de verdade como aquilo a que me remeteu Fausto quando soube que partiu. Tantos nomes que se podia falar mas ia sempre faltar algum… Que luto. Companheiro de uma “irmã” minha Gabriela que faleceu faz pouquinho tempo e que me faz assolar a uma tristeza imensa. 

por Isabel Baptista
Palcos | 3 Julho 2024 | angola, Fausto